São Paulo, domingo, 22 de abril de 2007

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Dercy responde às perguntas das atrizes

DOS ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO

A convite da Folha, atrizes como Fernanda Montenegro e Maria Alice Vergueiro prepararam perguntas para Dercy Gonçalves, que as comenta e responde a seguir.

 

FOLHA - Trouxemos perguntas de atrizes para você.
DERCY GONÇALVES - Então façam.

FOLHA - Começa pela Fernanda Montenegro...
DERCY
- Ah, Fernanda é muito delicada...

FOLHA - ...Mas deixa eu ler a pergunta dela.
DERCY
- A pergunta dela eu já sei.

FOLHA - Vamos lá: "Querida Dercy, você já avaliou o quanto é referencial de atriz e vida para todas nós atrizes brasileiras?"
DERCY
- Ela sempre disse isso, sempre me tratou dessa forma. Ela me reverencia sempre. Eu não sou uma grande atriz.
Tenho o meu estilo que ninguém faz, e quando faz, faz com exagero. Eu tenho certeza que tenho estilo. Uma rainha, como uma rainha lava a bunda? Lava assim [faz o gesto]. Tem que lavar assim. Ué, rainha não limpa a bunda? Então, eu sou aquilo que é verdade, não sei fazer de mentirinha. Pergunta a outra.

FOLHA - É a Cleyde Yáconis: "Dercy, você saboreia a vida como uma criança gulosa diante de uma panela de brigadeiro. Qual é o segredo?"
DERCY
- Não tem segredo nenhum, gulosa, esganada... A pergunta dela...

FOLHA - Quer que eu repita?
DERCY
- Não, meu filho, eu já entendi o que ela quer dizer: que eu exagero tudo. Eu sou uma atriz exagerada... [Néya chama a atenção dizendo que "ela quis dizer que você tem muita vitalidade"] Eu não entendi assim.

FOLHA - A imagem é "criança diante da panela de brigadeiro".
DERCY
- Eu gosto mais de rabada. E eu não sei o que é fome, nunca passei fome na vida.
De fato, sou muito sem educação para comer, porque não tive mãe, não tive pai. Eu como muito feio, com esganação, como tudo querendo enfiar de uma vez na boca.

FOLHA - E o segredo dessa vitalidade artística?
DERCY
- Eu não tenho vitalidade, tenho exagero. Artista é tudo metido. Elas são grã-finas, então bebem café assim, sentam assim. Quando falam "vai para a puta que pariu", falam delicadamente. Eu mando tomar no cu.

FOLHA - Agora é a vez da Nydia Lícia. "Você prefere o público dos anos 50 ou o de hoje? Pode comparar os dois?"
DERCY
- Em primeiro lugar, a minha vida no século passado era uma, e mudou completamente [neste], está me assustando. Não havia essa prostituição da mulher, não havia prostituição dos homens. Está virando tudo viado, brinco na orelha.
Isso tudo me afasta da vida. A educação é outra. A polícia é outra. A Justiça não existe, mãe mata filho, filho mata mãe.
Isso tudo me desanima de viver. Estou assim. Não sei se penso ou não penso. Não quero pensar na morte, eu gosto da vida. Eu tenho muito mais amor...

FOLHA - Você acha que a vida já foi melhor?
DERCY
- Para mim.

FOLHA - Digo, as pessoas... Você diz que hoje está tudo "prostituído", então já foi melhor?
DERCY
- Não é melhor, ô cara. Eu fui habituada, criada nas formas do passado. Papai falava, e a gente calava a boca quando ele chegava em casa às seis horas da tarde. Para eu fugir de casa, foi um escândalo. Hoje não.
Foi escândalo para papai porque o povo ficava se incomodando porque eu era "negrinha". Nós éramos pobres, mas nunca faltou comida. Vovô era português, de Coimbra; vovó era negra. Essa mistura desqualificou a gente, Não éramos nada, éramos considerados "gentinha".

FOLHA - Vamos continuar com as perguntas. A seguinte é de Maria Alice Vergueiro...
DERCY
- Não sei quem é. Por que você foi procurar essas mulheres fora de moda?

FOLHA - Cicarelli, você conhece?
DERCY
- Quem é? Não presto atenção a essas baixarias, meu bem.

FOLHA - A Maria Alice pergunta: "Como é Deus para a senhora?"
DERCY
- Deus não existe, é um apelido que botaram para se comunicar com ele. Tudo foi invenção do ser humano. O princípio dos séculos, ninguém sabe como foi. Eu, para mim, fui um cavalo, uma besta ou uma mula, qualquer coisa.

FOLHA - A última pergunta é de Denise Fraga.
DERCY
- Eu sei quem é.

FOLHA - "Dercy, para quem você daria o primeiro pedaço de seu bolo de 100 anos?"
DERCY
- Para a minha filha, a única pessoa na vida a quem não posso esquecer que devo favores, devo obrigações.
Ela nasceu na minha barriga, faz parte de mim.

FOLHA - Que favores você deve a ela?
DERCY
- De ela ser correta, de nunca me envergonhar, de ser uma mulher distinta. E de ela não me amar.
Ela não me ama, porque não gosta da minha linguagem. Ela é religiosa , eu não sou, não acredito em porra nenhuma. Para mim todo santo é vereador.

FOLHA - A gravidez dela foi difícil?
DERCY
- Foi porque eu não queria. Eu dava socos na barriga para tirar.
Passei nove meses sem mudar de roupa, aquela roupa fedorenta. Tinha ódio da gravidez, ódio da vida porque não podia trabalhar barriguda, feia. E ainda trabalhei em rádio com quatro meses de gravidez.
E minha filha, quando nasceu, tive uma responsabilidade tão grande de ver. Primeiro, uma mulher. Eu pensei: "Mais uma puta" (risos). A gente era marginal, é mais uma. Ela se apaixonou por um rapaz da Tijuca com quem namorou 13 anos. E casou virgem.

FOLHA - Você dava força para ela se casar virgem, 13 depois?
DERCY
- A virgindade da mulher era uma coisa preciosíssima, agora é que não vale nada. Hoje a virgindade é como lama. A mulher está desclassificada totalmente porque está dando como cadela na rua.
E vocês [homens]? Eu não sei como vocês estão bem vestidos, porque só se vestem de ladrão. Uma falta de gosto tremendo. Calça rosa com blusa verde, brinco, não são mais homens, não têm mais dignidade. De homem bem vestido eu gosto.
Aprecio muito o macho, quando é macho, mas a maioria não é.


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