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PONTO DE FUGA
La Demoiselle Élue
JORGE COLI
em Nova York
"Ponha os discos para tocar,
e você tem que parar de fazer
outra coisa. Você é obrigado a
ouvir. Eles não servem como
música de fundo. Eles exigem
sua atenção. São eles que comandam." Isso foi dito por
Brian Kellow, editor de "Opera News", sobre as gravações
de Bidú Sayão. É exato. Bidú
Sayão possuía uma voz de volume reduzido. Porém o timbre dourado e nítido, sem imperfeições, a qualidade da
emissão, a clareza impecável
da pronúncia e a inflexão justa
consagrada a cada frase, a cada
palavra, faziam com que seu
canto dominasse os grandes
auditórios. Suas gravações ao
vivo, "piratas", que reaparecem em CD, testemunham,
mesmo na precariedade técnica da época, a presença forte
dessa voz pequena. Ela podia
estar ao lado dos mais fenomenais estentores -Bjoerling ou
Tibbett- que seu canto afirmava-se e impunha-se. Basta
ouvi-la no "Rigoletto": o timbre imensamente escuro de
Warren serve de fundo para a
luminosidade de um canto feminino que nunca esmorece.
No início de sua carreira, a voz
de Bidú Sayão era leve, ágil e
brilhante, com agudos fáceis:
Rubem Braga escreveu uma
deliciosa crônica sobre sua interpretação da cena da loucura
de "Lucia di Lamermoor".
Existem poucas gravações desse tempo. Depois de sua estréia
na "Metropolitan Opera House", em 1937, sua voz amadureceu, assentando-se num registro médio mais espesso e
muito belo, que ela manteria
intacto. É sobretudo essa Bidú
Sayão que nos chegou por
meio dos discos.
LEGADO - A redescoberta de
Bidú Sayão por um público
mais largo é relativamente recente. Suas gravações ressurgem na Europa e nos EUA, em
CD. São lições de canto e musicalidade, ou mais do que isso:
momentos mágicos, quando a
vida vale ser vivida. É preciso
ouvir sua "Mélisande"; sua
"Manon" dirigida por Beecham; sua "Bohème", ao lado
de Di Stefano; seu Mozart, sob
a regência de Walter ou de
Krips; sua insuperável "Traviata"; os endiabrados "Barbiere", "Elisir" e "Don Pasquale". São várias as gravações
de estúdio: dois recitais em
CDs da Sony e toda a "La Bohème", em parceria com Tucker. Há os concertos de San
Francisco (Eklipse). Há o disco
recente, de VAI-USA, com
transmissões radiofônicas nos
EUA, mais vários discos de 78
rpm brasileiros, de 1930. Destes, alguns estavam transcritos
num precioso LP da RCA, feito
no Brasil há 40 anos, que já deveria ter sido mil vezes republicado em CD. Outros são inéditos. Bidú Sayão canta obras de
seu tio, Alberto Costa, e Barrozo Netto, ótimos compositores, injustamente esquecidos
pela musicologia e pelos intérpretes de hoje.
JOGO - O número de janeiro
da revista francesa "Opera International" concedeu quatro
distinções máximas ("Timbre
de Platine") aos CDs de Bidú
Sayão. É impossível escolher
com justiça o que de melhor ela
teria gravado, tudo é admirável. Mas eis uns favoritos, sem
contar as óperas completas:
"Ah! Non Credea", da "Sonnambula"; "La Demoiselle
Élue", de Debussy, dirigida
por Ormandy; as canções brasileiras harmonizadas por Ernani Braga. Ainda: o dueto de
"Roméo et Juliette", de Gounod, junto a Bjoerling, em que
ambos se transfiguram em infinitos matizes sonoros.
PAZ - A morte de Bidú Sayão
é consoladora e, num certo
sentido, alegra. É o término
tranquilo de um longo percurso, em que uma trajetória musical elevada transcorreu sem
falhas. Bidú Sayão era bonita e
suave. Possuía grandes dons de
atriz, como demonstram alguns filmes feitos por ela para a
TV americana. Era incapaz de
errar. Gravava de uma tacada,
dizendo: "Se você não consegue fazer direito da primeira
vez, ao repetir, só piora".
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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