São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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trecho

"A cerveja foi servida por uma jovem que se chamava Frieda -uma moça que não atraía a atenção, pequena e loira, de traços tristes e maçãs magras, mas que surpreendia pelo olhar, um olhar de especial superioridade. Quando o olhar incidiu sobre K. pareceu-lhe que já havia resolvido questões relativas a K. de cuja existência ele próprio não tinha nenhum conhecimento; era esse olhar porém que o convencia de que elas existiam. K. não parou de fitar Frieda de viés nem quando ela já falava com Olga. As duas não pareciam ser amigas, apenas trocavam poucas palavras frias. K. quis ajudar e por isso perguntou abruptamente:
- Conhece o senhor Klamm?
Olga riu.
- Por que você está rindo? -perguntou K. irritado.
- Não estou rindo -disse ela, mas continuou a rir.
- Olga ainda é uma moça bem infantil -disse K. inclinando-se bastante sobre o balcão para atrair outra vez com firmeza o olhar de Frieda.
Mas ela o manteve baixo e disse em voz suave:
- Quer ver o senhor Klamm?
K. respondeu que sim. Ela apontou para uma porta logo à esquerda dela.
- Ali há um pequeno orifício, pode espiar por ele.
- E as pessoas que estão aqui? -perguntou K.
Ela projetou para frente o lábio inferior e puxou K. até a porta com uma mão incomumente macia. Através do orifício, que evidentemente tinha sido perfurado para fins de observação, ele abrangeu com a vista quase todo o cômodo contíguo. Sentado a uma escrivaninha no meio do aposento, numa confortável poltrona de espaldar redondo, iluminado cruamente por uma lâmpada elétrica que baixava até ele, estava o senhor Klamm. Um homem de estatura média, gordo e pesado. O rosto ainda era liso, mas as maçãs do rosto já desciam um pouco com o peso da idade. O bigode preto era comprido. Um pincenê colocado obliquamente tapava os olhos. Se o senhor Klamm estivesse inteiramente sentado à mesa, K. só poderia ver o seu perfil, mas uma vez que Klamm estava bastante virado em sua direção, ele o enxergava bem de frente. Klamm pousava o cotovelo esquerdo na mesa; a mão direita, na qual segurava um charuto, descansava no joelho. Sobre a mesa estava um copo de cerveja; mas como ela tinha uma borda alta, K. não podia ver direito se nela havia alguns documentos, mas a aparência era de que estava vazia."


Trecho extraído de "O Castelo", de Franz Kafka, em tradução de Modesto Carone.


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