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+(S)ociedade
Freud na berlinda
Livro do francês Michel Onfray
contra o pai da psicanálise gera polêmica
antes mesmo de chegar às livrarias
LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Inventor do inconsciente,
que via como "o pressuposto fundamental da
psicanálise", Freud é,
mais uma vez, o alvo de
um ataque violento que tenta,
ao mesmo tempo, dinamitar o
homem e a obra.
Desta vez, a bomba foi lançada pelo filósofo francês Michel
Onfray e se chama "Le Crépuscule d'une Idole - L'Affabulation Freudienne" (O Crepúsculo de um Ídolo - A Fabulação
Freudiana, ed. Grasset, 624
págs., 22, R$ 52). No livro,
lançado na quarta passada, Onfray se entrega com indisfarçável deleite ao ataque contra
Freud e o freudismo. O autor,
que se tornou um best-seller
com livros de vulgarização da
filosofia, traça o que ele chama
de "psicobiografia nietzschiana
de Freud".
Para isso, leu toda a obra de
Freud mais a correspondência
e pretende provar que "a psicanálise funciona como uma metafísica de substituição num
mundo sem metafísica e oferece elementos para a construção
de uma religião numa época do
pós-religioso".
Segundo ele, as instituições
da psicanálise foram construídas por seus "sacerdotes" num
esquema próximo ao da religião cristã, e os hagiógrafos trataram de esconder o que poderia vir a macular o mito.
Antes do lançamento, o
mundo intelectual francês já
debatia o livro na imprensa. De
um lado, freudianos e lacanianos escreveram artigos e deram entrevistas para defender
a psicanálise dos ataques de
Onfray. Do outro lado, entrincheiraram-se o autor e os que
apreciam o livro, que mereceu
destaque nos grandes jornais e
revistas e em programas de televisão sobre literatura. Revistas semanais chegaram a dar
reportagens de capa. Freud na
capa é sempre sinônimo de
boas tiragens, sobretudo quando há uma polêmica de peso.
Para a historiadora da psicanálise Elisabeth Roudinesco,
"o livro é um odioso panfleto
antifreudiano que favorece a
proliferação dos boatos mais
extravagantes". Ela acusa o autor de maniqueísmo, colocando os "bons" antifreudianos de
um lado e, do outro, os "maus",
adeptos de uma fabulação.
Michel Onfray não esconde
que deve sua nova postura antifreudiana a "Le Livre Noir de
la Psychanalyse" (O Livro Negro da Psicanálise), obra coletiva lançada na França em 2005,
que em 40 artigos constituía
um virulento ataque à psicanálise. Antes de "O Livro Negro...", Onfray lia e ensinava
Freud a seus alunos.
A psicanálise sempre suscitou debates apaixonados. Chamada de "ciência judaica" pelos
nazistas ou de "ciência burguesa" pelos stalinistas, a criação
de Freud nunca gozou, em nenhum país, do conforto da unanimidade. Onfray se vê como
um filósofo nietzschiano escandalizado com o que ele chama de "fabulação" da psicanálise, acusada por ele de se apoiar
em uma série de "mitos ou lendas", que tenta desmontar.
Placebo
"A psicanálise é uma ramificação da psicologia literária, se
origina na biografia de seu inventor e funciona maravilhosamente para compreendê-lo e
somente a ele. A terapia analítica ilustra um ramo do pensamento mágico: ela trata e cura
no estrito limite do efeito placebo", afirma Onfray.
"A psicanálise não cura e
nem trata pela simples razão de
que os pacientes que vão ver
um analista não são doentes,
mas têm o imaginário entulhado de culpas, de fantasmas, de
representações. Ela permite a
um sujeito que deseja, e se sente impedido, superar essas dificuldades por meio da identificação das resistências para poder, literalmente, se encontrar
e se aceitar, desmontar as armadilhas que ele mesmo se coloca para evitar estar diante de
seu desejo", explica o psicanalista Michel Plon, coautor, com
Roudinesco, do "Dicionário de
Psicanálise" [ed. Zahar].
A biografia do pai da psicanálise tampouco foi poupada pelo
autor do "Tratado de Ateologia" e de uma "Contra-História
da Filosofia" [ambos pela ed.
WMF Martins Fontes]. Freud é
apresentado como um filósofo
que tenta se apresentar como
um homem de ciência.
Segundo Onfray, o médico
formado em Viena toma emprestado conceitos de Schopenhauer e Nietzsche sem honrar
suas fontes; dissimula os fracassos terapêuticos da psicanálise; pretende ser um cientista
e, ao mesmo tempo, se apresenta como "conquistador de um
continente desconhecido", tomando seus desejos por realidade; é um burguês ávido de celebridade; persegue dinheiro e
glória; mantém uma relação
adúltera com a cunhada, que vivia em sua casa; é um falocrata,
misógino e homofóbico.
"Não me interessa saber se
Galileu foi homossexual, fetichista ou assaltante de estrada,
desde que a Terra continue a girar em torno do Sol. Onfray se
coloca na categoria dos fundamentalistas que nos EUA gostariam que Darwin tivesse sido
queimado", reage o psicanalista
Pierre Bruno.
Depois de destacar o que chama de erros factuais e responder com indignação a alguns
dos ataques do livro, Roudinesco pergunta: "Se a psicanálise,
como ele afirma, é uma ciência
nazista e fascista, isso significa
que ela é incompatível com a
democracia. Por que, então, ela
só se desenvolve nos países onde foi instaurado um Estado de
Direito? Por que sempre foi banida pelos regimes totalitários
ou teocráticos, mesmo quando
seus clínicos colaboraram com
tais regimes?".
Roudinesco enviou um convite a Michel Onfray para debater com ela em uma estação de
rádio ou de televisão. O filósofo
recusou-se ao duelo.
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