UOL


São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

h-i-l-m-n-o

* História cultural - Disciplina em franca banalização, marcada pela somatória pacificadora de conceitos e lugares-comuns derivados de Bakhtin, Benjamin, Schorske, Chartier, Ginzburg, Bourdieu, Darnton, De Certeau, Burke, Raymond Williams. (Nelson Schapochnik)

* Horror! - Desde a chegada da contracultura nos anos 60, o horror percorre palcos e telas brasileiras. A representação do abjeto e do aversivo constitui um dos elementos estilístico centrais do "cinema marginal" (1968/ 1973). É impressionante a força com que a estética da exasperação, com tonalidades escatológicas, volta ao cinema brasileiro na produção contemporânea. Cenas explícitas de abjeção e degradação, beirando o grotesco, são recorrentes. Personagens ignóbeis, degradados corruptos, ocupam o universo ficcional desses filmes. Na tela, vemos uma sociedade cindida. A face negra dessa cisão surge exposta pela intensidade de seu horror. (Fernão Pessoa Ramos)

* Ideologia - Quando forjou a palavra em 1798, Antoine-Louis-Claude Destutt de Tracy estava longe de imaginar que tinha criado uma monstruosidade conceitual. Concebida para designar a "ciência das idéias", acabou por significar o seu contrário: o mundo das ilusões e das falsas idéias.

Mary del Priore é professora de história na USP.

* Inconsciente [para uso dos clientes] - Todos possuem um. Localiza-se no fundo (da personalidade). Por causa dele, ninguém é melhor do que ninguém. Serve como argumento em brigas de casais: "Você parece santinho, mas no fundo é um cafajeste". (Maria Rita Kehl)

* Indústria cultural - Quem trabalha por ela jura que ela não existe. (Francisco Alambert)

* Iniciação científica - Tentativa de construir pontes sobre os abismos do pensar. Efeito perverso: morte da inteligência. (Nelson Schapochnik)

* Inovar a narrativa cinematográfica - Cacoete retórico presente na crítica de cinema e na análise filmíca. Traz embutida uma perspectiva evolucionista/teleológica do cinema, herdada das vanguardas do século passado. Discurso que possui, em seu eixo, uma contradição: apesar de ser uma visão normativa, como tantas outras, não gosta de aparecer como tal. Assume a diversidade, mas desde que dentro do seu círculo de giz. Costuma exibir suas preferências em tom exaltado. Sobrevive graças à fama de excluído, mas é encampado com entusiasmo pelos meios de comunicação de massa.
(Fernão Pessoa Ramos)

* Latinos - Vem do latim "latu", passando a idéia de enorme, exagerado: geralmente designa povos que falam muito, gesticulam muito, reclamam muito, namoram muito... (Angelo Segrillo)

* Lei de Moore - Observação de Gordon Moore, em 1965, de que o número de transistores em um circuito integrado cresceria exponencialmente. A observação se verificou há mais de 30 anos, com o número de transistores de um microprocessador tendo passado de 2.250 (1971) para 55 milhões (2003). Nesse ritmo, em mais 30 anos, o cérebro humano terá tantos neurônios quanto transistores em um microprocessador. (Cylon Gonçalves da Silva)

* Mistura - Idéia herdada do tropicalismo. Quase sinônimo de "influência", só que sem angústia. Pau-para-toda-obra, referência constante em crítica e discurso sobre "música popular", "literatura popular", moda e demais artigos pop. Designa o processo em que reina a justaposição simples de empréstimos tomados a sistemas diversos, sem entretanto pretender uma elaboração criadora mais complexa que crie sentido diverso a partir desse agenciamento. Exemplo: Caetano Veloso cantando no Oscar.
(Francisco Alambert)

* Nação - Fruto de uma construção histórica, a idéia de nação nasce nos séculos 19 e 20, entre intelectuais que se ocuparam, também, em criar seus símbolos, heróis e mitos nacionais. O romance histórico, os monumentos públicos, as exposições, os museus e o ensino asseguraram sua propagação. Ela não existia antes. Foi acompanhada de uma revolução ideológica que transformou "nações" em atores políticos encarregados de homogeneizar a língua e propagar a "unidade cultural". (Mary del Priore)

* Nanotecnologia - Engenharia de novos materiais e processos industriais a partir da manipulação de átomos e moléculas. Foi assim até que o trono britânico, para distrair um público cansado de Tony Blair, encomendou à Royal Society uma definição. Na primavera de 2004, finalmente se saberá o que de fato é. (Cylon Gonçalves da Silva)

* Neoliberalismo - Decretado inexistente no Brasil pela conversão petista. (Denis Lerrer Rosenfield)

* Ninguém baixa juros por decreto - Só é possível reduzir os juros quando o mercado financeiro não especula contra o Banco Central. (Gilson Schwartz)

* Ninguém segura a inflação por decreto - Todas as intervenções do Estado no sistema de preços e salários são aceitáveis se ficarem invisíveis. (Gilson Schwartz)

* Novo cinema latino-americano - Movimento criado pela crítica acadêmica norte-americana nos anos 80. Por conveniência, foi encampado pelos cubanos (ou será que as coisas aconteceram no sentido inverso?), que o transformaram em bandeira da esquerda latina. Quem teria coragem de negar? Mistura períodos e realidades históricas distintas em um caldeirão bem ao gosto dos estudos culturais. A idéia é bater a massoca latina até deixá-la bem homogênea, pronta para a degustação no congraçamento e na solidariedade (quem haveria de recusar?). Culturalmente, para os americanos do norte, a América Latina vai até a Guatemala. (Fernão Pessoa Ramos)

* O Brasil é o país do futuro - É melhor seguir em frente sem olhar para trás, para os lados nem para a frente. (Gilson Schwartz)

* O governo (qualquer governo, mas sobretudo o atual) tem sempre razão - Frase atribuída ao PFL ("desde 1500", segundo a revista "Veja") até 2002. Em 2003, o PTB mostrou-se mais capaz, do que o outro partido, de continuar a pronunciá-la. (Renato Janine Ribeiro)

* O governo (qualquer governo, mas sobretudo o atual) está sempre errado - Frase que tem, diante da anterior, a vantagem ética de não proporcionar cargos e vitória em licitações, mas que, do ponto de vista epistemológico, é tão ignorante quanto. (Renato Janine Ribeiro)

* O povo idealizado, o Estado ignóbil - Cinema é a mais cara de todas as artes. Como é feito por quem tem muito dinheiro ou possui muito prestígio para captar, embute (em um grau maior que outras formas artísticas) um difuso complexo de culpa pela exclusão social. Na produção contemporânea, esse complexo se manifesta por meio da presença, na ficção, de um universo social maniqueísta. De um lado, está o "outro", o povo, idealizado e excluído. No campo oposto, surge o ignóbil Estado brasileiro e suas instituições. No meio, quem faz ou vê o filme, ascendendo à boa consciência por meio da crítica acirrada. (Fernão Pessoa Ramos)

* O que os olhos não vêem o coração não sente - Absurdo facilmente verificável: peça a alguém que lhe dê um bom beliscão enquanto você mede a própria frequência cardíaca. Mesmo sem ter visto o beliscão, além da dor você vai notar um acréscimo sensível de parâmetros que descrevem a função cardíaca, atestando que informações de outros sistemas sensoriais podem afetar tanto a função do sistema cardiovascular quanto a do sistema límbico (emoções). (Miguel Nicolelis)

* O sistema absorveu - Expressão usada pelo regime militar em sua interminável fase final (1973-1985) para dizer que os setores mais fechados do regime ("o sistema") tinham engolido críticas ou manifestações democráticas que não conseguiam mais reprimir. Arcaísmo, desde 1985. (Renato Janine Ribeiro)

* Objeto do desejo [para uso dos clientes] - Ver também: "objeto de consumo". Indica alguma coisa que a pessoa quer muito. "Meu objeto de desejo é um Subaru". Quem tem um objeto de desejo não precisa desejar mais nada. (Maria Rita Kehl)

* Os fundamentais (na economia) estão garantidos - Arcaísmo recente (segundo semestre de 2002), usado por alguns economistas tucanos, temerosos da eleição de Lula. Variação de "a economia vai bem, o povo vai mal", do presidente Médici, mas com o final da frase substituído (implicitamente) por "se tudo continuar igual, vai ficar diferente, isto é, vai melhorar". Variação: a história do cavalo do inglês, que já estava aprendendo a viver sem comer nada quando, infelizmente, morreu. (Renato Janine Ribeiro)

Texto Anterior: f-g
Próximo Texto: p-q-r-s
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.