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Médium Max
Com placas e cardápios em inglês, cidade de 12 mil habitantes, a pouco mais de cem km de Brasília, hospeda espírita que atrai pessoas do mundo todo em busca de cura de doenças as mais variadas
Na rua do centro espírita, as lojas vendem suvenires como a camisa da seleção brasileira
VINICIUS SASSINE
COLABORAÇÃO PARA A AGÊNCIA FOLHA,
EM ABADIÂNIA (GO)
A entidade chama:
"Este aqui chegou
como louco, já tomou 22 eletrochoques". Depois, quer
que os mais próximos ouçam o
relato de uma mulher. "Por que
você veio até aqui?", pergunta.
"Porque eu não conseguia engravidar. A gravidez só "segurou" por sua causa", responde a
gaúcha de Cruz Alta (RS), pela
segunda vez em Abadiânia, no
interior de Goiás.
É a vez de uma paciente grega, que retornou ao Brasil para
agradecer pela cirurgia realizada na última vez em que esteve
na cidade. "Os médicos retiravam o tumor, mas ele voltava e
sangrava."
As conversas, sempre curtas,
duram o dia inteiro no centro
espírita Dom Inácio Loiola, conhecido como Casa de Dom
Inácio. Uma multidão de enfermos se enfileira para ver e manifestar seus problemas a João
de Deus.
Ou, melhor, a uma das mais
de 30 entidades que a equipe
do centro espírita diz que João
recebe, entre elas o espírito do
médico sanitarista brasileiro
Osvaldo Cruz, morto no início
do século passado.
João Teixeira Farias, de 68
anos, o João de Deus, contradiz
a própria equipe. Não é espírita
nem recebe tantas entidades,
segundo ele. "Tenho uma missão apenas."
João de Deus é John of God
para a grande maioria das pessoas que passam as quartas,
quintas e sextas-feiras na Casa
Dom Inácio. Europeus, norte-americanos e asiáticos, nessa
ordem, descobriram Abadiânia, uma cidade de 12 mil habitantes a 88 quilômetros de
Goiânia e a pouco mais de 100
quilômetros de Brasília.
Cirurgias espirituais
Eles são maioria na busca pela cura que a medicina não obteve. Conduzem rituais de oração e "cirurgias espirituais",
muitas delas com incisões carregadas de misticismo para retirada de nódulos, cistos e outras partes doentes do corpo.
Vestem branco. Passam horas sentados, de olhos fechados. Esperam a vez da conversa
ou da "cirurgia" com João de
Deus.
A Casa Dom Inácio recebe,
por dia, entre 600 e 800 pessoas que, de alguma maneira
(principalmente pela boca de
amigos), ficaram sabendo da
existência de João de Deus.
Chegam, identificam a fila
onde devem entrar da primeira
vez, a da "cirurgia", a fila do retorno e já decidem ali, frente à
frente com o médium, qual será
o procedimento adotado.
Na quarta-feira passada, uma
única pessoa fez a cirurgia com
cortes.
"Ele retirou com um bisturi
os caroços que eu tinha perto
do peito", conta o empresário
de Salvador (BA) Marcos Falcão, 46, enquanto se recuperava numa maca da enfermaria.
"Sangrou, mas não senti dor."
Outras 150 pessoas fizeram
as "cirurgias espirituais", sem
incisões no corpo.
Foi assim que o estudante
paulista Robert Hoffman, 22,
diz ter se curado de um tumor
benigno no cérebro. Robert fez
a cirurgia espiritual na Casa
Dom Inácio em 5/2.
No Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o tumor
de cinco centímetros foi retirado sete dias depois.
"Não fiquei nem uma semana no hospital, e sem sequelas, como os médicos
chegaram a dizer no início",
afirmou.
O centro espírita já registrou a presença de estrangeiros de 22 países. São
principalmente pessoas
com deficiências físicas ou
com problemas graves de
saúde, como esclerose múltipla e câncer. "Tenho esperança de ser curado", diz o
italiano Pietro de Maria, 38,
paraplégico desde 1995 por
causa de um acidente de
moto. "Vou ser operado na
semana que vem."
O suíço Raymond Gallaz,
55, conta ter dispensado a
cadeira de rodas que Pietro
ainda usa por causa de João
de Deus.
É a quarta vez do suíço
em Abadiânia. "Não preciso
mais da cadeira."
Os voluntários de João de
Deus são os mesmos que organizam as caravanas com
os estrangeiros rumo a Abadiânia. Eles negociam a hospedagem entre os voluntários, são proprietários de
dezenas de pousadas e hotéis na cidade e trabalham
como tradutores ou guias
na Casa Dom Inácio -um
lugar amplo, com diversos
espaços para cirurgias, orações, farmácia, enfermaria e
sala de espera.
TV de plasma
Na rua do centro espírita,
as lojas vendem suvenires
como a camisa da seleção
brasileira de futebol. As placas das pousadas e os cardápios das lanchonetes são em
inglês. Muitas casas são alugadas pelos visitantes de
outros países, que passam
meses, anos ou até uma vida
inteira em Abadiânia.
É é o caso de um francês
que se casou com uma brasileira nascida na cidade. Na
parede da casa, pintou uma
mensagem que fala em cura
na Casa Dom Inácio.
Questionado sobre a razão de tantos estrangeiros o
procurarem, João de Deus
diz que são os "trabalhos
realizados por mais de 30
anos". Ele dá respostas curtas às acusações que já enfrentou, principalmente de
charlatanismo. "Para mim,
tudo é normal."
Ele viaja todos os anos para Nova York (EUA), onde
mantém uma Casa Dom
Inácio. Já esteve também
na Nova Zelândia, na Alemanha, em Portugal e na
Grécia.
Em cada atendimento, o
médium ouve seu seguidor
e anota num papel o medicamento necessário ao tratamento espiritual.
É uma essência de passiflora, produzida na farmácia do centro espírita e vendida por R$ 60. Banhos de
cristal, suvenires e água
fluidificada também são
vendidos por sua equipe.
O centro recebe diversas
doações, em dinheiro ou
produtos. "Não cobramos
dízimo", provoca o médium. Mas uma placa exibida em uma das salas do centro -ao lado de uma TV de
plasma que transmite continuamente sessões gravadas de cirurgias sempre
com incisões conduzidas
pelo médium- lembra: "All
donation welcome".
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