São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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Unidos para todo o sempre

Para a psicóloga Cornelia Brentano, idade, dinheiro e educação explicam por que os EUA têm hoje a taxa mais baixa de separação desde 1970

William Thomas Cain/Newsmakers
Na Filadélfia (EUA), 650 casais se casam comemorando o fim do século 20


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Nos últimos dias, nos EUA, uma notícia surpreendeu os conservadores e deixou os liberais indignados. Veio de levantamento feito pelo Censo, em parceria com o equivalente local ao Ministério da Saúde norte-americano: o número anual de divórcios mais recente é o mais baixo desde a década de 1970.
A revelação trouxe outras duas no bojo (leia texto na página seguinte): caiu o número de casados e aumentou o número de mulheres solteiras com filhos.
Não, o divórcio não foi inventado aqui (existe desde a Mesopotâmia, acreditam alguns, certamente desde a Grécia Antiga), mas esse é um dos países que mais usou a "patente".
Só entre os quatro candidatos do Partido Republicano à Presidência mais bem posicionados nas pesquisas, há nove casamentos, com Rudolph Giuliani liderando, com três -e, entre os democratas, Hillary Clinton é uma das poucas que se mantém casada com o namorado da faculdade, o que não é exatamente uma referência.
Há também quase tantos especialistas no assunto quantos advogados especializados em desunir casais. Alguns desses experts são respeitados tanto por seus pares na academia quanto pelos leitores de seus livros.
É o caso da ítalo-americana Cornelia Brentano, do departamento de psicologia da Universidade Chapman (Califórnia), co-autora de "Divorce - Causes and Consequences" (Divórcio - Causas e Conseqüências, Yale University Press), cuja edição em capa mole sai em novembro.
A Folha a procurou para que comentasse os resultados do Censo e do ministério.
O que disse, em resumo: pode estar havendo menos divórcios hoje porque as pessoas se casam menos, e as que se casam o fazem mais tarde, com mais idade, educação e dinheiro.
A união desses é ainda resultado de escolha consciente, então os casais casados atuais estariam mais dispostos a fazer com que o compromisso dê certo.
Provocadora, Brentano disse ainda que, se os norte-americanos dedicassem à escolha dos parceiros o mesmo tempo e pesquisa que gastam na escolha dos carros, o índice de divórcios seria ainda mais baixo.

 

FOLHA - Dois livros e vários estudos depois, como a sra. responde à pergunta "Por que as pessoas se divorciam"?
CORNELIA BRENTANO -
Se você interpretar os números, um dos principais motivos apontados pelas pessoas que se divorciam é a idade com a qual se casaram.
Quanto mais novo você se casa, pelo menos nos EUA, mais probabilidade há em terminar divorciado. Creio que é porque você sabe menos da vida, menos sobre o que é importante para você, quais são seus valores, como você será em dez anos.
As pessoas mudam e, muitas vezes, em direções diferentes.
Outro motivo é a origem. Não estou julgando, mas falando aqui de tendências de grandes grupos. Quem se casa com pessoas da mesma origem social, religiosa, étnica e de educação tem índice maior de sucesso.
Geralmente, quanto maiores as diferenças, menores as chances de os casamentos durarem.
Outro grande fator: valores diferentes. A frase popular de que opostos se atraem pode ser verdade no início, mas as diferenças que a princípio pareciam interessantes se tornam ameaçadoras quando você tem de viver com elas o tempo todo.
Outro ainda é econômico. Quanto menos dinheiro tem o casal, maior o índice de estresse, de brigas, portanto de instabilidade. É o fim de outro mito, "nós não precisamos de nada, só de um ao outro". Isso é apenas um ditado popular. Ser pobre é geralmente estressante e não é bom para o casamento.
Por fim, as escolhas. Muitas pessoas parecem se deixar levar ao casamento sem pensar muito. Pensam mais antes de comprar um carro ou eletrodoméstico do que antes de casar. Parece que "escorregam" para o casamento.
Se as pessoas tomassem decisões mais conscientes antes de casar, prezariam mais o casamento e encarariam o divórcio como a última opção. É o que vi em anos de pesquisa.

FOLHA - Quais os motivos principais para o declínio no número de divórcios nos EUA?
BRENTANO -
As pessoas não se casam tanto quanto nos anos 80, o casamento é menos popular do que costumava ser.
Se menos pessoas se casam, menos se separam.
Outro fator é que os casados estão mais satisfeitos do que há 40, 50 anos, e os que não estão se mostram mais dispostos a fazer com que o casamento funcione.

FOLHA - E qual é a conseqüência?
BRENTANO -
Se essa tendência continuar, como parece que vai, vamos ver um declínio ainda maior nas taxas de divórcio nos próximos anos. As pessoas estão se casando mais velhas, portanto provavelmente mais educadas, portanto provavelmente mais conscientes.
Além disso, muitos dos chamados "filhos do divórcio" cresceram, estão se casando eles próprios e querem ter um compromisso maior com o seu casamento do que julgam que seus pais tiveram, não querem que seus filhos tenham a mesma experiência que eles.
Ou seja, não é só um fato, mas uma combinação de fatos.

FOLHA - Ao mesmo tempo, de acordo com o mesmo estudo, o número de filhos de mães solteiras está atingindo números recordes. Há alguma relação entre essas duas tendências?
BRENTANO -
É difícil dizer. Mas pode ser porque há mais pessoas do que nunca coabitando, em vez de se casando.
Nos EUA, de dez crianças que nascerem hoje, quatro serão filhas de pais não-casados. Há lugares em que essa proporção é de oito para dez.
Há também a questão social. Uma mulher solteira ter filhos hoje é muito mais aceito socialmente do que antes, não só nos EUA mas também no Brasil.
Outro motivo é que o casamento não é mais visto como algo que deve ser feito, não é mais encarado como um dos fatos da vida, como nascer, crescer, morrer.
Há ainda muita gente que valoriza o casamento, como falamos, mas é muito mais uma opção de vida, digamos, do que uma obrigação social.
Nos EUA, ter filhos fora do casamento era altamente estigmatizante, mas não é mais, pelo menos de modo geral. A religião também não é mais tão importante como já foi, então as restrições são menos importantes.
As mulheres sentem menos necessidade de ser casadas com o pai de seus filhos apenas para que ele provenha uma renda, por exemplo. Antigamente, isso não seria uma opção, pois as mulheres eram dependentes economicamente dos homens.


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