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Femme fatale
Primeira mulher
a dirigir o
"Le Monde",
Sylvie Kauffmann diz que
a internet é uma oportunidade,
e não uma catástrofe, para a imprensa escrita
LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Ela é a primeira mulher
a dirigir a Redação do
jornal "Le Monde", o
mais respeitado da
França, conhecido como "le quotidien de référence"
[o diário de referência] e leitura obrigatória de intelectuais e
políticos.
"O diário de referência é um
jornal que se torna uma autoridade -ao qual se dá crédito e
do qual não se contestam, a
priori, as informações que veicula", explica Sylvie Kauffmann, 55, que assumiu a direção do jornal em janeiro.
Antes, havia sido correspondente da agência France Presse
em Moscou no fim da década
de 1980. Já no "Le Monde",
Kauffmann foi correspondente
em Washington, entre 1993 e
2001, e, nos últimos três anos,
no Sudeste Asiático.
Formada em direito e em
ciências políticas, ela dirige
uma Redação de 115 jornalistas, que compõem a "Société
des Rédacteurs du Monde".
A SRM tem direito de veto
sobre a nomeação do presidente do diretório que comanda o
rico grupo que edita o jornal,
uma revista semanal ("Le
Monde Magazine") e, a partir
de fevereiro, uma revista mensal ("Le Mensuel"), com uma
seleção de artigos, perfis e entrevistas.
Kauffmann, que diariamente
chega à Redação do vespertino
às 6h30 da manhã para comandar o fechamento, fala também, na entrevista abaixo, sobre a relação entre mídia escrita e internet.
FOLHA - A sra. é a primeira mulher
a dirigir o "Le Monde". O que isso representa para a sociedade francesa,
onde as mulheres tiveram o direito
de votar apenas depois da Segunda
Guerra (1939-45) e, até os anos 60,
não podiam assinar um cheque sem
a autorização do marido?
SYLVIE KAUFFMANN - Não é uma
revolução, mas apenas a continuação de uma evolução -um
pouco lenta, no meu ponto de
vista. O jornalismo se feminizou nesses últimos 20 anos: por
exemplo, 40% da Redação do
"Le Monde" é composta por
mulheres, e também há mulheres como chefes de editoria.
Sinto-me orgulhosa pelo modo como a chegada das mulheres à profissão fez o jornalismo
evoluir e espero poder continuar a enriquecer nosso jornal
com a nossa sensibilidade um
pouco diferente.
Mas, fundamentalmente, tenho os mesmos valores jornalísticos que meu predecessor
[Alain Frachon], que é um homem. Por outro lado, não acho
que a sociedade francesa seja
mais machista do que outras
sociedades europeias.
FOLHA - No dia em que o jornal
anunciava aos leitores a sua nomeação como diretora da Redação, ele
registrou uma tiragem de 381.954
exemplares -número que se aproxima dos 407 mil exemplares que
vendia em 2002. Este diário começa
a sair da crise por que vem passando
a imprensa?
KAUFFMANN - O "Le Monde"
briga com toda sua energia para
se transformar e continuar a
ser um jornal indispensável
num ambiente midiático que
mudou muito desde 2002.
Assim, comparar as tiragens
de 2002 e 2010 não faz muito
sentido: em 2002, havia menos
sites e menos jornais gratuitos;
a concorrência era outra.
FOLHA - Os jornais gratuitos e a internet são os únicos responsáveis
pela perda de receitas publicitárias e
das vendas da mídia impressa?
KAUFFMANN - Não são os únicos. A situação econômica também contribuiu, as condições
de distribuição da imprensa na
França... Há vários fatores.
Pode-se considerar também
que não soubemos seguir bem
de perto a evolução das expectativas dos leitores. Pessoalmente, vejo a internet como
uma oportunidade para a imprensa escrita, e não como uma
catástrofe. Ambas são bastante
complementares e podem funcionar em relação recíproca.
FOLHA - A sra. foi correspondente
em Moscou durante o período da
"glasnost", antes do fim da União
Soviética. Teve a impressão de viver
um momento decisivo da história?
KAUFFMANN - Sim, e talvez mais
ainda quando cobri, para o "Le
Monde", o Leste Europeu e a
Rússia, de 1988 a 1993. Acompanhei o fim do comunismo e a
transição para a democracia e a
economia de mercado de países que se tornariam membros
da União Europeia.
Encontrei por lá personagens corajosos e visionários.
Foi um período que me marcou
muito intelectualmente, mas
também do ponto de vista humano e jornalístico.
FOLHA - A revista mensal recém-lançada é uma nova fórmula para
enfrentar a crise da imprensa?
KAUFFMANN - A revista é um dos
produtos que propomos para
diversificar a oferta do jornal.
Muitas pessoas se interessam
pelo conteúdo do "Le Monde" e
pela expertise dos nossos jornalistas, mas não têm tempo ou
possibilidade de comprá-lo todos os dias.
Então propomos essa seleção
mensal de nossos melhores artigos. Além do mais, é um belo
objeto, parece um livro, com
belas fotos, uma nova forma de
leitura diferente do cotidiano,
da internet ou de um semanário. Nunca se deve parar de inventar e inovar.
FOLHA - Em que consiste um "diário de referência"?
KAUFFMANN - É o diário indispensável, que deve ser lido e
que se torna referência pela independência de seu julgamento e pelo amplo espectro de sua
cobertura, principalmente a internacional e a política.
FOLHA - O "Le Monde" pertence a
um grupo de imprensa independente no qual os jornalistas têm uma
grande liberdade. Em que ele é diferente de um jornal de esquerda, como o "Libération", ou um de direita,
como "Le Figaro"?
KAUFFMANN - Em 20 anos de
carreira no jornal, jamais sofri
pressão sobre qualquer assunto
que escrevi. Nossos acionistas
não nos impõem uma prioridade ou outra. Isso é extremamente precioso.
Para nossa Redação, esse valor é fundamental, mesmo se
nossa situação financeira é, por
consequência, mais precária
que a de outros jornais.
FOLHA - O livro "La Face Cachée du
Monde" (A Face Oculta do "Monde", de Pierre Péan e Philippe Cohen,
ed. Mille et Une Nuits, 640 págs., 24, R$ 60) foi visto pelo jornal "como uma campanha para lançar descrédito sobre ele e impedir que construa seu projeto de grande grupo de
imprensa independente". O livro arranhou sua reputação?
KAUFFMANN - Não sei qual era o
objetivo preciso do livro além
de lançar o descrédito sobre o
jornal. Ele fez estragos, claro.
Algumas críticas poderiam
ter sido construtivas porque o
"diário de referência" pode ser
criticado, evidentemente. Tudo
pode ser criticado, por que estaríamos ao abrigo da crítica?
Infelizmente, às críticas legítimas se misturavam muitos
ataques pessoais de baixo nível
e erros factuais, e isso tudo foi
muito negativo. Mas acho que
depois disso restabelecemos
solidamente nossa reputação
[leia texto ao lado].
FOLHA - Em 1981, o jornal apoiou,
em editoriais assinados, a candidatura de François Mitterrand à Presidência e, em 2007, a de Ségolène
Royal, ambos socialistas. Ele permanece um jornal de esquerda?
KAUFFMANN - Não, ele é um jornal independente. Nosso leitorado se situa em ambos os espectros políticos.
FOLHA - O que mudou na empresa
com as saídas de Jean-Marie Colombani e Edwy Plenel (ex-diretores do
jornal)?
KAUFFMANN - Passamos a privilegiar nossa credibilidade em
vez de tentar grandes "furos"
jornalísticos.
FOLHA - A sra. pode resumir seu dia
de trabalho?
KAUFFMANN - Somos um jornal
vespertino que fecha pela manhã para ser vendido em Paris
na hora do almoço. Acordo às
5h30 para chegar ao jornal às
6h30. A primeira reunião de redatores e jornalistas é às 7h30.
De manhã, o ritmo é muito
intenso até as 10h30, hora do
fechamento. Meio-dia, nova
reunião da Redação, mais longa, para iniciar o jornal que sairá no dia seguinte e determinar
o conteúdo dele.
Metade das páginas do dia seguinte, as que dependem menos da atualidade (investigação, perfis, cultura, debates,
modo de vida) são realizadas à
tarde e à noite. Temos uma nova reunião às 17h para ver o que
será preciso mudar nos nossos
planos em razão dos acontecimentos do dia. Saio do jornal
entre 19h e 20h.
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