São Paulo, domingo, 21 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Médium Max

Com placas e cardápios em inglês, cidade de 12 mil habitantes, a pouco mais de cem km de Brasília, hospeda espírita que atrai pessoas do mundo todo em busca de cura de doenças as mais variadas

Na rua do centro espírita, as lojas vendem suvenires como a camisa da seleção brasileira

VINICIUS SASSINE
COLABORAÇÃO PARA A AGÊNCIA FOLHA,
EM ABADIÂNIA (GO)

A entidade chama: "Este aqui chegou como louco, já tomou 22 eletrochoques". Depois, quer que os mais próximos ouçam o relato de uma mulher. "Por que você veio até aqui?", pergunta.
"Porque eu não conseguia engravidar. A gravidez só "segurou" por sua causa", responde a gaúcha de Cruz Alta (RS), pela segunda vez em Abadiânia, no interior de Goiás.
É a vez de uma paciente grega, que retornou ao Brasil para agradecer pela cirurgia realizada na última vez em que esteve na cidade. "Os médicos retiravam o tumor, mas ele voltava e sangrava."
As conversas, sempre curtas, duram o dia inteiro no centro espírita Dom Inácio Loiola, conhecido como Casa de Dom Inácio. Uma multidão de enfermos se enfileira para ver e manifestar seus problemas a João de Deus.
Ou, melhor, a uma das mais de 30 entidades que a equipe do centro espírita diz que João recebe, entre elas o espírito do médico sanitarista brasileiro Osvaldo Cruz, morto no início do século passado.
João Teixeira Farias, de 68 anos, o João de Deus, contradiz a própria equipe. Não é espírita nem recebe tantas entidades, segundo ele. "Tenho uma missão apenas."
João de Deus é John of God para a grande maioria das pessoas que passam as quartas, quintas e sextas-feiras na Casa Dom Inácio. Europeus, norte-americanos e asiáticos, nessa ordem, descobriram Abadiânia, uma cidade de 12 mil habitantes a 88 quilômetros de Goiânia e a pouco mais de 100 quilômetros de Brasília.

Cirurgias espirituais
Eles são maioria na busca pela cura que a medicina não obteve. Conduzem rituais de oração e "cirurgias espirituais", muitas delas com incisões carregadas de misticismo para retirada de nódulos, cistos e outras partes doentes do corpo.
Vestem branco. Passam horas sentados, de olhos fechados. Esperam a vez da conversa ou da "cirurgia" com João de Deus.
A Casa Dom Inácio recebe, por dia, entre 600 e 800 pessoas que, de alguma maneira (principalmente pela boca de amigos), ficaram sabendo da existência de João de Deus.
Chegam, identificam a fila onde devem entrar da primeira vez, a da "cirurgia", a fila do retorno e já decidem ali, frente à frente com o médium, qual será o procedimento adotado.
Na quarta-feira passada, uma única pessoa fez a cirurgia com cortes.
"Ele retirou com um bisturi os caroços que eu tinha perto do peito", conta o empresário de Salvador (BA) Marcos Falcão, 46, enquanto se recuperava numa maca da enfermaria. "Sangrou, mas não senti dor."
Outras 150 pessoas fizeram as "cirurgias espirituais", sem incisões no corpo.
Foi assim que o estudante paulista Robert Hoffman, 22, diz ter se curado de um tumor benigno no cérebro. Robert fez a cirurgia espiritual na Casa Dom Inácio em 5/2.
No Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o tumor de cinco centímetros foi retirado sete dias depois.
"Não fiquei nem uma semana no hospital, e sem sequelas, como os médicos chegaram a dizer no início", afirmou.
O centro espírita já registrou a presença de estrangeiros de 22 países. São principalmente pessoas com deficiências físicas ou com problemas graves de saúde, como esclerose múltipla e câncer. "Tenho esperança de ser curado", diz o italiano Pietro de Maria, 38, paraplégico desde 1995 por causa de um acidente de moto. "Vou ser operado na semana que vem."
O suíço Raymond Gallaz, 55, conta ter dispensado a cadeira de rodas que Pietro ainda usa por causa de João de Deus.
É a quarta vez do suíço em Abadiânia. "Não preciso mais da cadeira."
Os voluntários de João de Deus são os mesmos que organizam as caravanas com os estrangeiros rumo a Abadiânia. Eles negociam a hospedagem entre os voluntários, são proprietários de dezenas de pousadas e hotéis na cidade e trabalham como tradutores ou guias na Casa Dom Inácio -um lugar amplo, com diversos espaços para cirurgias, orações, farmácia, enfermaria e sala de espera.

TV de plasma
Na rua do centro espírita, as lojas vendem suvenires como a camisa da seleção brasileira de futebol. As placas das pousadas e os cardápios das lanchonetes são em inglês. Muitas casas são alugadas pelos visitantes de outros países, que passam meses, anos ou até uma vida inteira em Abadiânia.
É é o caso de um francês que se casou com uma brasileira nascida na cidade. Na parede da casa, pintou uma mensagem que fala em cura na Casa Dom Inácio.
Questionado sobre a razão de tantos estrangeiros o procurarem, João de Deus diz que são os "trabalhos realizados por mais de 30 anos". Ele dá respostas curtas às acusações que já enfrentou, principalmente de charlatanismo. "Para mim, tudo é normal."
Ele viaja todos os anos para Nova York (EUA), onde mantém uma Casa Dom Inácio. Já esteve também na Nova Zelândia, na Alemanha, em Portugal e na Grécia.
Em cada atendimento, o médium ouve seu seguidor e anota num papel o medicamento necessário ao tratamento espiritual.
É uma essência de passiflora, produzida na farmácia do centro espírita e vendida por R$ 60. Banhos de cristal, suvenires e água fluidificada também são vendidos por sua equipe.
O centro recebe diversas doações, em dinheiro ou produtos. "Não cobramos dízimo", provoca o médium. Mas uma placa exibida em uma das salas do centro -ao lado de uma TV de plasma que transmite continuamente sessões gravadas de cirurgias sempre com incisões conduzidas pelo médium- lembra: "All donation welcome".


Texto Anterior: Glauco fundou igreja do Santo Daime
Próximo Texto: Filme sobre Chico Xavier estreia no dia 2
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.