São Paulo, domingo, 25 de abril de 2010

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+(S)ociedade

Freud na berlinda

Livro do francês Michel Onfray contra o pai da psicanálise gera polêmica antes mesmo de chegar às livrarias

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Inventor do inconsciente, que via como "o pressuposto fundamental da psicanálise", Freud é, mais uma vez, o alvo de um ataque violento que tenta, ao mesmo tempo, dinamitar o homem e a obra.
Desta vez, a bomba foi lançada pelo filósofo francês Michel Onfray e se chama "Le Crépuscule d'une Idole - L'Affabulation Freudienne" (O Crepúsculo de um Ídolo - A Fabulação Freudiana, ed. Grasset, 624 págs., 22, R$ 52). No livro, lançado na quarta passada, Onfray se entrega com indisfarçável deleite ao ataque contra Freud e o freudismo. O autor, que se tornou um best-seller com livros de vulgarização da filosofia, traça o que ele chama de "psicobiografia nietzschiana de Freud".
Para isso, leu toda a obra de Freud mais a correspondência e pretende provar que "a psicanálise funciona como uma metafísica de substituição num mundo sem metafísica e oferece elementos para a construção de uma religião numa época do pós-religioso".
Segundo ele, as instituições da psicanálise foram construídas por seus "sacerdotes" num esquema próximo ao da religião cristã, e os hagiógrafos trataram de esconder o que poderia vir a macular o mito.
Antes do lançamento, o mundo intelectual francês já debatia o livro na imprensa. De um lado, freudianos e lacanianos escreveram artigos e deram entrevistas para defender a psicanálise dos ataques de Onfray. Do outro lado, entrincheiraram-se o autor e os que apreciam o livro, que mereceu destaque nos grandes jornais e revistas e em programas de televisão sobre literatura. Revistas semanais chegaram a dar reportagens de capa. Freud na capa é sempre sinônimo de boas tiragens, sobretudo quando há uma polêmica de peso.
Para a historiadora da psicanálise Elisabeth Roudinesco, "o livro é um odioso panfleto antifreudiano que favorece a proliferação dos boatos mais extravagantes". Ela acusa o autor de maniqueísmo, colocando os "bons" antifreudianos de um lado e, do outro, os "maus", adeptos de uma fabulação.
Michel Onfray não esconde que deve sua nova postura antifreudiana a "Le Livre Noir de la Psychanalyse" (O Livro Negro da Psicanálise), obra coletiva lançada na França em 2005, que em 40 artigos constituía um virulento ataque à psicanálise. Antes de "O Livro Negro...", Onfray lia e ensinava Freud a seus alunos.
A psicanálise sempre suscitou debates apaixonados. Chamada de "ciência judaica" pelos nazistas ou de "ciência burguesa" pelos stalinistas, a criação de Freud nunca gozou, em nenhum país, do conforto da unanimidade. Onfray se vê como um filósofo nietzschiano escandalizado com o que ele chama de "fabulação" da psicanálise, acusada por ele de se apoiar em uma série de "mitos ou lendas", que tenta desmontar.

Placebo
"A psicanálise é uma ramificação da psicologia literária, se origina na biografia de seu inventor e funciona maravilhosamente para compreendê-lo e somente a ele. A terapia analítica ilustra um ramo do pensamento mágico: ela trata e cura no estrito limite do efeito placebo", afirma Onfray.
"A psicanálise não cura e nem trata pela simples razão de que os pacientes que vão ver um analista não são doentes, mas têm o imaginário entulhado de culpas, de fantasmas, de representações. Ela permite a um sujeito que deseja, e se sente impedido, superar essas dificuldades por meio da identificação das resistências para poder, literalmente, se encontrar e se aceitar, desmontar as armadilhas que ele mesmo se coloca para evitar estar diante de seu desejo", explica o psicanalista Michel Plon, coautor, com Roudinesco, do "Dicionário de Psicanálise" [ed. Zahar].
A biografia do pai da psicanálise tampouco foi poupada pelo autor do "Tratado de Ateologia" e de uma "Contra-História da Filosofia" [ambos pela ed. WMF Martins Fontes]. Freud é apresentado como um filósofo que tenta se apresentar como um homem de ciência.
Segundo Onfray, o médico formado em Viena toma emprestado conceitos de Schopenhauer e Nietzsche sem honrar suas fontes; dissimula os fracassos terapêuticos da psicanálise; pretende ser um cientista e, ao mesmo tempo, se apresenta como "conquistador de um continente desconhecido", tomando seus desejos por realidade; é um burguês ávido de celebridade; persegue dinheiro e glória; mantém uma relação adúltera com a cunhada, que vivia em sua casa; é um falocrata, misógino e homofóbico.
"Não me interessa saber se Galileu foi homossexual, fetichista ou assaltante de estrada, desde que a Terra continue a girar em torno do Sol. Onfray se coloca na categoria dos fundamentalistas que nos EUA gostariam que Darwin tivesse sido queimado", reage o psicanalista Pierre Bruno.
Depois de destacar o que chama de erros factuais e responder com indignação a alguns dos ataques do livro, Roudinesco pergunta: "Se a psicanálise, como ele afirma, é uma ciência nazista e fascista, isso significa que ela é incompatível com a democracia. Por que, então, ela só se desenvolve nos países onde foi instaurado um Estado de Direito? Por que sempre foi banida pelos regimes totalitários ou teocráticos, mesmo quando seus clínicos colaboraram com tais regimes?".
Roudinesco enviou um convite a Michel Onfray para debater com ela em uma estação de rádio ou de televisão. O filósofo recusou-se ao duelo.


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