|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ Cultura
Votos em branco
Série de documentários feitos em dez países, como China, Rússia, Bolívia e EUA, discute se a democracia é desejável no mundo todo e como deve funcionar
Divulgação
|
O diretor Weijun Chen filma crianças para seu documentário "Por Favor, Vote em Mim", que faz parte do projeto "Por Que Democracia?" |
LARS MOVIN
P
or Que Democracia?"
é certamente um dos
mais amplos e ambiciosos projetos internacionais de cinema
documental já empreendidos.
Abarcando dez filmes de cineastas locais em países tão
distantes uns dos outros quanto China, Libéria, Paquistão,
Egito, Bolívia, EUA e Dinamarca, exibidos por emissoras em
42 países e contando com o
apoio de múltiplos websites, o
projeto, lançado em outubro
passado, estava previsto para
alcançar pelo menos 300 milhões de espectadores e estimular a discussão em torno das
perguntas: o que é a democracia? Como ela funciona? Será
que é, por definição, a escolha
certa para todos?
Marcha em sintonia
Na escola Sempre Verde, em
Wuhan, região central da China, as crianças são ensinadas a
marchar em sintonia, subordinar o individual ao comunitário
e entoar slogans sobre o Estado
e o futuro. Essa é a China que
conhecemos. Mas anos de política do filho único e liberalização econômica vêm submetendo os valores tradicionais a
uma pressão constante.
Se as crianças da nova China
não compreenderem por conta
própria que precisam ser ambiciosas para ter sucesso numa
sociedade cada vez mais competitiva, seus pais certamente
os ajudarão a entendê-lo.
Então talvez a pergunta seja:
o que aconteceria se a sociedade chinesa cortasse seus últimos laços com seu passado e
desse livre vazão às forças da
democracia?
E se uma classe numa escola
fosse autorizada a eleger um representante estudantil seguindo os mesmos princípios usados por adultos no Ocidente
para eleger seus representantes -ou seja, indicando candidatos, promovendo campanhas
eleitorais e o voto aberto?
Foi o que o documentarista
chinês Weijun Chen se propôs
a explorar quando foi incentivado a desenvolver um trabalho para o projeto "Por Que Democracia?", uma série de documentários de cineastas locais
de diversos lugares do mundo,
descrevendo visões diferentes
da democracia.
Seu filme, "Por Favor, Vote
em Mim", é ao mesmo tempo
comovente e assustador, documentando o experimento feito
por Chen.
O cineasta acompanhou três
candidatos de oito anos de idade em sua campanha, chegando
finalmente à votação dos alunos. É um processo que evolui
como uma versão em miniatura do mundo adulto, com todas
as suas jogadas sujas, negociatas, troca de votos por favores,
cinismo e corrupção.
Local e global
"Por Favor, Vote em Mim"
representa de modo eloqüente
o espírito do projeto "Por Que
Democracia?". Como é feito
por um diretor chinês, soma a
perspectiva local a um tema
globalmente relevante.
"Procuramos evitar as regiões do mundo que são mais
explosivas", disse Mette Hoffman Meyer, uma das responsáveis pelo projeto. "Filmes sobre
o Afeganistão ou o conflito israelo-palestino provavelmente
iriam deslanchar de qualquer
maneira", disse.
Meyer chefiou o departamento de vendas internacionais da emissora comercial dinamarquesa TV2 durante 18
anos, incluindo os últimos
anos, em que foi editora de documentários. Em agosto passado, começou em seu novo emprego como editora de documentários e chefe de co-produções na emissora pública DR.
Não surpreendentemente,
carregou uma ampla rede de
contatos para "Por Que Democracia?", que desenvolveu e
conduziu em parceria com dois
outros editores experientes,
Nick Fraser (BBC), e Iikka Vehkalahti, da finlandesa YLE.
Nos últimos três anos, os três
co-lançaram uma série de grandes projetos, incluindo "Tempos Interessantes", um punhado de documentários chineses,
e, notavelmente, uma série de
38 filmes da África sob a bandeira de "Na Realidade a Vida É
uma Coisa Bela", em ambos os
casos trabalhando com cineastas locais.
Democracia como slogan
"Quando fizemos o projeto
africano, realmente ficou claro
para mim como é importante
ter cineastas locais dirigindo os
filmes, em lugar de simplesmente despachar um repórter
ocidental para apresentar a história costumeira mostrando
como tudo é deprimente."
"É claro que os filmes dos diretores africanos também tinham seus problemas, mas tinham humor e uma alegria em
torno de coisas pequenas que
facilitaram em muito a identificação dos espectadores africanos com as imagens que lhes
eram apresentadas. Desde então, venho usando o mesmo
princípio em muitos contextos", disse Meyer.
Segundo ela, "foram colocadas sobre a mesa várias propostas -as nações árabes e outras
escolhas evidentes-, mas então se começou a falar de democracia, esse slogan pelo qual vamos à guerra hoje em dia e que
tentamos exportar para outras
partes do mundo", disse.
"A democracia significa algo
diferente para cada um. No Japão, a percepção que se tem dela é distinta da que se tem no
Ocidente. Na Rússia as pessoas
provavelmente não desejariam
o tipo de democracia que vemos na Escandinávia como
sendo o único tipo correto. E
assim por diante."
Uma reunião inicial foi realizada em dezembro de 2004, e
desde então a bola de neve vem
crescendo. A tal ponto que agora já não soa como mera fantasia quando os lançadores do
projeto dizem esperar que tenha início um diálogo global sobre a democracia.
"A coisa ganhou dimensões
enormes", diz Meyer. "Após
termos fechado parceria com
cinco ou seis emissoras, começamos a buscar a adesão do Instituto Dinamarquês de Cinema, do Ministério do Exterior
finlandês e de diversos fundos
pelo mundo afora e acabamos
por fechar contrato com 42
emissoras."
"Nem todas as estações de
TV envolvidas adquiriram todos os dez filmes, mas todas
concordaram em exibir pelo
menos dois deles, e a maioria
vai transmitir vários ou todos."
Como encontraram os cineastas? "Organizamos encontros e fizemos contatos em todo
o mundo. Enviamos e-mails
aos nomes das listas de mailing
de diferentes festivais de cinema e acabamos por receber 480
propostas", disse Meyer.
"Num primeiro momento, as
propostas não eram distribuídas geograficamente de maneira tão ampla quanto teríamos
gostado, então tivemos que fazer um esforço adicional em alguns lugares. Essa também tinha sido minha experiência
com nosso último projeto na
África. Quando você trabalha
em países que não têm tradição
de produzir documentários
nem contam com um ambiente
ou rede correspondente, é preciso encontrar outros modos de
fazer as coisas. Na China fizemos uma reunião secreta, convidando os documentaristas
que conhecíamos, e pedimos
que nos enviassem propostas.
Na Índia fizemos dois workshops, em Mumbai e Calcutá."
Marketing viral
O grupo responsável pela iniciativa vem procurando pensar
a distribuição e o marketing de
maneiras não convencionais.
Por exemplo, o filme chinês
"Por Favor, Vote em Mim" foi
postado na íntegra no MySpace. Além disso, o grupo formou
uma parceria com o
www.joost.com, um novo site
de TV na internet lançado por
Janus Friis e Niklas Zennström, os fundadores do Skype.
Na mídia impressa foi formada uma parceria com o jornal
gratuito "MetroXpress", com
sucursais em 23 países e, segundo suas contas, 25 milhões
de leitores diários, incluindo
muitos jovens.
"Também entramos no marketing viral, criando pequenos
comerciais de 30 segundos que
esperamos que sejam suficientemente divertidos, grosseiros
ou grotescos para que as pessoas queiram dividi-los com
seus amigos e que divulgamos
via celulares, Facebook [site de
relacionamentos] e semelhantes, esperando que ganhem vida própria", disse Meyer.
Culturas locais
O que mais a agrada no projeto é que os filmes, precisamente por serem criados por diretores locais, também refletem
suas respectivas culturas cinematográficas, em graus variados. "É o caso do russo "Patriotas", de Nino Kirtadze. Já o Egito, representado por "Estamos
Vigiando Você", de Leila Menjou e Sherief Elkatsha, evidentemente tem um nervo caótico
muito mais forte do que os filmes que vemos na Europa."
"Um dos desafios do projeto
é tentar manter o equilíbrio.
Por um lado, não saímos por aí
dizendo aos diretores que deveriam fazer coisas como um filme da BBC. Por outro lado,
compreendemos que os filmes
são para serem vistos em todo o
mundo e têm que ser compreensíveis para todo o mundo.
Acho que tivemos sorte por
conseguir lançar dez filmes tão
fortes e comoventes. Mostrei o
liberiano "As Damas de Ferro
da Libéria", de Daniel Junge e
Siatta Scott Johnson, a uma colega da DR."
O filme acompanha Ellen
Johnson Sirleaf, a primeira
presidente democraticamente
eleita na Libéria após 14 anos
de guerra civil e a primeira mulher a ser chefe de um Estado
africano, desde sua posse em janeiro de 2006.
"Minha colega ficou muito
comovida e me disse que foi a
primeira vez em que chorou ao
assistir a um documentário político africano. É isso o que os
documentários fazem. Quando
as ferramentas documentais
são utilizadas corretamente, os
espectadores conseguem identificar-se muito melhor com
seus temas e, ao mesmo tempo,
compreendem melhor os projetos envolvidos."
A íntegra deste texto foi publicada na revista dinamarquesa "Film".
Tradução de Clara Allain.
Texto Anterior: + Livros: A fórmula do sucesso Próximo Texto: Filmes são exibidos na TV brasileira Índice
|