São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009

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ponto de fuga

A feira das ilusões


Sem o mercado, as artes plásticas não existiriam hoje; o mercado é a sua biosfera artística; bom ou ruim, é o único modo, em nossa sociedade, dentro do qual um criador se torna profissional


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

O mercado das artes é bom ou é ruim? Há uma resposta ética possível. Data do século 19, quando a galeria substitui o comprador direto ou o mecenas.
Em pleno romantismo, a ideia do gênio incompreendido paira com nobreza. O sucesso comercial é percebido com desconfiança. Acredita-se então que a arte esteja acima do gosto comum, ao qual toda concessão por parte do artista se torna um crime.
As vanguardas sublinharam essa convicção, que a história também reforçou. A arte de desprezados terminou por triunfar, numa lição tanto moral quanto estética.
A pureza da criação artística, que não se suja com baixas razões materiais, torna-se a quintessência de uma santificação pautada pelo rigor: entre os seus vários e tremendos anátemas, André Breton excomunga Artaud por ter aceito uma encomenda paga. Nobre posição heroica exigida dos criadores, ela articula-se, porém, graças a mecanismos invisíveis, à vil máquina do mercado, cujo combustível é a flutuação do gosto.
O sucesso das vanguardas fez certos autores passarem, em algumas décadas, do zero às dezenas de milhões em moeda forte: o caso de Van Gogh é exemplar. Elas, as vanguardas, "esquentaram", como se diz nas Bolsas de Valores, o mercado das artes graças a lucros vertiginosos.
Está claro, esse mesmo mercado tenta recriar, artificialmente, situações semelhantes que o levem a ganhar muito dinheiro. A obra mostra-se parecida com uma ação na Bolsa de Valores: apenas ela é concreta, bonita, pode dar prazer. Ou, às vezes, nem isso: alguns colecionadores possuem "carteiras" de arte guardadas em bancos.

"Blue chips"
Os termos da mesma pergunta podem ser tomados de um ângulo prático: o mercado das artes seria benéfico ou prejudicial para a criação do artista? A resposta vai mais longe: sem o mercado, as artes plásticas não existiriam hoje. O mercado é a sua biosfera artística. Bom ou ruim, é o único modo, em nossa sociedade, dentro do qual um criador se torna profissional.
Estímulos oficiais são importantes. Dão oportunidades a quem começa; organizam mostras originais e arriscadas, bancam a formação de jovens, ou deveriam fazê-lo. Não que o Estado substitua o mercado nem tem ele instrumentos para tanto. É, ou deveria ser, um regulador cultural no sentido de compensar as falhas daquilo que é um comércio.
Caso contrário, as obras de arte milionárias e chiques passam a depender apenas de milionários que querem ser chiques, como acontece no Brasil.
Entre nós, a diminuta participação dos poderes públicos e a grande festa das leis de incentivo fazem com que os ricaços se assenhoreiem tanto do mercado quanto das instituições.

Aplicações
A Feira de Arte do Ibirapuera, em São Paulo [SP Arte, que ocorreu de 14 a 17/5], tem uma atmosfera elegante e cordial de gente fina. Há muitos artistas brasileiros do século 20. São Ismael Neris, Pancettis, Guignards, Di Cavalcantis. Tantos, que por vezes a pulga fica atrás da orelha. Há belas obras também, e recentes, e internacionais. Os preços são estratosféricos.

Valores
Um dos aspectos mais simpáticos na SP Arte são os estandes, embora em número reduzido, voltados para criadores em começo de carreira. Galerias discretas, com preços modestos, às vezes ínfimos, propõem ótimas descobertas, apostando em desconhecidos.
O colecionador de recursos parcos leva para casa, sem esnobismo nem especulação, uma obra que lhe trará prazer genuíno, com a qual ele passará a compartilhar sua existência.


jorgecoli@uol.com.br


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