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Manifesto antifuturista
"A Escada de Wittgenstein" traça um paralelo entre as obras do filósofo e de
Gertrude Stein
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
A premissa de "A Escada de Wittgenstein", de Marjorie
Perloff, é simples:
as idéias do filósofo
austríaco [1889-1951] são muito influentes nas artes no século 20. Comprová-la exige, por
outro lado, o uso de um aparato
crítico complexo, e a autora enfrenta o desafio com incrível
habilidade.
O ponto de partida é a conhecida metáfora do final do
"Tractatus": "Minhas proposições são elucidativas desta maneira: aquele que me compreende acaba por reconhecê-las como sem sentido, após ter
escalado por meio delas -por
elas- para além delas. (Deve,
por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela.)".
Daí ela extrai aspectos de
uma "poética wittgensteiniana": a cotidianidade (uma escada qualquer, vaga, não a escadaria do Purgatório de Dante
ou a "antiga escada em espiral"
de Yeats); um movimento de
repetição (escalar "através",
"sobre", "para além"), que põe
em suspeita a generalização; e a
impossibilidade de subir a
mesma escada duas vezes, "o
que equivale a dizer que cada
proposição filosófica, por mais
que dependa das proposições
que a tenham fundamentado,
carrega sempre alguma marca
de diferença, ainda que as mesmas palavras sejam repetidas
exatamente na mesma ordem".
É o estranhamento decorrente dessas constatações que
ela vai buscar nos textos do
próprio Wittgenstein e nos jogos de linguagem de Gertrude
Stein, Samuel Beckett, Thomas
Bernhard, Ingeborg Bachmann
e de poetas norte-americanos
recentes.
Ainda que seja muito bem informada, a parte inicial do volume, uma espécie de história
cultural da feitura do "Tractatus" e das "Investigações Filosóficas", é talvez a que exigirá
mais investimento da autora
ou de futuros pesquisadores, já
que parecem ainda incompletos os modos pelos quais podem-se ler "poeticamente" os
dois grandes livros (e, mais ainda, que alterações essa leitura
provocaria nas estratégias de
compreensão dos textos).
A partir daí, contudo, ela desenvolve uma longa cadeia de
interrelações críticas fortes.
No caso de Gertrude Stein
[escritora americana, 1874-1946], por exemplo, que nunca
encontrou Wittgenstein e pode
nunca tê-lo lido, os paralelismos são impressionantes.
Jogos de ocultação
Para demonstrar a proximidade de ambos, Perloff analisa
"Marry Nettie - Alright Make it
a Series and Call it Marry Nettie" (Marry Nettie - Tudo bem,
Faça Disso uma Seqüência e
Chame-a de Marry Nettie).
Ela argumenta que o poema
traz muito mais do que meras
alusões ao futurista Marinetti
(a começar, obviamente, pelo
título), como seus comentadores costumam pensar.
Trata-se de um quase-manifesto "antifuturista". Ali, por
meio, entre outros recursos, de
construções hiper-realistas,
dos jogos de ocultação e de duplo sentido e da escolha absolutamente milimétrica das palavras usadas, com ênfase naquelas que Marinetti negara, como
"conjunções, preposições, verbos auxiliares, advérbios e, especialmente, o temido pronome "eu'", que o italiano "censurava como um vestígio da "velha
ideologia'", a autora discute como o poeta é, de um jeito que
beira a crueldade, satirizado
quase que a cada linha.
O crítico-escritor Guy Davenport afirma que, assim como Wittgenstein, "Stein não
está interessada no absurdo da
linguagem, mas nas implicações espantosas que podem ser
obtidas de sua normalidade".
O que Perloff faz é transformar essa constatação em um
método de investigação literária de alto rendimento nesse
confronto entre perspectivas
modernistas tão díspares.
Igualmente engenhosas são
suas observações a respeito da
noção de resistência no autor
de "Watt" ("nos termos de
Wittgenstein, os personagem
de Beckett (...) sofrem do que
poderíamos chamar de desordem do contexto") e das implicações éticas das frases inacabadas ou repetidas nos textos
dos escritores austríacos do
pós-guerra -estes já obsessiva
e explicitamente influenciados
por Wittgenstein, assim como
os poetas norte-americanos
dos últimos 20 ou 30 anos.
Trata-se de um estudo de óbvio interesse para qualquer um
que tenha interesse pela literatura do século 20.
ADRIANO SCHWARTZ leciona literatura na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
A ESCADA DE WITTGENSTEIN
Autora: Marjorie Perloff
Tradução: Aurora Fornoni Bernardini e
Elisabeth Rocha Leite
Editora: Edusp (tel. 0/ xx/11/3091-4008)
Quanto: R$ 57 (306 págs.)
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