São Paulo, domingo, 21 de junho de 2009

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Ponto de Fuga

Mãos esquecidas

A qualidade das peças, em maioria bronzes de tamanho reduzido, é estonteante; é indispensável correr ao Ibirapuera, antes que a exposição acabe

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

O jornal "Le Figaro" lançou uma pesquisa para saber quais monumentos ou edifícios que, pela feiura, seus leitores gostariam de suprimir em Paris. Ganhou a Torre Montparnasse, prédio monolítico de 59 andares que perturba a paisagem da cidade.
Essa enquete fez correr outra pela internet, nos mesmos termos, sobre a cidade de São Paulo. Venceu o monumento a Borba Gato, enorme sentinela da avenida Santo Amaro.
O desafeto que paira contra aquele gigante é injusto. Por volta de 1960, quando a estátua foi encomendada, a saga paulista dos bandeirantes heroicos já se desgastara. Um escultor que celebrasse o velho mito paulista faria obra de convenção. Julio Guerra evitou, para seu Borba Gato, aventureiro brutal e criminoso, qualquer eloquência positiva.
Sua escolha foi boa. Inventou uma espécie de boneco sumário, que evoca figurações infantis (tal como foi infantilizado por uma ideologia laudatória), colorido (o que exclui a solenidade da pedra ou do bronze), perturbador pelo seu tamanho e pela severidade das feições.
Ninguém reclamou dos bandeirantes de Brecheret, massa meio inerte que se termina por cavalões neofascistas. Nem de seu Caxias, na praça Princesa Isabel, cujo pedestal é mais importante do que a estátua, quase invisível, empoleirada que está no alto daquela estupidez de granito.
Não falaram também do Pedro Álvares Cabral, no Ibirapuera, pavoroso no seu gesto melodramático. É que, por medíocres ou ruins que sejam, como tantas outras, essas esculturas correspondem à ideia que se costuma ter de um monumento. Rompendo com a positividade esperada, o Borba Gato inquieta.

Leite
Algumas obras de Julio Guerra estão na mostra "De Valentim a Valentim": entre elas, um estupendo nadador, sentado, com formas que derivam da cerâmica marajoara. Há o esboço para a homenagem à "Mãe Preta", cujo vulto amplo se estrutura numa postura silenciosa e comovente. Sua versão definitiva está instalada desde 1955 no largo do Paissandu.

Faísca
Ninguém faz mostras mais vivas do que Emanoel Araujo. Não se incomodam com rigor acadêmico; antes, levam o espectador a uma contemplação vibrante e a um aprendizado que opera por intensas relações entre as obras.
São reveladoras, e "De Valentim a Valentim", atualmente no Museu Afro Brasil, bate todas nesse quesito. É fruto de uma paixão pela escultura que não se contenta com as informações, magras e reiteradas, contidas nos compêndios sobre arte brasileira. Nasce da curiosidade provocada menos pelos artistas do que pela qualidade das obras.
Reúne peças vindas do Museu Nacional de Belas Artes e do Museu Histórico Nacional do Rio, de coleções particulares e do acervo pertencente ao próprio Museu Afro Brasil. São mais de uma centena.
Expõe a atividade intensa de tantos escultores, alguns hoje muito obscuros. Cutuca a vontade de saber mais, de xeretear em arquivos. Denuncia que falta uma história da escultura no Brasil digna desse nome. A qualidade das peças, em maioria bronzes de tamanho reduzido, é estonteante. Um catálogo está prometido: será essencial como referência. Enquanto não chega, é indispensável correr ao Ibirapuera, antes que a exposição acabe.

Eclipse
Lorenzo Petrucci, Josefina de Vasconcelos, Armando Magalhães Correia, tão grandes, e tantos, tantos outros, dos quais se sabe nada ou muito pouco, ombreiam-se, na mostra, com os maiores, os Valentins, os Bernardelli, os Brecheret, os Bruno Giorgi.

jorgecoli@uol.com.br


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