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Questão de ordem
Para o economista e ex-presidente
do BNDES Carlos Lessa, é preciso reequacionar com urgência o debate
sobre os direitos humanos
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
Para o economista
Carlos Lessa, 69, "o
Brasil está apodrecendo". Em "estado
de indignação", o ex-presidente do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) e ex-reitor
da Universidade Federal do
Rio de Janeiro credita os recentes distúrbios de São Paulo
à política econômica dos últimos governos, que não priorizaram a questão social e a geração de emprego.
O preso tem direitos humanos, mas a população também;
tem direito a andar na rua e não receber uma bala na cabeça
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Na opinião de Lessa, autor de
"O Rio de Todos os Brasis"
(editora Record), São Paulo irá
superar o Rio de Janeiro no
imaginário popular como cidade mais violenta do país. O que
vai sobrar para o Rio em termos de imaginário, ele afirma
que não sabe, mas destaca a capacidade do carioca de fazer
festas ao ar livre, transformando um pouco do espaço público
em casa própria.
Defende a contratação de
chefes do PCC por empresas e
bancos. Os criminosos, disse,
demonstraram competência
gerencial ao planejar e coordenar rebeliões e ataques. "São os
executivos do ano."
FOLHA - O poder do PCC o surpreendeu?
CARLOS LESSA - Em termos de
padrões organizacionais, acho
que o PCC está dando um show
de bola. São os executivos do
ano. Coordenar ao mesmo
tempo rebeliões em 42 ou 43
presídios [totalizaram 83, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária paulista] e
produzir durante dois ou três
dias dezenas e dezenas de atentados. É uma coordenação absolutamente espetacular, uma
liderança de primeira linha.
FOLHA - Qual é a questão central?
LESSA - O centro do problema
brasileiro é o emprego. Porque
a tragédia brasileira é a de uma
juventude que não está se socializando com a ética do trabalho, porque não tem emprego para começar. A visão que
ela tem é dos pais fazendo um
esforço brutal e vivendo muito
mal. Então, a sedução do crime
é imensa. Uma sociedade que
deixa sua juventude desempregada é uma sociedade que está
semeando violência.
FOLHA - Por que as coisas chegaram a esse ponto?
LESSA - Porque o Brasil está
apodrecendo. Estou em estado
de indignação. Quando começa
a haver crise de segurança no
Estado, estamos nos aproximando do caos.
FOLHA - Como os órgãos de segurança deveriam reagir?
LESSA - Essa idéia dos direitos
humanos está mal interpretada
no Brasil. O preso tem direitos
humanos, mas a população
também tem. Tem direito a andar na rua e não receber uma
bala na cabeça, a trabalhar e
voltar para casa com uma certa
normalidade. Há uma permissividade enorme.
FOLHA - No imaginário popular, o
Rio era o destaque do Brasil em termos de violência. Isso mudará?
LESSA - Não sei. Acho que agora São Paulo vai ser a cidade
mais violenta do Brasil. Ganhou o título de uma das mais
violentas do mundo, talvez
Bagdá esteja na frente.
FOLHA - Mas e o Rio?
LESSA - Cai para segundo plano. São Paulo sempre lidera o
Brasil. É assim: o Rio começa,
São Paulo copia e, como tem
muito mais dinheiro, supera.
Qualquer dia o Carnaval de São
Paulo será maior que o do Rio.
Qualquer hora um paulista
compra o passe da Mangueira.
FOLHA - O sr. escreveu em "O Rio
de Todos os Brasis" que o estado de
espírito festivo do carioca surge a
qualquer provocação. Ainda é assim, mesmo com a perda da auto-estima que o sr. também identifica
em seu livro?
LESSA - Tenho certeza disso.
Qualquer iniciativa no Rio em
praça aberta é um sucesso. Às
vezes até sucesso demais.
FOLHA - Por quê?
LESSA - Pensei muito para entender o que seria ser carioca e
estou convencido de que é considerar o Estado público uma
extensão do Estado privado.
Algo como se as pessoas não tivessem medo da praça. Uma
espécie de continuação da casa.
FOLHA - Mas, com a violência, não
ocorre a perda desse espírito "extrovertido" do carioca?
LESSA - Você está perdendo esse espírito é por equipamentos
como shoppings, residências
em condomínios fechados. Isso
tudo vai destruindo o que era
essa coisa da rua, entende? Se
bem que há coisas muito positivas acontecendo.
Os [botecos] pés-sujos estão
se recuperando, os blocos de
rua estão se filiando de novo a
um Carnaval não-oficial, de
iniciativa popular. O que está
acontecendo na Lapa [centro
do Rio] é deslumbramento, um
renascimento da melhor qualidade. Está acontecendo também nas imediações da praça
Mauá [centro]. Eu acho que há
uma força, um vigor nessa tradição de cordialidade urbana.
FOLHA - O que o sr. acha de os policiais estarem matando supostos
marginais, aparentemente em uma
represália?
LESSA - Não leve a mal, mas
quando o Estado está sob risco,
é o único jeito. As pessoas estão
em pânico. Nenhuma sociedade pode suportar esse processo
de desmantelamento das instituições públicas.
Sem contar que as prioridades brasileiras são um escândalo. Como você faz um plebiscito
idiota sobre uso ou não uso de
armas e gasta mais do que em
uma prisão de segurança máxima? Como você manda um
cosmonauta para a Lua e deixa
a Varig quebrar?
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