|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O devorador da web
Autor de "O Efeito Facebook", o ex-jornalista da "Fortune" David Kirkpatrick rebate o lugar-comum de que o 2º site mais visitado do mundo foi criado para "pegar mulher", mas alerta para os riscos à privacidade
Timothy A. Clary - 7.jul.08/France Presse
|
|
Cena de "Escuridão e Luz" , apresentação do grupo de dança Pilobolus em Nova York
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
O jornalista norte-americano David
Kirkpatrick, 57,
identifica no site
de relacionamentos Facebook a ambição de dominar o mundo das informações pessoais. Para ele e os executivos do site, isso não é vilania, mas um serviço.
Kirkpatrick está escrevendo
"The Facebook Effect -The Inside Story of the Company
That's Connecting the World"
(O Efeito Facebook - A História
da Companhia Que Está Conectando o Mundo Vista de
Dentro, com previsão de lançamento em junho pela editora
Simon & Schuster).
A história "verdadeira" ou
oficial promete anular o efeito
do filme "The Social Network"
[A Rede Social, em produção],
que conta a criação da mais popular rede de relacionamentos
do mundo como motivada pelas dificuldades de seus criadores de arrumar amigos e namoradas na prestigiosa Universidade Harvard.
Em termos de contas cadastradas, embora os dados sejam
passíveis de contestação (contas abertas não significam
usuários ativos), o Facebook
tem estimados 400 milhões de
perfis, dos quais cerca de 3 milhões de brasileiros -estes vêm
mais que dobrando nos últimos
seis meses, em que jogos como
"Farmville" e "Mafia Wars"
têm se tornado populares.
O Orkut ainda é a rede mais
popular no Brasil. Os brasileiros têm 51% das mais de 80 milhões de contas dessa rede.
Ex-colunista de tecnologia
da revista "Fortune", Kirkpatrick é criador da conferência
"Techonomy", que acontece
em agosto.
Segundo ele, o neologismo,
mistura de "tecnologia" e "economia", se refere a uma "nova
filosofia do progresso", que pode ser resumida na fórmula
"qualquer tipo de progresso
precisa aceitar a mudança exponencial na tecnologia".
Se a economia convergir com
as tecnologias desenvolvidas
pelo Facebook, a tendência é
vivermos num mundo de menos senhas e ainda menos privacidade, como se pode verificar na entrevista abaixo, concedida à Folha por telefone.
FOLHA - Por que o Facebook fez
mais sucesso que outras redes?
DAVID KIRKPATRICK - A primeira
razão que fez dele um sucesso é
ser baseado na identidade genuína. Diferentemente de
Friendster, MySpace ou Orkut,
por exemplo, para se cadastrar
é preciso usar um nome real.
Ele não foi projetado para
que se conheça gente nova, mas
para encontrar pessoas já conhecidas. É uma vantagem em
relação a outras redes sociais,
que admitiam nomes falsos.
O Friendster ficou famoso
por seus "fakesters" ["falsários"], por exemplo. Algumas
redes tentaram controlar o uso
de identidades falsas, mas falharam. O MySpace, ao contrário, nunca ligou para isso.
Outro motivo foi a simplicidade da interface -pode-se dizer que ele tem como modelo o
Google. Manter a propaganda a
um mínimo dava uma sensação
não comercial. E tinha ferramentas mais simples de usar do
que os concorrentes.
O MySpace, por exemplo, é
muito decorado, caótico; parece a Times Square: cheio de luzes piscantes. Pode fazer sucesso com adolescentes, mas o Facebook apela tanto aos avós
quanto aos jovens.
FOLHA - Se procuro uma banda,
tento o MySpace; se busco um jornalista, entro no Twitter. Há um
usuário típico do Facebook?
KIRKPATRICK - Não. Nos primeiros anos, houve o estudante
universitário norte-americano,
mas esse grupo caiu para menos da metade. O que mais
cresce é de mulheres entre 35 e
45 anos. É um site global.
No Canadá, 42% da população está cadastrada. Seu uso é
associado a pessoas com maior
nível de instrução, diferentemente do MySpace. Mas, no
Reino Unido, por exemplo, o site é popular em meio à classe
trabalhadora.
FOLHA - O Facebook era a rede dos
universitários e se generalizou. O
Twitter não nasceu com a marca de
ferramenta jornalística ou política,
mas se tornou algo assim. Quão imprevisível é o desenvolvimento do
perfil dessas redes? Prevalecem a estrutura ou os usuários?
KIRKPATRICK - A estrutura define o uso. O Twitter foi pensado
como sistema de difusão, portanto quem aderiu foram comunicadores, políticos e empresas. Adolescentes geralmente não querem fazer anúncios públicos.
No Facebook, as funções foram desenvolvidas para universitários, mas, com a ampliação, suas funções passaram a
ser deliberadamente pensadas
para um público maior.
FOLHA - A história segundo a qual
o Facebook foi inspirado nos clubes
da Universidade Harvard, contada
em "The Accidental Billionaires" [Os
Bilionários Acidentais, de Ben Mezrich, ed. Doubleday], tem apelo. Tal
livro é um desserviço ao estudo das
redes sociais?
KIRKPATRICK - Essa versão tem
apelo, mas é falsa. O próprio título mostra que é falso, pois um
sucesso assim não ocorre por
acidente. Chamá-lo de acidental é idiotice.
Ben Mezrich obteve suas informações principalmente do
brasileiro Eduardo Saverin
[leia texto nesta pág.], um estranho para Zuckerberg e que
agora está amordaçado por um
acordo judicial [pelo qual foi reconhecido como cofundador da
rede de relacionamento].
A ideia de que criaram o site
para "pegar mulheres" é falsa. É
claro que todos querem entrar
nos "final clubs" [sociedades de
alunos de Harvard], mas daí dizer que o site foi criado por isso
é absurdo. A parte do sexo é toda inventada.
Mezrich conta o que Zuckerberg pensava e fazia, mas nunca
perguntou a ele sobre isso.
FOLHA - O que o sr. espera do filme
"A Rede Social", baseado em "Os Bilionários Acidentais"?
KIRKPATRICK - Vai chamar alguma atenção, é claro. Pelo que vi
do script, poderia até se tornar
uma versão mais correta, mas
acho difícil, porque a história
falsa é bem cinematográfica.
FOLHA - Há agora uma onda de
brasileiros entrando no Facebook.
Eles estragarão a rede, como alguns
americanos diziam que os brasileiros fizeram com o Orkut?
KIRKPATRICK - O Facebook é a
maior rede social em muitos
países, mas o Brasil é uma das
grandes exceções.
Nos primeiros tempos do Orkut, houve uma campanha brasileira para ultrapassar os americanos em número de usuários, e muitos americanos saíram, pois havia reclamações
quanto ao português ter se tornado o idioma corrente.
No Facebook a tendência é
um pouco diferente. Seu design
enfatiza que as pessoas encontrem apenas gente conhecida
de verdade; você só vai encontrar gente de outras nacionalidade se forem seus amigos.
FOLHA - Aí está um problema novo. Depois de bater Orkut e MySpace, depois de conseguir evitar que
muitos usuários abandonassem o site em favor do Twitter, agora vem
um nova fase: a era dos aplicativos,
especialmente os jogos. Eles não
destroem o design limpo e o princípio da amizade baseada no "mundo
real" do Facebook?
KIRKPATRICK - Poderiam, se a
tendência continuar e sair do
controle. Mas duvido.
A ambição do Facebook não é
ser a maior rede social, é ser a
infraestrutura identitária da
internet. Querem mapear as relações sociais, de modo que
possam aplicar tais mapas para
todas as outras atividades on-line -e até off-line. Eles não arriscarão a qualidade do que
chamam "gráfico social".
Os engenheiros da empresa
reconhecem abertamente que
a meta é não precisar usar mais
o endereço facebook.com. Ele
se tornará um serviço a ser usado através das outras redes.
Já existe o Facebook Connect, que unifica senhas de diversos serviços; a pessoa navega por outros sites sempre
mantendo a rede de relações do
Facebook.
Eles já têm a capacidade de
alimentar o Facebook e transferir informações do sistema a
partir de outros sites. Creem
que, no longo prazo, tudo na internet terá um componente social. Querem fazer a conexão de
uma rede com as outras: você
entra num site de jornal, entra
no MySpace, e a informação vai
para o Facebook.
FOLHA - A tendência é uma rede
concentrar a informação de toda a
internet?
KIRKPATRICK - É uma questão de
"custo da mudança". Uma vez
que você estabelece sua rede de
contatos, seu "gráfico social", é
muito cansativo e trabalhoso
reiniciar e tentar recriar suas
conexões em outro lugar. Ninguém quer fazer isso.
O Google está tentando resolver esse problema com o
Buzz, mas a partir das conexões
de e-mail -porém vários jovens não usam e-mail no mesmo nível das redes sociais.
FOLHA - Com as informações pessoais todas agregadas, caminhamos
para um mundo sem privacidade?
KIRKPATRICK - A responsabilidade de pôr informações na rede é
do usuário.
Há controles de privacidade,
mas também há quem acredite
que o mundo esteja se tornando mais transparente.
Esses pontos de vista são
conflitantes, o que ficou evidente com os novos controles
usados pelo Facebook em dezembro: há a possibilidade de o
usuário aumentar sua privacidade, embora o sistema encoraje as pessoas a escolherem a
opção sem privacidade.
Texto Anterior: Filmoteca Básica: Banhos Próximo Texto: Brasileiro foi principal fonte de livro e filme sobre o site Índice
|