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Gritando no chuveiro
Maior sucesso de bilheteria de Hitchcock e que está completando
50 anos, "Psicose" redefiniu a relação do cinema com seu público
EUCLIDES SANTOS MENDES
DA REDAÇÃO
Quando lançou
"Psicose", em
1960, o cineasta
inglês Alfred
Hitchcock (1899-1980) já era um nome consagrado em Hollywood, autor de
obras-primas como "Rebecca,
a Mulher Inesquecível" (1940),
"Janela Indiscreta" (1954) e
"Um Corpo Que Cai" (1958).
Porém, "Psicose" lhe proporcionou ainda mais notoriedade, tornando-se seu filme mais
célebre.
Para o pesquisador norte-americano Philip Skerry, autor
de ""Psycho" in the Shower -The History of Cinema's Most
Famous Scene" ("Psicose" no
Chuveiro - A História da Mais
Famosa Cena do Cinema, ed.
Continuum, 316 págs., US$
19,95, R$ 36), trata-se de um
filme experimental e revolucionário.
Isso se deve, diz, sobretudo à
sequência de 45 segundos em
que cortes instantâneos na
montagem pontuam a violência com que Marion (Janet
Leigh) é assassinada enquanto
toma banho num hotel de beira
de estrada.
Em entrevista à Folha,
Skerry diz que essa cena é "a
mais importante e significativa
da história do cinema".
Ele lembra que, ao ver "Psicose" pela primeira vez, em
1960, ficou traumatizado com a
intensidade do sexo e da violência na tela, principalmente
na cena do chuveiro. Contudo,
hoje percebe o quanto o filme
rompeu tabus, redefiniu a relação do cinema com o público e
contribuiu para a popularização de gêneros como o terror.
FOLHA - Qual a influência da cena
do chuveiro em "Psicose" na história
do cinema?
PHILIP SKERRY - É a mais importante e significativa da história
do cinema não só por sua descrição gráfica do sexo e da violência, que questiona o poder
do código de produção, mas
também pelo seu estilo de
montagem, que conduz ao corte instantâneo, que é tão predominante no cinema atual.
FOLHA - Como ela alterou a sensibilidade e o estilo da narração cinematográfica e ajudou a definir o gênero do terror?
SKERRY - Pela inextricável mistura de sexo e violência e pela
sua combinação com temas tabus, como necrofilia e incesto.
"Psicose" transgrediu tabus e,
ao mesmo tempo, fez disso algo
excitante.
FOLHA - A sequência do assassinato de Marion no chuveiro levou sete
dias para ser filmada, com 70 posições de câmara diferentes para 45
segundos de filme e uma dublê. Por
que tanto empenho de Hitchcock
nessa sequência específica?
SKERRY - Ele entendeu que ela
poderia ser revolucionária e
que o estilo poderia ser um experimento no cinema.
FOLHA - Em entrevista a François
Truffaut, o diretor inglês disse que
decidiu fazer o filme devido ao "caráter repentino do assassinato no
chuveiro". A cena representa alguma ruptura na sua filmografia?
SKERRY - "Psicose" é, de fato,
diferente dos outros filmes que
Hitchcock fez nos anos 1950.
Devido às experiências com
seu programa de televisão, "Alfred Hitchcock Presents", ele
entendeu que havia um novo
público, que esperava que os filmes fossem mais explícitos,
mais maduros no tema.
Ele também entendeu que o
código de produção perdia seu
domínio sobre o conteúdo do
filme. No final dos anos 1950,
Hitchcock percebeu que filmes
de baixo orçamento e de terror
encontravam espaço em meio a
esse novo público -e também
davam dinheiro.
FOLHA - Quando o sr. viu "Psicose"
pela primeira vez? Qual foi a sua primeira reação diante do filme? O que
achou da cena do chuveiro?
SKERRY - Eu o vi quando foi lançado, em 1960 [tinha 16 anos à
época] e fiquei traumatizado
com o sexo e a violência, mas
estimulado a escrever sobre ela
muitos anos depois.
FOLHA - Nas entrevistas para o seu
livro, que o sr. realizou com diretores, críticos e pessoas na rua sobre a
primeira vez que assistiram a "Psicose", qual foi a reação mais comum?
SKERRY - A maioria teve a mesma reação que tive. As mulheres, principalmente, ficaram
com medo de tomar banho de
chuveiro. Janet Leigh, a estrela
do filme, afirmou -e acredito
nela- que nunca mais tomou
banho de chuveiro após ter feito "Psicose".
FOLHA - Por que analisar um filme
a partir de uma única cena?
SKERRY - Meu plano original
era compreender melhor o caminho pelo qual Hitchcock utilizou seu conceito de "cinema
puro" nos filmes dos anos 1950.
Mas acabei me concentrando
nesse filme e nessa cena enquanto eu fazia a pesquisa.
Muitos livros começam com
um dado tipo de estudo, mas
acabam se transformando em
outra coisa. Foi o que aconteceu com meu livro.
FOLHA - "Psicose" foi sucesso de bilheteria, o maior da carreira de
Hitchcock. Que jogo o diretor inglês
quis estabelecer com o público?
SKERRY - Hitchcock estava
sempre muito consciente sobre
seu público. Sabia como envolvê-lo na história e nos personagens de um filme.
Sobre "Psicose", ele sempre
declarou que o estava fazendo
como uma espécie de brincadeira, para assustar o público,
como uma montanha-russa.
FOLHA - A cena em que Norman
Bates (Anthony Perkins) limpa o banheiro após o assassinato de Marion
reorganiza, por assim dizer, a história contada pelo filme?
SKERRY - Como explica o roteirista de "Psicose", Joseph Stefano, o público transfere sua fidelidade para Norman desde
que Marion Crane não está
mais no filme. Para que a obra
trabalhe como suspense, o público deve ter um personagem
"substituto" para engajá-lo.
FOLHA - A mistura envolvente entre erotismo e violência ajuda a realçar o medo?
SKERRY - Sim, definitivamente.
O sexo e a violência tinham sido
firmemente controlados pelo
código da produção [no cinema], com o público vendo certas imagens "proibidas" para
intensificar o medo -e a culpa
por estarem vendo e "apreciando" o que viam.
FOLHA - "Psicose" é uma adaptação do romance homônimo de Robert Bloch, que se inspirou, por sua
vez, em um crime real ocorrido nos
EUA. Que detalhes Hitchcock alterou ao recriar a história no cinema?
SKERRY - No romance, Norman
Bates é gordo, sem atrativos,
um homem de meia-idade que
é o foco principal durante o
enredo. Stefano e Hitchcock o
tornam jovem, "ingênuo", um
personagem amigável.
FOLHA - Quando fizeram o filme, a
atriz Janet Leigh, o roteirista Joseph
Stefano e o diretor-assistente Hilton
Green sabiam que se tratava de
uma obra que iria além do já então
famoso suspense hitchcockiano?
SKERRY - Todos os meus entrevistados pareciam entender
que estavam comprometidos
com alguma coisa bastante diversa de qualquer outra que tinham feito antes.
Mas acho que não sabiam o
quanto "Psicose" se tornaria
realmente realmente revolucionário.
FOLHA - A trilha sonora de Bernard
Herrmann contribuiu para imortalizar o filme?
SKERRY - Não há dúvida de que
ela acrescentou algo imensurável ao filme. Uma falha de meu
livro é não ter discutido a música em profundidade.
FOLHA - Sob o pano de fundo dos
anos 1960, "Psicose" pode ser considerado um filme experimental produzido em Hollywood?
SKERRY - Sim, certamente.
Quanto mais distante no tempo
estamos, mais entendemos o
quanto "Psicose" foi um filme
experimental.
FOLHA - Quais foram as principais
influências literárias e cinematográficas na obra de Hitchcock?
SKERRY - Hitchcock foi fortemente influenciado pelo trabalho do escritor americano Edgar Allan Poe [1809-49].
Certamente, o cinema expressionista alemão o influenciou na direção. Já o realismo
socialista soviético e o estilo
americano de estúdio o influenciaram na montagem.
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