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Ponto de Fuga
Mãos esquecidas
A qualidade
das peças,
em maioria bronzes de tamanho reduzido,
é estonteante;
é indispensável correr ao Ibirapuera, antes que
a exposição
acabe
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O jornal "Le Figaro" lançou uma pesquisa para
saber quais monumentos ou edifícios que, pela feiura,
seus leitores gostariam de suprimir em Paris. Ganhou a Torre Montparnasse, prédio monolítico de 59 andares que perturba a paisagem da cidade.
Essa enquete fez correr outra pela internet, nos mesmos
termos, sobre a cidade de São
Paulo. Venceu o monumento a
Borba Gato, enorme sentinela
da avenida Santo Amaro.
O desafeto que paira contra
aquele gigante é injusto. Por
volta de 1960, quando a estátua
foi encomendada, a saga paulista dos bandeirantes heroicos
já se desgastara. Um escultor
que celebrasse o velho mito
paulista faria obra de convenção. Julio Guerra evitou, para
seu Borba Gato, aventureiro
brutal e criminoso, qualquer
eloquência positiva.
Sua escolha foi boa. Inventou
uma espécie de boneco sumário, que evoca figurações infantis (tal como foi infantilizado
por uma ideologia laudatória),
colorido (o que exclui a solenidade da pedra ou do bronze),
perturbador pelo seu tamanho
e pela severidade das feições.
Ninguém reclamou dos bandeirantes de Brecheret, massa
meio inerte que se termina por
cavalões neofascistas. Nem de
seu Caxias, na praça Princesa
Isabel, cujo pedestal é mais importante do que a estátua, quase invisível, empoleirada que
está no alto daquela estupidez
de granito.
Não falaram também do Pedro Álvares Cabral, no Ibirapuera, pavoroso no seu gesto
melodramático. É que, por medíocres ou ruins que sejam, como tantas outras, essas esculturas correspondem à ideia que
se costuma ter de um monumento. Rompendo com a positividade esperada, o Borba Gato inquieta.
Leite
Algumas obras de Julio
Guerra estão na mostra "De Valentim a Valentim": entre elas,
um estupendo nadador, sentado, com formas que derivam da
cerâmica marajoara.
Há o esboço para a homenagem à "Mãe Preta", cujo vulto
amplo se estrutura numa postura silenciosa e comovente.
Sua versão definitiva está instalada desde 1955 no largo do
Paissandu.
Faísca
Ninguém faz mostras mais
vivas do que Emanoel Araujo.
Não se incomodam com rigor
acadêmico; antes, levam o espectador a uma contemplação
vibrante e a um aprendizado
que opera por intensas relações
entre as obras.
São reveladoras, e "De Valentim a Valentim", atualmente no
Museu Afro Brasil, bate todas
nesse quesito. É fruto de uma
paixão pela escultura que não
se contenta com as informações, magras e reiteradas, contidas nos compêndios sobre arte brasileira.
Nasce da curiosidade provocada menos pelos artistas do
que pela qualidade das obras.
Reúne peças vindas do Museu
Nacional de Belas Artes e do
Museu Histórico Nacional do
Rio, de coleções particulares e
do acervo pertencente ao próprio Museu Afro Brasil. São
mais de uma centena.
Expõe a atividade intensa de
tantos escultores, alguns hoje
muito obscuros. Cutuca a vontade de saber mais, de xeretear
em arquivos. Denuncia que falta uma história da escultura no
Brasil digna desse nome.
A qualidade das peças, em
maioria bronzes de tamanho
reduzido, é estonteante. Um
catálogo está prometido: será
essencial como referência. Enquanto não chega, é indispensável correr ao Ibirapuera, antes que a exposição acabe.
Eclipse
Lorenzo Petrucci, Josefina
de Vasconcelos, Armando Magalhães Correia, tão grandes, e
tantos, tantos outros, dos quais
se sabe nada ou muito pouco,
ombreiam-se, na mostra, com
os maiores, os Valentins, os
Bernardelli, os Brecheret, os
Bruno Giorgi.
jorgecoli@uol.com.br
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