São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ teatro

Me dá um dinheiro aí

Nova peça de David Mamet, "Novembro" sugere a atual campanha eleitoral nos EUA ao pôr em cena um presidente corrupto

CARYN JAMES

O blog de David Mamet para promover sua comédia "November"(novembertheplay.com), em cartaz na Broadway, é uma experiência intrigante, embora um pouco desanimada. Escrita na voz do personagem principal, um presidente gago que tenta fazer chantagem e comprar sua reeleição, o blog às vezes ecoa a peça off-Broadway de Mamet de 2005 "Romance", um ataque tardio à correção política. "Novembro" é um Mamet atípico: extremamente engraçada, mas relativamente sem acidez.
Mas não vamos perder tempo indagando onde foi parar a ambição artística de Mamet. O mais intrigante é a maneira como sua abordagem cambiante da política evoluiu na última década, de uma maneira que reflete os pressupostos cada vez mais sombrios dos EUA.
Em 1997 a peça de Mamet "Mera Coincidência" ["Wag the Dog"] retirou o véu de um processo político moldado pela manipulação; hoje, "Novembro" se constrói sobre a premissa de que o público já tem a visão desobstruída.
A peça pode parecer um pouco ligada à atual campanha política, com sua retórica geral de mudança e esperança, mas as duas não são contraditórias. A campanha da vida real é um modo de abordar o ceticismo sobre a política entranhado no público; "Novembro" é outra.

Extorsão
Mamet sabe criar frases cômicas, mas as piadas são engraçadas por um motivo mais substancial: quando foi a última vez que alguém entrou em pânico devido a um alerta laranja, ou duvidou que houvesse conveniência política por trás da criação de alarmes de terrorismo codificados em cores?
"Novembro" nos dá um presidente sem ideologia, que se comporta do modo como o público suspeita que os políticos façam a portas fechadas: mendiga dinheiro de doadores, tenta extorquir o lobby dos criadores de perus. A comédia só funciona porque Mamet joga com os pressupostos do público sobre essa venalidade.
Mamet tem estado em evidência recentemente, demonstrando fortes instintos pop. Ele criou e às vezes redige o programa da CBS "The Unit", uma série de ação surpreendentemente genérica sobre um esquadrão militar em missões secretas; ele fez comerciais para a Ford. Mais tipicamente, escreveu e dirigiu o filme "Faixa Vermelha" ["Redbelt"], um drama sobre um mestre de jiu-jítsu enganado por produtores de cinema, que será lançado em abril nos EUA.
E por que não deveria ganhar algum dinheiro, sobretudo quando "Romance", sua última peça realmente artística, parecia tão desligada de seu momento? Uma comédia de tribunal com um advogado judeu, um promotor gay e vários desajustados sociais foi um lapso às vezes inteligente que se esforçava para causar indignação.

Cinismo do público
Em 2005 os EUA não estavam mais sob as garras da correção política, e os dias em que Mamet podia facilmente atirar uma granada no debate público -como fez, em 1992, com "Oleanna", sobre assédio sexual- tinham sido substituídos pela cultura do qualquer-coisa-serve da internet.
Um vestígio de nostalgia dos dias dos temas fáceis e incendiários permanece em "Novembro", quando a redatora de discursos lésbica, Bernstein, tenta fazer o presidente realizar uma cerimônia de casamento para ela e sua parceira.
Mas a trama do casamento gay parece um tema frágil perto do interesse tópico de "Oleanna".
O chefe de gabinete, que compartilha o cinismo do público, é o personagem mais vital em cena. Ele incentiva o presidente a trair Bernstein, dizendo: "Parte do peso de comandar está no fato de que você tem de vender o outro cara". Mamet nos lembra que na vida tudo tem a ver com comprar e vender. Aqui podemos vê-lo em seu momento mais brilhante e também mais comercial.
"Novembro", embora superficial, expõe as crenças e os temores do país e ajuda a explicar por que este momento político é tão marcado por gritos de esperança e mudança.


A íntegra deste texto saiu no "New York Times". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .


Texto Anterior: + Autores: Moralidade miúda
Próximo Texto: + Cultura: A fonte da discórdia
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.