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+(s)ociedade
Meio Obama
Nome central da ficção dos EUA, Russell Banks diz que, um ano após ser eleito, presidente obteve trunfos no plano interno, mas prosseguiu a política de George W. Bush na área externa
Quem esperava que Obama
se revelasse um progressista determinado deve estar decepcionado
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Como muitas crianças carentes criadas sem a presença
paterna, Obama confia demais
na autoridade
dos ricos
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GILLES ANQUETIL
FRANÇOIS ARMANET
Russell Banks é um
dos mais importantes romancistas norte-americanos da
atualidade. Várias
obras suas já foram transpostas
para o cinema, como "O Doce
Amanhã" e "Temporada de Caça" -por, respectivamente,
Atom Egoyan e Paul Schrader.
Figura de destaque entre os
progressistas dos EUA e um
dos primeiros a apoiar a candidatura de Obama, Banks faz, no
entanto, um balanço duro dos
12 primeiros meses do governo
do democrata.
Para ele, no plano externo
Obama praticamente não se
distancia do governo de seu antecessor, George W. Bush. É
apenas nos assuntos internos
que Obama se afirma de forma
mais clara -embora, segundo
ele, ainda aqui de modo um
pouco decepcionante.
PERGUNTA - Quais são os êxitos e
os fracassos do governo Obama?
RUSSELL BANKS - Deixemos de lado sua personalidade e sua habilidade retórica.
No Iraque e no Afeganistão,
nada mudou. Paquistão, Iêmen, Irã, Coreia do Norte? Menos discursos belicosos e moralizadores, mas, no fim das contas, é a mesma coisa de sempre.
O conflito israelo-árabe? Cuba? Venezuela? Rússia? China?
Até mesmo nas nossas relações com a "velha Europa" -e
apesar de uma mudança bem-vinda no tom e na escolha das
palavras usadas-, a continuidade entre George W. Bush e
Obama é tão manifesta como se
tivesse sido John McCain [candidato republicano derrotado]
quem tivesse prestado juramento, 12 meses atrás.
As mudanças são superficiais, linguísticas, estilísticas e
protocolares.
Em outras palavras, são puramente táticas. A estratégia
global de longo prazo permanece a mesma.
Na política interna, em contrapartida, a diferença entre as
Presidências Bush e Obama é
perceptível.
Nos últimos 25 anos, de Ronald Reagan a Bill Clinton, incluindo os dois, todos os presidentes americanos e seus partidários se esforçaram para desmantelar e privatizar as políticas sociais implantadas por
Roosevelt durante a Grande
Depressão e, depois, por
Lyndon Johnson e Richard Nixon nos anos 1960 e 1970.
Sob esse ponto de vista, o
centro da vida política americana deslocou-se progressivamente para a direita ao longo
dos últimos 40 anos.
E, em um sistema de dois
partidos, como o nosso, é o centro que é determinante, especialmente em matéria de política interna e econômica. Ao reagir diante da crise econômica,
Obama soube fazer esse centro
mover-se alguns graus para a
esquerda.
Nesse caso específico, as palavras empregadas, o estilo e o
tom contribuíram para fazer
aplicar uma política que não é a
de seus predecessores.
A população dos EUA está
voltando a pensar que, em uma
sociedade industrial moderna,
é correto e necessário que sejam subvencionadas as necessidades dos pobres, dos sem-teto,
dos doentes e dos idosos.
Em outras palavras, Obama
fez a opinião pública evoluir em
matéria de política interna.
PERGUNTA - É legítimo ou injusto
decepcionar-se com Obama após
um ano de mandato? O sr. ainda
confia nele?
BANKS - Um ano é um quarto
do mandato de um presidente
americano. É o suficiente para
ter uma ideia do estado de espírito, das intenções e da competência de um presidente.
Quem esperava que Obama
se revelasse um progressista
determinado a pôr fim a um século de imperialismo americano fora de nossas fronteiras e a
construir uma social-democracia moderna entre nós deve estar profundamente decepcionado, porque não é isso o que
vai acontecer.
Mas é impossível ter esse tipo de expectativa quando se sabe como funciona o sistema político americano.
Quando sabemos, por exemplo, que o senador conservador
de um pequeno Estado agrícola
como o Nebraska tem tanto poder, e às vezes até mais, que seu
homólogo progressista de Nova
York e que ele pode usar desse
poder para bloquear um projeto de lei reformista.
Quando sabemos, por exemplo, que as grandes empresas e
os grandes doadores financiam
as campanhas eleitorais de todos os parlamentares, dos governadores de Estados, de prefeitos e outros eleitos e até
mesmo, em alguns Estados, dos
juízes e procuradores.
Não somos uma democracia.
Somos uma República que se
esforça há um século para tornar-se uma plutocracia e que
está a caminho de consegui-lo.
Por razões estruturais, e
mesmo quando tem a intenção,
Obama não tem chance nenhuma de satisfazer as expectativas
que suscitou entre as esquerdas
americana e europeia.
Para sermos honestos, ele
não mentiu -muito- para nós
nem fez promessas que não poderia cumprir, salvo, talvez, a
de fechar Guantánamo em 12
meses. Ouvimos promessas
que não existiam.
Isso talvez seja compreensível: após oito anos de Presidência Bush, estávamos na situação de um homem ou de uma
mulher presos em um casamento desastroso: mesmo que
ela não pareça nada de especial,
a primeira aventura extraconjugal que se apresenta nos parece irresistivelmente sexy.
PERGUNTA - O Partido Democrata é
leal a Obama?
BANKS - Em um sistema bipartidário como o nosso, os dois
grandes partidos são coalizões
-uma coalizão da esquerda e
uma coalizão da direita que se
entrecruzam e se sobrepõem
no centro.
Após a Guerra do Vietnã, as
revoluções culturais dos anos
1960 e 1970 e o surgimento do
fundamentalismo religioso na
vida política do país, esse centro se deslocou para a direita.
Os oito anos em que os "novos democratas" de Bill Clinton
estiveram no comando não
mudaram nada. Pelo contrário.
Por isso, a coalizão que chamamos de Partido Democrata e
da qual Obama é o líder não oficial exprime muito melhor os
pontos de vista de conservadores como os senadores Joseph
Lieberman (Connecticut) ou
Ben Nelson (Nebraska) que os
de progressistas como os senadores Bernie Sanders (Vermont) ou Dianne Feinstein
(Califórnia).
Os EUA não são uma democracia parlamentar na qual o
chefe do partido que ganha as
eleições de torna o chefe da nação. É o contrário. O chefe da
nação se torna chefe de seu partido, mas isso não quer dizer
que ele controle ou representa
os interesses do partido.
Gostamos de acreditar que o
presidente encarna os interesses e a vontade do povo, da totalidade do povo e que, como tal,
ele se coloca acima dos interesses dos partidos.
Por isso, é inútil queixar-se
da hesitação de uma grande
maioria democrata no Congresso em unir-se sob a autoridade de um presidente democrata. Não foram os 60 senadores que o elegeram presidente,
foram os norte-americanos que
o fizeram.
E ele só foi eleito porque soube captar as vozes dessa maioria que se define como independente e afirma não pertencer a nenhum partido.
Mas não há independentes
no Congresso.
PERGUNTA - Obama está ligado demais às potências financeiras? Será
que conseguirá de fato reformar
profundamente o sistema que causou a crise?
BANKS - Na véspera de sua posse, quando ele nos apresentou
os homens e as mulheres que
recrutou para impedir que a
grande recessão se convertesse
em uma grande depressão, ficou claro que as pessoas que
Obama considerava como as
mais qualificadas para fazer a
economia americana funcionar
eram as mesmas que a tinham
posto de joelhos: Timothy
Geithner, Lawrence Summers,
Peter Orszag, Ben Bernanke e
todos os outros.
Todos vêm de Wall Street ou
do alto mundo financeiro de
Washington.
Não há entre eles nenhum
que represente de algum modo
os interesses dos operários, dos
pequenos proprietários, dos
pobres ou mesmo da classe média. Não há nenhum líder sindical, nenhum militante associativo; não há intelectuais ou acadêmicos independentes.
Um ano mais tarde, a situação melhorou, principalmente
para Wall Street e os balancetes
dos grandes bancos e instituições financeiras.
Para a maioria dos americanos, porém, a situação piorou.
Segundo o "New York Times",
uma família em cada oito tenta
sobreviver sem fonte de receita
nem meios para comprar alimentos, exceto os cupons alimentícios financiados pelo governo federal.
O índice de desemprego oficialmente contabilizado passa
dos 10% da população ativa e
aumenta constantemente. Os
bancos puderam engordar graças ao dinheiro dos contribuintes, porém os sem-teto proliferam como metástases.
Mas os mercados estão em
alta, chegando a um nível próximo ao de antes da crise, e os
bônus e as opções de ações pagos a banqueiros e corretores
de ações não são menos obscenos do que eram um ano atrás.
Como muitas crianças carentes criadas sem a presença paterna, Obama é um homem que
confia demais na autoridade
dos ricos, quando o assunto é
economia e gestão das finanças.
PERGUNTA - Os EUA vêm hesitando
em honrar suas promessas em matéria de ecologia e da luta contra o
aquecimento climático. Obama será
mais ousado que seu predecessor?
BANKS - Ele é incontestavelmente mais dinâmico e mais
audacioso que Bush, mas isso
não é muito difícil. Basta ele
comparecer a uma cúpula internacional ou enviar um representante que não insulte os
outros participantes.
Foi o que ele fez, aliás.
Mas também, nesse quesito,
ele parece estar mais disposto a
seguir os americanos do que a
lhes mostrar o caminho.
Em razão da angústia provocada pela crise econômica, a
maioria dos americanos não se
preocupa com o desastre ecológico iminente, exceto à medida
que afete seu cotidiano.
Em épocas de crise, o planejamento de longo prazo é eclipsado pelas necessidades do curto prazo: alimentação, abrigo,
atendimento médico, emprego.
É um pouco como se uma onda gigante estivesse ganhando
força perto do litoral e vindo
em nossa direção, enquanto
nós nos acotovelamos para garantir um lugar na fila da agência de empregos.
O ano que vem não existe para os pobres: as esperanças deles se limitam ao dia seguinte.
Para que a população pudesse conceder a Obama o poder
de agir de modo voluntarista e
inovador diante da crise ecológica, seria preciso que desse
provas de imaginação para resolver a crise financeira atual.
Coisa que ele não faz.
PERGUNTA - Os EUA de Obama se
tornaram mais respiráveis?
BANKS - Sim, desde que você
não inspire muito profundamente. Apesar das críticas e das
reservas que apresentei, é muito mais agradável ouvir Obama
do que ouvir Bush, se você dá
valor às palavras.
E, se por acaso você prefere
ter um presidente moderno,
plugado na internet e elegante,
se você prefere que ele tenha
senso de humor, seja espirituoso e nutra um respeito sadio pela arte e a cultura, se você prefere que ele tenha lido alguns livros de história e filosofia e que
se recorde de suas leituras, então, sim, os EUA hoje são um
lugar culturalmente mais agradável do que foram nos oito
anos anteriores.
Se você deseja que o presidente reflita a diversidade da
população em suas próprias
origens raciais e familiares, então é um alívio ter um presidente cujo pai é africano e cuja mãe
veio do Kansas, um homem cuja mulher é descendente de escravos afro-americanos e cujas
duas filhas pequenas são o retrato vivo das colegas de classe
ideais que você desejaria para
seus próprios filhos.
Mas, se você inspirar mais
fundo, os EUA de Obama não
são mais respiráveis do que foram os EUA dos anos Bush.
Gilles Anquetil, François Armanet, "Le Nouvel
Observateur", todos os direitos reservados.
Tradução de Clara Allain.
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