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Em "A Invenção do Humano" Harold Bloom faz original guia de leitura do escritor
Pessoal e indispensável
Lorin Stein
especial para "Salon"
No início de "Shakespeare - A
Invenção do Humano", Harold Bloom relega "As Alegres
Comadres de Windsor" a
"uma bobagem, em que um impostor se
finge de sir John Falstaff. Falstaff sem a
sagacidade titânica e a inteligência metamórfica não é Falstaff... e "As Alegres Comadres de Windsor" é um exercício escabroso de sadomasoquismo, que terá
enorme popularidade para sempre exatamente devido a essa base".
Assim como muitas declarações de
Bloom, essa tem certo patos confessional. O Bloom que agradou à galeria dos
guerreiros de amendoim da cultura com
seus grandes sucessos do cânone ocidental e que recheou seus livros com críticas
ruidosas à "Escola do Ressentimento"
não é o verdadeiro Bloom -o que nos
ensinou a ler Wordsworth, Emerson,
Dickinson, Whitman, Stevens, Bishop e
Ashbery-, assim como o rei gordo na
cesta de roupa suja não é o mentor do
Príncipe Hal.
O Bloom verdadeiro e indispensável
está em toda parte em "Shakespeare - A
Invenção do Humano" e é evidente demais para não ser notado. Em uma recente resenha do livro para a "The New
Yorker", Anthony Lane escreveu: "Se é
crítica prática o que você procura, esqueça; esse livro é quase tão prático -e tão
perturbador- quanto um unicórnio".
Perturbador, talvez. Mas, se essa coletânea de ensaios curtos (um sobre cada peça) não é crítica prática -uma ajuda para estudantes, professores, público de
teatro, leitores na cama, qualquer pessoa
que deseje um relato esteticamente plausível das peças, então não sei o que é.
Na verdade, "Shakespeare" é provavelmente o primeiro livro de
utilidade geral escrito por
Bloom, ainda mais útil para os não-acadêmicos que
os velhos manuais colegiais. Talvez sua maior
utilidade seja para os diretores teatrais, que (suspeito) são o público ideal secreto de Bloom.
Não que ele prescreva produções, como os ortodoxos engajados que dominaram as apresentações de Shakespeare na
América nas últimas décadas. A leitura
das peças por Bloom simplesmente ajuda mais um diretor -admite maior
complexidade, motivos-chave para elevar o tom- que qualquer outra. São
modelos de originalidade quando a originalidade é mais necessária. Entre as leituras, Bloom gosta de afirmar, em formulações diversas, que Shakespeare "inventou o humano".
Vários leitores antes dele (entre os
quais Lane) confundiram essa afirmação
com um argumento. Não é nada disso. É
uma postura -devida
(como muitas outras coisas nas críticas recentes de
Bloom) a Oscar Wilde,
que declarou que a arte
não imita a vida; a vida
imita Shakespeare, o melhor que pode. Depois de
anos lendo e ouvindo as
variações de Bloom sobre o tema, não tenho certeza se ele o tornou mais claro ou
mais respeitável intelectualmente do que
Oscar Wilde pretendia.
Dito isso, Bloom fez ótimo uso de sua
postura wildiana. Insistindo que Shakespeare nos inventou (seja qual for o significado disso), Bloom evita buscar cansativamente nas peças a "importância" que
popularizou Shakespeare, tornando-o
um comentarista desinformado das políticas atuais.
Vivemos, estranhamente, uma era
dourada de crítica shakespeariana. No
ano passado Helen Vendler publicou o
que deveria ser a edição definitiva dos
sonetos; agora Bloom nos dá uma obra
que vem coroar sua carreira, um livro
que, em suas particularidades, deve cativar igualmente bloomianos e não-bloomianos. Se alguma peça de crítica literária pode ter consequências práticas -no
palco e na imaginação-, essa é peça.
Shakespeare - A Invenção do Humano
896 págs., R$ 64,90
de Harold Bloom. Trad. de José
Roberto O'Shea. Objetiva (r.
Cosme Velho, 103, CEP 22241-090, RJ, tel. 0/xx/ 21/ 556-7824).
Lorin Stein é escritora e ensaísta.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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