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Ponto de fuga
Gênios em família
Bellini se aproximou de Mantegna e assimilou muito de sua arte, com uma inflexão em direção à harmonia; mas a beleza como harmonia é algo estranho à obra de Mantegna
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Dois gênios imensos, um
cunhado do outro. Pintores definitivos para as
artes de todos os tempos: Andrea Mantegna (1431-1506) e
Giovanni Bellini (1430-1516). A
eles foram consagradas duas
exposições que se completam:
"Mantegna", em Paris, no Louvre; "Giovanni Bellini" em Roma, no Quirinal [encerradas].
A de Mantegna tece uma rede com a arte do tempo. Mostra
seus inícios em Pádua, no ateliê
de Squarcione, pintor medíocre, mas apaixonado pela Antiguidade, até sua presença na
formação de Correggio, o que
surpreende, já que esse artista
se tornaria uma espécie de anti-Mantegna por excelência.
As ramificações complexas
nem sempre são fáceis de seguir, mas o esforço é compensador. São muitas as obras, de
vários artistas, escolhidas com
erudição, destinadas a um percurso que expõe e renova nossa
percepção.
A de Roma está no seu oposto. As únicas pinturas ali presentes são do próprio Bellini.
Elas bastam para uma embriaguez de beleza.
A palavra beleza traz, nesta
comparação, um problema curioso. Bellini se aproximou de
Mantegna e assimilou muito de
sua arte, a eloquência escultural de suas figuras, a expressividade implacável dos contornos
que definem e recortam.
Mas sempre houve nele um
prazer com cores vivas, uma inflexão, mesmo se por vezes
contida, em direção à harmonia. Iria renovar-se inteiramente na maturidade avançada, em contato com a jovem
pintura veneziana, sobretudo
Giorgione. Uma suavidade atmosférica então interage com
matizes e brilhos, por meio de
sutilíssimas transições, levando muito longe as faculdades
oferecidas pela pintura a óleo.
A palavra beleza, no seu sentido mais elevado e comovente, é
a que lhe cabe.
Rocha
Ao contrário, o princípio da
beleza, como harmonia sem dificuldade ou dureza, é estranho
à obra de Mantegna. Sem dúvida, beleza não era para ele nem
preocupação nem objetivo.
Plantou o homem num meio
árido. Sua natureza é essencialmente mineral. A vegetação,
quando surge, se configura como exceção ou apêndice. Tudo
parece feito de sílex, de quartzo, de granito. Renovou a perspectiva como se para melhor
sustentar um mundo pétreo.
Os céus são cristalinos, no
sentido mais preciso: saturam-se com azuis de pedra preciosa.
Seixo
Mantegna consagra ao mais
ínfimo cascalho atenção de pintor e de geólogo. Esculpe os calhaus com rigor, dispondo-os
sob a mesma luz implacável, resistentes, orgulhosos de suas
facetas talhadas como diamantes. Formam a menor unidade
da "arché" que o artista maníaco encontrou para fabricar seu
mundo, todo seu mundo.
As maiores unidades são certos monstros tectônicos que
emergem de desertos rochosos.
Mantegna multiplica camadas
geológicas, expondo-as por
uma descrição plástica.
Suas pedras são rudes, ásperas, não como o metal polido,
não como o aço ou o bronze.
Partem em lascas. Não brilham: intensificam-se com a
luz, absorvendo-a.
A aridez natural dos rochedos surge carregada de dores
em suas saliências e depressões, como rugas minerais de
rostos que sofrem, como caretas de aflição. Essa observação
permite perceber quanto é poderosa essa "arché" mineralógica. Porque, no mundo de
Mantegna, os próprios corpos
são constituídos, eles também,
por uma dura geologia, que se
pode ler nas rugas, nos esgares
de dor, nas feridas,
Jóia
Na mostra do Louvre, entre
as obras que Mantegna pintou
na juventude, emerge, em meio
às outras, prodigiosa, o "São Jerônimo" do Masp.
jorgecoli@uol.com.br
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