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EMPURRÃO PÚBLICO
INTERVENÇÃO ESTATAL PARA INDUZIR INVESTIMENTOS PRIVADOS EM TECNOLOGIA
É VITAL
PARA O BRASIL,
DIZ BELLUZZO
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
COLUNISTA DA FOLHA
A
s mudanças nas
condições internacionais ocorridas
no último quarto de
século dizem respeito a três movimentos centrais e interdependentes: liberalização financeira e cambial;
mudança nos padrões de concorrência; alteração das regras
institucionais do comércio e do
investimento -todos conducentes à instabilidade financeira e a um aumento da desigualdade econômica e social.
Os EUA, depois de reafirmarem sua hegemonia nas esferas
financeira e militar na década
de 80, conseguiram liderar as
transformações mundiais em
curso e ocupar, na década de
90, uma posição de destaque
no crescimento econômico entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
De forma inédita na história
da internacionalização capitalista, os EUA, na condição de
maiores devedores do mundo,
vêm usando o peso de sua dívida para sustentar a supremacia
do dólar. Ao longo dos últimos
25 anos, manejaram com grande agilidade a sua política monetária, convertendo-a numa
máquina de sucção de liquidez
e de capitais para sustentar o
crescimento de sua economia.
Esse ambiente fomentou
mudanças importantes na natureza das inversões diretas.
Trata-se essencialmente de
movimento de natureza patrimonial que deu lugar a dois
processos simultâneos: a fusão
de empresas e o fechamento de
plantas no centro com deslocalização para as regiões de maior
crescimento relativo.
Os EUA, além de continuarem sendo os maiores receptores de capitais globais, se tornaram progressivamente grandes investidores na Ásia (os "tigres" de segunda geração e a
China). Assim como outros
grandes países latino-americanos, até então submetidos às
condições de ajustamento impostas pela crise da dívida externa, o Brasil foi literalmente
capturado pelo processo de
globalização financeira da década de 90.
Como os demais, executou
seus programas de estabilização de acordo com as normas
dos mercados financeiros liberalizados, cuja regra básica é a
oferta de ativos atraentes que
possam ser encampados pelo
movimento geral de concentração e centralização do capital à escala mundial.
As aberturas comercial e financeira desenharam para o
Brasil um quadro macroeconômico cuja principal característica foi o aparecimento -sobretudo a partir da segunda
metade da década de 90- de
um crescente desequilíbrio externo, não apenas na balança
comercial, mas também na balança de serviços.
Em um ambiente de crises financeiras globais recorrentes,
as sucessivas elevações da taxa
de juros determinaram uma
trajetória macroeconômica de
"stop and go", até a desvalorização de janeiro de 1999.
A teoria convencional jurava
que o câmbio flutuante daria
maior autonomia às políticas
monetária e fiscal. Na prática
os resultados foram outros.
Em países de moeda inconversível, com elevado endividamento externo -e obrigados a
reduzir de forma significativa o
déficit em conta corrente-, o
câmbio flutuante não elimina o
risco cambial e o Banco Central
está sempre obrigado a intervir
para "sujar" as flutuações.
Por sua vez, a relação dívida/PIB -adotada como meta
junto ao Fundo Monetário Internacional- varia com as taxas de juros e de câmbio.
As intermináveis "ondas" de
desvalorização cambial e um
regime apertado de metas de
inflação conjugam-se de forma
perversa para impedir a redução da dívida: com juros altos,
crescimento baixo e elevada
necessidade de financiamento
externo, o Fundo Monetário
Internacional exige os superávits primários crescentes, o
que determina o encolhimento
relativo, quando não absoluto,
do gasto público.
Por outro lado, a perda do
controle nacional sobre as empresas e os bancos desarticulou
os mecanismos de coordenação estratégica da economia
brasileira. O setor produtivo
estatal -num país periférico e
de industrialização tardia-
funcionava como um provedor
de externalidades positivas para o setor privado:
1) O investimento público
(sobretudo nas áreas de energia e transportes) corria na
frente da demanda corrente; 2)
as empresas do governo ofereciam insumos generalizados
em condições e preços adequados; 3) os bancos públicos lideravam a expansão do crédito,
logo acompanhados pelos bancos privados.
Um crescimento sustentado
que permita mudar os padrões
de produção e distribuição de
renda implicará a necessidade
de definir novas formas de
coordenação pública e privada
que minimizem as restrições
externas. A situação social só se
modificará se ocorrer uma reorientação das prioridades do
investimento e gasto público.
Para enfrentar a sério a questão social, o novo padrão de intervenção do Estado deve tomar em conta algumas questões centrais.
Diante das tendências atuais
do capitalismo de forte concentração social e espacial de
renda e riqueza, só a ação do
Estado pode viabilizar as atividades e setores que teriam sua
existência bloqueada pela operação pura e simples dos mecanismos e sinais de mercado,
particularmente numa economia em que existe um elevado
desemprego, mesmo da mão-de-obra mais qualificada.
As políticas do Estado devem
reconhecer o papel estabilizador, em termos socioeconômicos, das pequenas e médias empresas, promovendo o seu desenvolvimento mediante a
adoção de políticas permanentes de crédito, fiscais e tecnológicas. Além disso, é necessário
apoiar as organizações sociais
para a formação de uma economia solidária de auto-organização dos trabalhadores, sobretudo os que se tornaram e se
tornarão redundantes para a
economia capitalista contemporânea.
A experiência asiática, mesmo a mais recente, mostra que
a intervenção estatal é decisiva
para induzir as empresas dos
setores mais dinâmicos e de alta tecnologia -em particular
os liderados por empresas multinacionais- a realizar investimentos que busquem um
maior equilíbrio nos seus balanços setoriais de divisas, de
modo a não pressionar o balanço de pagamentos e a evitar a
reiteração da restrição externa
ao crescimento.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO é professor titular
de economia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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