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A infelicidade de Hölderlin
especial para a Folha
Ainda estudante em Tübingen,
o poeta Friedrich Hölderlin começa a enviar seus trabalhos a revistas literárias. Na gazeta "Nova
Talia", dirigida por Friedrich
Schiller, aparecem, entre outros, a
"Canção do Destino" e um fragmento do romance "Hyperion".
O romance viria a ser publicado
na íntegra graças à ajuda de Schiller, que, além disso, conseguiria
para o poeta um lugar como preceptor em Waltershausen, na casa
de sua amiga Charlotte von Kalb.
Em outubro de 1794, Hölderlin
passa por Jena em direção a Weimar, para onde deveria levar o filho dela, Fritz. Numa carta de
meados de novembro de 1794, escrita em Jena, conta a seu amigo
Christian Ludwig Neuffer um episódio acontecido na primeira vez
que foi à casa de Schiller:
"Também já estive algumas vezes na casa de Schiller, a primeira
vez não exatamente com sorte.
Entrei, fui saudado amistosamente e mal reparei num estranho ao
fundo da sala, em quem nem a fisionomia nem depois o longo silêncio em que se manteve deixavam pressentir algo de especial.
Schiller lhe disse meu nome, e
também me disse o seu, mas não
entendi o nome dele. Saudei-o
friamente, quase sem olhá-lo, e
me ocupei unicamente, tanto no
interior quanto no exterior, de
Schiller: por muito tempo o estranho não disse uma palavra. Schiller me trouxe a "Talia" na qual estão impressos o "Hyperion" e
meu poema ao destino. Como em
seguida Schiller se afastou por um
instante, o estranho pegou a revista da mesa em que eu estava, folheou o "Fragmento" e não disse
palavra. Senti-me completamente
ruborizado. Se soubesse o que
agora sei, teria ficado pálido como
um cadáver. Depois, ele se voltou
para mim, fez perguntas sobre a
senhora von Kalb, sobre a região e
sobre os vizinhos de nossa aldeia,
e respondi a tudo isso com monossílabos, tal como talvez raramente seja meu costume. Mas
aquela foi mesmo a minha hora
infausta. Schiller voltou, falamos
sobre o teatro em Weimar, o estranho deixou escapar algumas
palavras, suficientes o bastante
para que o pressentisse. Mas não
pressenti nada. Ainda apareceu
também o pintor Meyer, de Weimar. O estranho conversou sobre
muitas coisas com ele. Mas não
pressenti nada. Fui embora e no
mesmo dia fiquei sabendo no clube dos professores que "sabe que
Goethe esteve hoje pelo almoço
na casa de Schiller?". Que o céu
me ajude a reparar minha infelicidade e minhas tolices se for a Weimar. À noite jantei na casa de
Schiller, que me consolou tanto
quanto possível, inclusive por sua
serenidade e por sua conversa..."
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Hölderlin voltou a encontrar
Goethe em Weimar e depois em
Frankfurt. Nesta ocasião, Goethe
escreve a Schiller dizendo que notou uma inclinação do poeta para
a Idade Média e lhe aconselhou
escrever "poemas curtos". Como
observa laconicamente o grande
"Goethe-Handbuch": "Um dos
grandes mal-entendidos da história da literatura alemã".
A dificuldade de relacionamento de Hölderlin com as grandes figuras de sua época já foi explicada
psicanaliticamente, mas os termos em que o próprio poeta a
apresenta também podem ser instrutivos. Ele a explica por algo que
se conhece de sua poesia, e que ele
parece ter vivido intensamente: a
presença-ausência dos deuses e a
influência do destino. É assim
que, apesar das grandes diferenças, sempre falará com gratidão
de Schiller (que representa a figura do pai, segundo Jean Laplanche). Quanto a Goethe, o encontro não foi certamente auspicioso.
No período de sua enfermidade
mental, o poeta dizia não ter sido
bem acolhido por "Herr von Goethe" e, quando lhe perguntavam
sobre ele, chegava mesmo a afirmar que não o conhecia.
Comentários e tradução de Márcio Suzuki
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