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Livros
Crise e barbárie
Olavo de Carvalho usa crítica cultural e teoria da história para mostrar o mundo como expressão de uma "crise da civilização"
RICARDO MUSSE
ESPECIAL PARA A FOLHA
A publicação simultânea
de dois volumes, reunindo livros e estudos
esparsos segundo o plano organizado pelo autor, delineia de
forma ainda mais nítida o projeto intelectual do sr. Olavo de
Carvalho.
"A Dialética Simbólica" congrega estudos teóricos, concernentes à interpretação da cultura, e, como aplicações, análises de três filmes e de uma peça
teatral. A parte teórica debruça-se sobre os fundamentos da
produção simbólica a partir da
experiência individual e desenvolve uma teoria dos gêneros literários, considerados como
realidades arquetípicas que
operam como "esquemas de
possibilidades".
Seus pressupostos teóricos,
no entanto, afloram de forma
cristalina quando postos em
ação nos exercícios críticos. O
artigo mais longo do livro analisa o filme "O Silêncio dos Inocentes", dirigido por Jonathan
Demme. Procura demonstrar
que não se trata de um mero
drama policial e psicológico,
mas de uma narrativa "iniciática", de um embate entre o bem
e o demoníaco à maneira dos
autos medievais.
Essa forma artística também
serve de padrão para o estudo
da peça "Agnes de Deus", de
John Pielmeyer. Carvalho
identifica nesse drama uma deturpação da fórmula do auto
cristão que atribui a uma confusão entre espiritualidade e
psiquismo. Esse embaralhamento impede o espetáculo de
suscitar a conversão ou mesmo
despertar a consciência religiosa, descumprindo o sentido
moral e pedagógico da arte.
A inaptidão para abordar o
sobrenatural e configurar o mal
como demoníaco denotaria um
traço profundo do mundo contemporâneo: a perda de capacidade de discernir entre fenômenos psíquicos e místicos, característica comum tanto à intelectualidade como aos próprios representantes da igreja.
Essa perspectiva é complementada nos comentários aos
filmes "Aurora" (de F.W. Murnau) e "Central do Brasil". No
primeiro, Carvalho destaca a
presença da providência divina
por meio de um encadeamento
entre o natural e o sobrenatural. O filme de Walter Salles,
visto como uma jornada em
busca da "família originária, da
religião antiga, da raiz autêntica", é saudado por adotar um
ponto de vista "conservador e
antimoderno".
Em linhas gerais, Carvalho
compõe uma filosofia da cultura assentada na defesa dos
princípios metafísicos próprios
das civilizações antigas e no
combate à "perda do sentido
simbólico do universo" por
conta "de uma vivência mais
terrestre, temporalizada e empírica".
Sua visão da cultura articula-se ponto a ponto com a teoria
da história exposta em duas
conferências proferidas no exterior, reunidas na segunda
parte de "O Futuro do Pensamento Brasileiro". Carvalho filia-se explicitamente à linhagem que avalia o mundo contemporâneo não como uma
realização do progresso, mas
como um ocaso, expressão de
uma "crise da civilização" que
já é o adentrar na barbárie.
Um dos sintomas desse estado de coisas é a perda da perspectiva histórica, isto é, a "presentificação" das experiências,
o que impossibilita o auto-exame da sociedade por excluir outras épocas históricas como
termo de comparação. Essa espécie de "cronocentrismo", a
recusa a levar em conta as vozes do passado, o controle da
história é apenas um braço da
"administração impessoal do
mundo" que "se arroga o poder
de dirigir a vida do espírito".
Consciência coletiva
Essa situação decorre da dissolução das prerrogativas da
consciência individual autônoma, tal como firmadas pelos
profetas hebreus, pela filosofia
grega e pelo cristianismo. Trata-se, segundo Carvalho, do resultado de um processo de fortalecimento da consciência coletiva, iniciado no Renascimento, consolidado pela ciência
moderna e que tem seu ápice
na Revolução Francesa com a
prevalência da "opinião pública" e da "vontade geral".
Fecho de um processo de
dessacralização, o mundo moderno configura-se como um
poder antiespiritual. Carvalho
sabe que sua resistência ao predomínio do materialismo não
dispõe mais de bases na vida social, na "sociocultura". Vê exceções apenas em nichos de religiosidade, no islamismo, na ortodoxia judaica e na vertente
tradicionalista do catolicismo.
Carvalho escolhe então como
campo de combate a cultura,
compreendida como esfera de
valores universais. Seu alvo
prioritário será o que denomina de "sacerdócio das trevas"
-o kantismo, o hegelianismo, o
marxismo, o positivismo, o
pragmatismo, o nietzscheanismo, a psicanálise, a filosofia
analítica, o existencialismo, o
desconstrucionismo etc.-, correntes intelectuais que "transferem o encargo de conhecer a
verdade do indivíduo para a coletividade".
Esse mesmo diapasão de crítica cultural é aplicado ao pensamento brasileiro. Acusa-o de
imprevidência e inconsciência,
por sua despreocupação com o
futuro. A cultura brasileira,
orientada majoritariamente
para a autodefinição da especificidade nacional, tende a supervalorizar o popular, o antropológico, o documental em detrimento de "valores supratemporais".
Mas se a cultura brasileira
carece de unidade, existem
quatro manifestações do gênio
individual que podem redimi-la, as obras de Mário Ferreira
dos Santos, Otto Maria Carpeaux, Miguel Reale e Gilberto
Freyre. Desenvolver as trilhas
abertas por essas quatro vertentes, eis o programa ao qual o
sr. Olavo de Carvalho jura fidelidade irrestrita.
RICARDO MUSSE é doutor em filosofia e professor no departamento de sociologia da USP.
A DIALÉTICA SIMBÓLICA
Autor: Olavo de Carvalho
Editora: É Realizações (tel. 0/xx/11/5572-5363)
Quanto: R$ 77 (352 págs.)
O FUTURO DO PENSAMENTO BRASILEIRO
Autor: Olavo de Carvalho
Editora: É Realizações (tel. 0/xx/11/5572-5363)
Quanto: R$ 69 (288 págs.)
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