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ponto de fuga
A feira das ilusões
Sem o mercado, as artes plásticas não existiriam hoje; o mercado é a sua biosfera artística; bom ou ruim, é o único modo, em nossa sociedade, dentro do qual um criador se torna profissional
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O
mercado das artes é
bom ou é ruim? Há
uma resposta ética possível. Data do século 19, quando
a galeria substitui o comprador
direto ou o mecenas.
Em pleno romantismo, a
ideia do gênio incompreendido
paira com nobreza. O sucesso
comercial é percebido com
desconfiança. Acredita-se então que a arte esteja acima do
gosto comum, ao qual toda
concessão por parte do artista
se torna um crime.
As vanguardas sublinharam
essa convicção, que a história
também reforçou. A arte de
desprezados terminou por
triunfar, numa lição tanto moral quanto estética.
A pureza da criação artística,
que não se suja com baixas razões materiais, torna-se a quintessência de uma santificação
pautada pelo rigor: entre os
seus vários e tremendos anátemas, André Breton excomunga
Artaud por ter aceito uma encomenda paga.
Nobre posição heroica exigida dos criadores, ela articula-se, porém, graças a mecanismos invisíveis, à vil máquina do
mercado, cujo combustível é a
flutuação do gosto.
O sucesso das vanguardas fez
certos autores passarem, em
algumas décadas, do zero às dezenas de milhões em moeda
forte: o caso de Van Gogh é
exemplar. Elas, as vanguardas,
"esquentaram", como se diz
nas Bolsas de Valores, o mercado das artes graças a lucros vertiginosos.
Está claro, esse mesmo mercado tenta recriar, artificialmente, situações semelhantes
que o levem a ganhar muito dinheiro. A obra mostra-se parecida com uma ação na Bolsa de
Valores: apenas ela é concreta,
bonita, pode dar prazer. Ou, às
vezes, nem isso: alguns colecionadores possuem "carteiras"
de arte guardadas em bancos.
"Blue chips"
Os termos da mesma pergunta podem ser tomados de um
ângulo prático: o mercado das
artes seria benéfico ou prejudicial para a criação do artista?
A resposta vai mais longe:
sem o mercado, as artes plásticas não existiriam hoje. O mercado é a sua biosfera artística.
Bom ou ruim, é o único modo,
em nossa sociedade, dentro do
qual um criador se torna profissional.
Estímulos oficiais são importantes. Dão oportunidades a
quem começa; organizam mostras originais e arriscadas, bancam a formação de jovens, ou
deveriam fazê-lo. Não que o Estado substitua o mercado nem
tem ele instrumentos para tanto. É, ou deveria ser, um regulador cultural no sentido de compensar as falhas daquilo que é
um comércio.
Caso contrário, as obras de
arte milionárias e chiques passam a depender apenas de milionários que querem ser chiques, como acontece no Brasil.
Entre nós, a diminuta participação dos poderes públicos e
a grande festa das leis de incentivo fazem com que os ricaços
se assenhoreiem tanto do mercado quanto das instituições.
Aplicações
A Feira de Arte do Ibirapuera, em São Paulo [SP Arte, que
ocorreu de 14 a 17/5], tem uma
atmosfera elegante e cordial de
gente fina. Há muitos artistas
brasileiros do século 20. São Ismael Neris, Pancettis, Guignards, Di Cavalcantis. Tantos,
que por vezes a pulga fica atrás
da orelha. Há belas obras também, e recentes, e internacionais. Os preços são estratosféricos.
Valores
Um dos aspectos mais simpáticos na SP Arte são os estandes, embora em número reduzido, voltados para criadores
em começo de carreira. Galerias discretas, com preços modestos, às vezes ínfimos, propõem ótimas descobertas,
apostando em desconhecidos.
O colecionador de recursos
parcos leva para casa, sem esnobismo nem especulação,
uma obra que lhe trará prazer
genuíno, com a qual ele passará
a compartilhar sua existência.
jorgecoli@uol.com.br
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