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Ponto de Fuga
Notas de viagem 2
"Cenerentola", de Rossini, a música mais endemo-
ninhada que já passou pelo cérebro de um compositor, ficou mais engraçada e maluca graças a Irina Brook, que dirigiu cenicamente o espetáculo
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O teatro de ópera construído por Garnier em
Paris é um prodígio.
Máquina de fabricar ilusões espetaculares, foi inaugurado em
1875.
Edifício lendário, verdadeiro
personagem central do romance "O Fantasma da Ópera", de
Gaston Leroux [1868-1927], foi
chamado "a ópera de Paris", até
que a outra, a da Bastilha, fosse
concluída em 1989. Então tomou o nome de seu arquiteto,
para se distinguir da irmã 114
anos mais nova.
Os espaços, estreitos ou dilatados, aéreos e suntuosos, protegem o espectador em seus
percursos. A ornamentação,
abundante, mas justa e necessária, fascina, graças à qualidade dos artistas que nela trabalharam.
De "A Dança", de Carpeaux,
em pedra, que acena da fachada
para quem chega, à "Pítia", em
bronze, tremenda, hipnótica,
que surpreende e atrai, escondida sob o vão da grande escadaria, sucedem-se maravilhosos gênios alados, alegorias
sorridentes ou graves.
A "Pítia" mereceria ser mais
conhecida do que é. Seu autor,
a duquesa Castiglione Colonna,
tomou o pseudônimo masculino de Marcello, para se impor
diante de seus concorrentes,
todos homens.
Nesse escrínio, "Idomeneo",
de Mozart, na representação de
4 de fevereiro, foi medíocre e
consternador: cantores limitados, regência superficial, rotineira. Sobre a montagem de
Luc Bondy, um crítico escreveu
que ela não incomoda ninguém, mas também não convence e excita ainda menos. Esse crítico foi generoso.
A música se impõe ainda assim: nessa história mitológica
de sacrifícios, Mozart se aproximou de Gluck, voando em arrebatamentos dramáticos.
Abóbora
Teatro dos Champs-Élysées:
outra sala mítica de Paris, concebida pelo gênio de Perret, a
primeira em estrutura de concreto armado, foi decorada por
Maillol e Maurice Denis. Inaugurada em 1913, abrigou, nesse
mesmo ano, o mais célebre escândalo das artes modernas: a
estreia de "A Sagração da Primavera", de Stravinsky.
No dia 5/2, apresentou "La
Cenerentola" (Cinderela), de
Rossini, a música mais endemoninhada que jamais passou
pelo cérebro de um compositor. Ficou ainda mais engraçada e maluca graças a Irina
Brook, filha de Peter Brook,
que dirigiu cenicamente o espetáculo.
A casa da Cinderela transformou-se num boteco xexelento,
com cartazes, fotos e flâmulas
de futebol, propriedade de Don
Magnifico, o padrasto.
(Na ópera, a madrasta é
substituída pelo padrasto viúvo, e a fada madrinha, por um
filósofo excêntrico.)
Cada gesto correspondia não
só ao texto, mas à música, e os
cantores se tornaram atores
ágeis (para ter uma ideia, ver
um trecho no site http://bit.ly/cenen). Orquestra do
Concerto Köln, regida com verve febril por Michael Güttler,
maestro de 37 anos, com figura
de galã.
Cordas vocais
Maravilhoso elenco da "Cenerentola" nos Champs-Elysées. A voz da protagonista, Vivica Genaux, tem o timbre e o
vibrato estreito, que caracterizou Conchita Supervía, rossiniana lendária dos anos de
1930. Supervía era dotada de
malícia esperta e sensual, Genaux tende para a emoção elegíaca. É capaz de fabulosos vocalises, dificilíssimos, que parecem ágeis e fáceis em sua interpretação.
CD
Entre as gravações de Vivica
Genaux, está "Arias for Farinelli" (Harmonia Mundi), celebrado pela crítica e por vários
prêmios. São excertos de Porpora, Broschi, Galuppi, escritos
especialmente para o grande
castrato. Outro é consagrado a
Rossini e Donizetti, "Bel Canto
Arias" (EMI Classics): felicidade sem mistura e sem fim.
jorgecoli@uol.com.br
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