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Quatro novos estudos lançados no Brasil voltam
a colocar em evidência o papel dos pensadores como críticos
e formuladores de propostas para a sociedade contemporânea
O contra-ataque DOS INTELECTUAIS
JORGE GRESPAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Diante da imensa crise contemporânea, que teima em
continuar e em se alastrar
para todas as esferas da sociabilidade, está sendo novamente
convocado para opinar e intervir um
personagem que andava meio esquecido: o intelectual. Mas agora se
exigem dele novas habilidades, compatíveis com os novos desafios e
problemas a enfrentar. Quais são,
exatamente, é justo o tema do debate
que se reaviva, passando pelo papel
atual da universidade e até pela reforma do ensino superior proposta
pelo presente governo.
Nesse contexto, chama a atenção
um conjunto de livros recentemente
publicados. Embora de caráter muito distinto, com abordagens e opiniões muitas vezes divergentes, eles
têm em comum a recusa terminante
da morte do intelectual, decretada
não faz muito tempo por alguns
apressados.
Mas quem poderia hoje ser chamado de "intelectual" e qual é o espaço de sua atuação? Para responder
a tais perguntas é preciso interrogar
o passado e depois propor um diagnóstico das transformações operadas pelo presente, o que também é
feito, em medidas diferentes, por todos os autores considerados.
O primeiro deles é Roberto Barbato Jr., que publica sua tese de doutorado defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
-"Missionários de uma Utopia Nacional-Popular". Esta pode muito
bem servir de leitura preliminar às
demais, porque examina uma situação histórica exemplar, a atuação
dos intelectuais modernistas de São
Paulo no Departamento de Cultura,
entre 1935 e 1938.
Ideal de nação
É nesse momento estratégico que
se reuniram grandes figuras da cena
cultural paulistana em torno da liderança de Mário de Andrade, buscando fugir do tradicional conceito de
cultura das elites, excludente das
manifestações populares, e realizar
assim o ideal de nação característico
do seu modernismo.
Na história narrada e analisada argutamente por Barbato comparecem praticamente todos os elementos clássicos do drama do intelectual, em especial o da tensão insolúvel entre a dimensão política da intervenção cultural e a autonomia
crítica diante dos interesses particulares e políticos que define o próprio
conceito de intelectual desde pelo
menos o final do século 19.
Com algumas variações, esse tema
permanece nas considerações que
integram o segundo livro em questão -"O Papel do Intelectual Hoje",
reunindo as contribuições dos vários participantes de um seminário
internacional realizado sobre o assunto no Rio de Janeiro, em 2003.
São ao todo 15 ensaios, em geral de
muito bom nível e dos quais seria
possível destacar o de Augusto Santos Silva e o de Vera Lúcia Follain de
Figueiredo, pela clareza com que expõem as novas condições antepostas
à atuação do intelectual.
Há no livro como um todo um viés
talvez excessivamente literário, que
reduz a reflexão principalmente à figura do escritor. Também predominam questionamentos perpassados
por evidente influência do pós-modernismo -crítica aos padrões universais e totalizadores, crítica à unidade homogeneizante dos consensos, crítica à crítica que fez época na
universidade brasileira durante as
décadas de 80 e 90, mas não dá bem
conta de fatos mais recentes.
Retórica prolixa
De qualquer modo, os problemas
principais estão lá e instigam novas
reflexões.
Outro livro, "A República das Elites", de Agassiz Almeida, tem retórica distinta, errática e prolixa. Para
além de afirmações bastante polêmicas que atravessam todo o texto,
fica um problema maior, de fundo: a
associação rígida feita por ele entre
intelectual e elite, se válida do ponto
de vista estritamente sociológico,
simplifica muito a questão, elimina
possíveis alternativas e, o que é bem
pior, leva a uma crítica excessiva que
beira ao obscurantismo.
Por outro lado, enfim, temos o livro de Joel Rufino dos Santos, "Épuras do Social". O título é estranho,
mas o significado de "épura" é definido logo nas primeiras páginas, ganhando sentido ao longo do texto.
Trata-se, em primeiro lugar, de um
recurso metodológico inspirado na
geometria, que rebate em um único
plano uma figura tridimensional: no
caso do social, busca-se um "plano
anterior" ao das manifestações econômicas e políticas, o de um "campo
ampliado" da cultura.
Mas, em segundo lugar, é preciso
advertir que, para o autor, esse recurso é legítimo por corresponder à
realidade social contemporânea, onde as relações mercantis e administrativas teriam adquirido a forma do
espetáculo. Marcuse e Debord estão,
de fato, entre os autores mais presentes na discussão de Joel Rufino.
De modo maduro e sincero, ele
procura assim responder à questão
enunciada no subtítulo do livro
-"como podem os intelectuais trabalhar para os pobres?". A tarefa implica definir, antes de tudo, os termos dessa questão, e aqui se abre
amplo espaço para discussões.
A dificuldade em reencontrar a
função do intelectual seria, para Joel
Rufino, praticamente insolúvel se se
continuar a pensar no marco do
conceito estrito de "intelectual orgânico", que deve refletir sobre a situação de uma sociedade de classes e
propor olimpicamente saídas para
suas contradições. A alternativa só
aparece com o abandono desse horizonte, redefinindo o sujeito e o objeto da reflexão intelectual.
Estamento
Em vez de classe social, o autor recorre à categoria de ordem ou estamento para, com ela, determinar o
novo objeto, que não seria o proletariado, mas o "pobre".
São bem discutíveis as considerações que tece em torno desses conceitos, associando a "classe" ao período histórico do "capitalismo de livre concorrência", anacrônica então
para entender o período mais recente. De qualquer forma, ele consegue
assim superar uma certa dicotomia
sujeito-objeto, presente nas teorias
tradicionais do intelectual como sujeito autônomo, que pensa de fora a
situação dos grupos sociais "desclassificados" e como que os conduz a
alternativas transformadoras.
É a própria ordem social que se
pensa e elabora uma "cultura", reflexo da sua situação e dos padrões de
conduta possíveis.
Daí decorre uma redefinição do
intelectual e até uma tipologia conforme seus modos de atuação. Os intelectuais "propriamente ditos", definidos pelos critérios tradicionais
como "orgânicos", devem "trabalhar", envolver-se, fundir-se com os
intelectuais dos próprios pobres, resultando num terceiro tipo, que apenas surge no horizonte atual. É só
um tanto decepcionante que isso deva ocorrer, segundo Joel Rufino, pela ação do Estado e seus organismos
de cultura, por mais que ele insista
em querer "ampliar" também o conceito destes últimos.
Definição imprecisa
Além disso, falta neste como nos
demais livros comentados uma definição mais precisa do que seria a
função "crítica" do intelectual. A todo momento ela é reivindicada, e é
por ela, afinal, que se justifica o próprio retorno desse personagem.
Em algumas passagens de "Épuras
do Social" bem como de ensaios de
"O Papel do Intelectual Hoje" percebe-se a tentativa de uma tal definição
de crítica. Mas nenhum destes textos
chega a apresentá-la com o rigor
conceitual necessário para que daí se
possa chegar a novos desdobramentos. Podemos tomar quase todos estes escritos, portanto, como um bom
ponto de partida.
Mas há ainda um bom caminho
pela frente na discussão de um tema
que, sem dúvida, está de volta com
toda a força e urgência.
Jorge Grespan é professor de história na
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autor de "Revolução Francesa e Iluminismo" (ed. Contexto).
Missionários de uma
Utopia Nacional-Popular
218 págs., R$ 30,00
de Roberto Barbato Jr. Ed. Annablume (r.
padre Carvalho, 275, CEP 05427-100, São
Paulo, SP, tel. 0/ xx/11/ 212-6764).
O Papel do Intelectual Hoje
244 págs., R$ 35,00
Izabel Margato e Renato Cordeiro Gomes
(orgs.). Ed. UFMG (av. Antônio Carlos, 6.627,
campus Pampulha, CEP 31270-901, Belo
Horizonte, MG, tel.0/xx/ 31/ 3499-4650)
A República das Elites
546 págs., R$ 50,00
de Agassiz Almeida. Ed. Bertrand Brasil (r.
Argentina, 171, 1º andar, São Cristóvão, CEP
20921-380, RJ, tel. 0/xx/21/ 2585-2070).
Épuras do Social
256 págs., R$ 35,00
de Joel Rufino dos Santos. Ed. Global (r.Pirapitingüi, 111, CEP 01508-020, São Paulo, SP,
tel. 0/xx/ 11/3277-7999).
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