São Paulo, domingo, 24 de maio de 1998

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LIVROS-FRANÇA
O corpo da poesia


O poeta Claude Royet-Journoud defende uma nova linguagem como ação política


RÉGIS BONVICINO
especial para a Folha

O trabalho do poeta, tradutor e artista plástico Claude Royet-Journoud é referência obrigatória não só para a poesia contemporânea francesa, mas para um expressivo universo de poetas anglo-americanos. Um dos sinais nítidos de sua irradiação está no fato de que muito de seus poemas -depois por ele incluídos em edições francesas- aparecem primeiro publicados em tradução para o inglês, principalmente pelo norte-americano Keith Waldrop. Royet-Journoud também tem peças vertidas para o espanhol, o grego e o dinamarquês -e recentemente para o português, pela equipe da Fundação da Casa em Mateus (Lisboa), em 1990; e, no Brasil, por Mário Laranjeira.
Claude nasceu em Lyon em 1941, mas vive em Paris. Dialoga, ainda hoje, com os poetas que participaram do movimento L=a=n=g= u=a=g=e Poetry (década de 80, nos EUA) e foi um dos primeiros franceses a tomar como referência seminal o trabalho dos objetivistas americanos da primeira metade do século, como George Oppen, Louis Zukofsky, Lorine Neidecker e William Carlos Williams.
Uma de suas leitoras mais atentas, a poeta americana Cole Swensen, sintetizando questões de seu recém-lançado volume "Les Natures Indivisibles" (As Naturezas Indivisíveis), afirma: "Royet-Journoud continua a investigar o papel do corpo no mundo e o papel da linguagem em relação a eles", para definir sua poesia como "um triângulo" entre corpo, mundo e linguagem -triângulo de uma subjacente geometria que, constantemente, se dissolve a si mesma.
Royet-Journoud não escreve em versos ou em não-versos, suas linhas não começam nem findam num sentido gramatical -num tom absolutamente particular, dissonante- a forçar o pensamento. Escrever, para ele, é o ato que cria a subjetividade e que a precipita para o mundo, para se transformar, paradoxalmente, no ponto finito de uma geografia (ver "refletir, claro: a mão dele sobre o papel...").
De Paris, por fax, Claude deu a seguinte entrevista exclusiva para a Folha, em que, entre outros temas, fala da necessidade de uma nova leitura de Stéphane Mallarmé (1842-1898), da necessidade de uma nova poesia como ação política e de seu novo livro.

Folha - O que é poesia para o sr.?
Claude Royet-Journoud -
Não sei o que é poesia -mas sei o que não é poesia, para mim, ao menos. Hoje a poesia tem, necessariamente, que lidar com limites, fronteiras. Tudo aquilo que é incluído no chamado "desejo" tem que ser preciso, exato -mas ao mesmo tempo tem que superar a idéia de precisão e de exatidão. A poesia deve criar um novo corpo a cada olhar. Tem de ser movimento da mente. Alguma coisa que você não possa fixar, apreender por inteiro. Tem que, neste exato sentido, resistir. A poesia está e não está na página: está em algum lugar entre os dois olhos...
Folha - A poesia está, para o sr., ligada à idéia de "algo novo"?
Royet-Journoud -
Talvez seja, no fundo, uma questão de trabalho ou ainda uma questão relativa ao conceito de compartilhar, de descobrir uma comunidade de sentidos e sentimentos e, sobretudo, uma comunidade de busca. É o ler/compartilhar um certo grupo de autores com outros escritores, por exemplo -é a criação de novas formas e conteúdos, qualquer que seja a língua em que escrevam.
A poesia está, para mim, ligada à idéia de novos modos de respiração, de novas aspirações. Novos caminhos para encontrar formas -uma ação política, o que se torna óbvio quando você lê Louis Zukofsky e George Oppen (ele deixou de escrever por 30 anos para se dedicar à luta pelos direitos humanos). A poesia é pertinente se propõe uma linguagem que não existia antes. Uma nova gramática.
Folha - A palavra "método" é recorrente em todo o seu trabalho. O que é, afinal, "método" para o sr.?
Royet-Journoud -
Tomo a palavra "método" de seu sentido literal grego e não do latino. Do grego: "méthodos" -"meta" e "hodos", "via", "caminho", no sentido de investigação. Do latim: "Ordem que se segue na investigação da verdade". Quer dizer, adoto a idéia do caminho incerto. Caminho como incerteza. Pessoalmente, chego a meus poemas por vias muito difíceis. Um poema me toma longo tempo e muito trabalho. Escrevo, primeiro em prosa, peças sem qualquer valor literário. Tudo à mão. Quando meu caderno se completa, passo à máquina, extraindo os poemas. Como numa novela policial...
Folha - O sr. poderia falar um pouco do Royet-Journoud artista plástico?
Royet-Journoud -
Não sei se o Claude artista plástico de fato existe. Se existe, é o oposto do poeta. Gosto de "preencher" espaços. Dê-me um pedaço de papel ou o que quer que seja e, de repente, vejo cores e formas. Um impulso gestual me toma e, assim, não posso parar. Posso preencher um imenso muro ou qualquer coisa... Posso montar uma exposição em três dias e, depois, esquecê-la completamente. Desenhar ou pintar estão ligados, para mim, à sexualidade infantil. E posso me valer de quaisquer suportes: fotos, fotocópias, telas, papéis, para lhes "dar um espaço".
Veja: quando eu era jovem, não "sabia" meu nome... Levou anos para que o diretor da escola perguntasse à minha mãe qual era meu "verdadeiro" nome. Sempre me lembro disso quando penso nos títulos de meus livros ou quando trabalho com artes plásticas. Feminino, masculino. Círculo, quadrado. Tanto para a poesia quanto para as artes plásticas, gostaria de citar Ray Monk para dizer o que talvez pense: "Mas o momento decisivo veio quando Ludwig Wittgenstein começou a investigar literalmente no "Tractatus' a idéia de que o filósofo não tem nada a dizer, mas somente a mostrar".
Folha - O sr. poderia falar um pouco sobre poetas franceses?
Royet-Journoud -
Nos anos 60, quando morei em Londres, editei uma revista chamada "Siècle à Mains", título retirado de um trecho de Rimbaud. O diálogo entre poetas de língua francesa e de língua inglesa sempre existiu, qualquer que seja o período que você estude. Aprecio, entre os contemporâneos franceses, o trabalho de Anne-Marie Albiach. E, claro, Pierre Jean Jouve (1887-1976) e Edmond Jabés -este, um querido amigo, já morto. No momento, releio Pierre Reverdy (1889-1960). Aristóteles, Lucrécio, Santo Agostinho e Ludwig Wittgenstein são estímulos permanentes para mim.
Entre Arthur Rimbaud, Charles Baudelaire e Stéphane Mallarmé, os quais admiro, tenho preferência por Mallarmé, dizendo que, até o momento, ele ainda não foi lido como, a meu ver, deveria ter sido lido. Ele sabia o quão totalmente física e mental era a poesia. Linguagem e pensamento nele são inseparáveis. Ele -como muitos ainda não percebem- tem um senso de realidade, de humor, de humanidade incomuns. Uma consciência de como um "corpo e mente" podem surgir de uma sílaba. Nada nele é trivial. Cada detalhe significa, como uma espécie de "teatro da gramática". Penso em Mallarmé, em sua urgência de linguagem, tomando notas enquanto via seu jovem filho morrendo.


Régis Bonvicino é poeta, autor de "Ossos de Borboleta" (Ed. 34), "A Um - Poemas de Robert Creeley" (Ateliê Editorial) e co-editor de "Nothing the Sun Could Not Explain - 20 Poetas Brasileiros Contemporâneos" (Sun & Moon Press, Los Angeles).

A OBRA

Les Natures Indivisibles - Claude Royet-Journoud. Ed. Gallimard. 104 págs. 96 francos.
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