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Edição em livro de "O Cabrião" resgata as tensões da São Paulo pré-industrial
Retrato de uma Província emergente
Gilberto Maringoni
especial para a Folha
Um pequeno jornal de curtíssima duração -de setembro de
1866 a setembro de 1867- tornou-se a mais importante publicação ilustrada de São Paulo no período imperial. É também um precioso retrato das tensões que marcaram uma cidade provinciana e monótona, de 20 mil
habitantes, prestes a entrar num vertiginoso ciclo de expansão. O jornalzinho
semanal de oito páginas chamava-se "O
Cabrião", título inspirado num personagem do folhetim "Os Subterrâneos de
Paris", de Eugène Sue, muito popular na
época.
Era editado pelo caricaturista italiano
Angelo Agostini e pelos jornalistas Américo de Campos -um dos fundadores
de "A Província de S. Paulo", atual "O Estado de S. Paulo"- e Antônio Manoel
dos Reis.
A editora Unesp e a Imprensa Oficial
do Estado acabam de relançar a edição
fac-similar dos 51 números do "Cabrião", organizada por Délio Freire dos
Santos, esgotada há 20 anos. Por meio de
suas páginas, pode-se verificar que não
era apenas a cidade que estava prestes a
se transformar. Os desenhos do jovem
Agostini (1843-1910), estrela da publicação, já eram o prenúncio de sua melhor
fase, vivida no calor das campanhas abolicionista e republicana,
20 anos depois. E assinalavam também o início do
que viria a ser a multiplicação dos jornais ilustrados nas últimas décadas
do século 19.
"O Cabrião" logo de saída mostra a que veio. Ligado aos liberais,
suas páginas desancam o clero, a imprensa conservadora -em especial o
"Diário de S. Paulo"- e os símbolos
mais caros da oligarquia emergente. Na
sexta edição, uma charge intitulada "O
Cemitério da Consolação no Dia de Finados" rende-lhe um processo criminal
cuja repercussão ultrapassou os marcos
da Província.
No desenho, senhores de fraque e cartola, com garrafas e copos nas mãos,
confraternizam-se com esqueletos e cadáveres no meio dos túmulos. "Um atentado contra a moral e a religião", classificou Candido Silva, diretor do "Diário", no processo, o primeiro movido no Brasil
por conta de uma caricatura. Após um intenso debate na imprensa e entre a
população, "a polícia declarou inocente a
estampa responsabilizada e livre de culpa e pena o responsável", noticiou a edição de 16 de dezembro.
Na verdade, a absolvição era um prenúncio de novos tempos. São Paulo começava a viver sob o signo do afluxo de
capitais gerados pela expansão cafeeira.
O editorial da edição de 24 de fevereiro
de 1867 assinalava que "o velho, silencioso e taciturno São Paulo de outro tempo
rejuvenesce ao calor das fogueiras do
progresso.(...) Em cada arrabalde, largo,
rua, travessa, esquina ou beco encontram-se traços indeléveis da civilização".
A monotonia estava deixando de ser
quebrada apenas pela atividade dos estudantes de direito do largo São Francisco.
Versatilidade
"O Cabrião" foi o segundo jornal editado por Angelo Agostini, após sua chegada ao Brasil, em 1859.
Antes, ele participara do também paulistano "O Diabo Coxo" (1864-1865). Em
ambos, sua versatilidade já se fazia notar.
Sequências de acidentes de trem, catástrofes e cenas cotidianas eram retratadas
numa linguagem que décadas depois seria chamada de histórias em quadrinhos.
A Guerra do Paraguai (1865-1870) mereceu incontáveis charges e caricaturas, em
cuja maioria Caxias era exaltado como
herói da pátria.
Apesar de se livrar do processo judicial,
"O Cabrião" não cessou de receber pressões dos estudantes de direito, do clero e
da elite paulistana. Sufocado por problemas econômicos, o editorial de seu último número avisa: "Chegando ao fim de
seu primeiro ano, tendo a liquidar contas
retardadas de seus assinantes, a empresa
julga oportuno interromper a publicação do jornal por algumas semanas. (...)
Em breve prazo estará no seu posto".
A promessa não se cumpriu. Um mês
depois, Agostini estava nas páginas do
"Arlequim", no Rio de Janeiro, dando
sequência a uma carreira que só terminaria com sua morte, 42 anos depois.
Gilberto Maringoni é jornalista, cartunista e co-autor de "A Imagem e o Gesto - Fotobiografia de
Carlos Marighella" (ed. Fundação Perseu Abramo).
Cabrião
408 págs., R$ 65,00
Délio Freire dos Santos (org.).
Imprensa Oficial/Editora Unesp
(pça. da Sé, 108, CEP 01001-900, SP, tel. 0/xx/11/ 232-7171).
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