São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007 |
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+ Cinema Xadrez trágico
Dezesseis anos após "A Bela Intrigante", Jacques Rivette volta a filmar um romance de Balzac em "Não Toque no Machado" PERGUNTA - Em que essa adaptação difere das que o sr. fez antes? JACQUES RIVETTE - Antes, eu jogava com os pretextos que os escritores me davam, enquanto, agora, o jogo consistiu em ficar o mais próximo possível da história e também da escrita balzaquianas. Em "A Duquesa de Langeais", Balzac acerta suas contas com a marquesa de Castries e com seus salões, que, segundo ele, apostavam naquilo que chamaríamos hoje de extrema direita. O jogo entre a duquesa e o general também extrai sentido das posições diferentes que eles ocupam diante dos acontecimentos da época. PERGUNTA - É por isso que as relações entre a duquesa e o general parecem tão estranhas? RIVETTE - A estranheza já está em Balzac, o texto parece quase deslocado em relação à época, mas ela é acentuada pelo tempo que passou. Os dois personagens discutem de maneira muito alusiva, e isso produz uma coisa enigmática: o objeto exato da disputa nunca é citado. O centro do filme é constituído por uma partida de xadrez cujas regras são desconhecidas para nós, assim como para os dois adversários... O que não os impede de trapacear. É como um duelo em que tudo é permitido. Eles estão metidos no jogo até o pescoço, e o jogo lhes interessa infinitamente mais que uma história banal de cama. Quando ela se ajoelha na frente dele e baixa todas as suas defesas, o jogo deixa de interessar, acredita ele. Eles jogam mascarados, mas cada um usa uma máscara que também o dissimula a seus próprios olhos. PERGUNTA - Que partido o senhor tomou para a reconstituição histórica e também da linguagem? RIVETTE - A reconstituição me deu um pouco de medo, mas busquei a fidelidade e a simplicidade. Só trapaceamos nos figurinos, pois são os que se usavam 15 anos antes. A adaptação consistiu principalmente em condensar o texto, e afinal há muito poucas frases que não vêm de Balzac. Imaginamos uma cena, a do escritório, que permite mostrar os personagens sob uma luz diferente. Por outro lado, a cena do pequeno tribunal popular ao redor da carroça é tirada do romance, incluindo o comentário que nos parece tão moderno: "É um golpe de Estado feminino!". Balzac também se divertia ao escrever, e somos capazes de imaginá-lo rindo sozinho, em seu roupão, às 3h da manhã. PERGUNTA - A última parte do livro é muito cinematográfica, como a construção em flash-back... RIVETTE - A irrupção no convento é uma verdadeira "operação comando", com aquela catapulta insana, que realmente antecipa Júlio Verne /. Apesar das sugestões de Eric Rohmer, que me disse que para fazer cinema era preciso conhecer Dostoiévski e Balzac, demorei muito para ler Balzac. Por outro lado, o livro de Alain, "Com Balzac", me encantou. E Alain afirma que Balzac é o escritor que introduziu o flash-back na literatura. É um escritor de suspense; assim, na "Duquesa", ele retarda o relato demorando-se na descrição da paróquia de são Tomás de Aquino. Um filme é uma coisa frágil, os corpos, as vozes, as respirações dos atores são fixados pela película. A direção é a arte do suspense, de todas as maneiras possíveis, tanto em Hitchcock, é claro, como também em Rossellini. O primeiro que tratou do suspense foi Pierre Corneille /, que está na base de tudo. O trabalho é sempre de agenciamento e de escrita. A única diferença é o objeto do culto, essa máquina maciça que é a câmera, em torno da qual cria-se uma estranha agitação. Nós, cineastas, somos como grandes sacerdotes ao redor desse objeto, mas fora isso não há realmente diferença entre o teatro e o cinema: um grande ator é alguém que sabe se postar diante de uma câmera. O elemento monumental em Balzac é o machado. Daí o título, que é o que ele havia escolhido para a primeira versão da obra. Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves. Texto Anterior: Discoteca Básica: Momento de Amor Próximo Texto: Diretor é o lado experimental da nouvelle vague Índice |
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