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Ponto de fuga
Lágrimas e melodramas
Cenários abstratos, sugestivos, iluminação etérea; quando os dois amantes unem-se no amor e na morte, caminham para uma luz transfigurada que os absorve
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Duas Palmas de Ouro em
Cannes confirmam,
com trombetas, o entusiasmo da crítica pelos irmãos
Dardenne. "A Criança" foi o
premiado do ano passado. É
um cinema que capta, com sentido forte, os lugares marginais
das metrópoles ricas e modernas: beiras de auto-estrada, pátios semi-abandonados, estacionamentos malcuidados.
Sabe pôr em relevo a verdade
dos atores. Navega nas águas
do neo-neo-realismo, cinema-verdade pós-Dogma. Faz crítica social, busca intensidade
metafísica e incorpora situações comoventes que envolvem um bebê.
Há em tudo isso alguma coisa que não convence. O jornal
"Village Voice", de Nova York,
dizia que "Rosetta", a outra
Palma de Ouro (1999) dos Dardenne, era a "retomada marxista da "Mouchette" de Bresson" .
O final de "A Criança" lembra o
de "Pickpocket", do mesmo
Bresson. Mas o paralelo revela
o quanto "A Criança" se perde
em sentimentalismo social,
que está nos antípodas do cinema bressoniano.
O filme também não alcança
a força arrasadora dos verdadeiros melodramas (ah! Como
os mexicanos sabiam outrora
dar uma dimensão épica a essas histórias de mães infelizes e
filhos ameaçados!).
Nem Bresson nem Ken
Loach nem Emilio "Indio" Fernández; "A Criança" deixa um
gosto insatisfeito.
Para a marginalização de
adolescentes, é melhor "Réquiem para um Sonho", de
Darren Aronovsky (2000),
centrado no consumo de drogas (ausente por inteiro de "A
Criança", o que é bastante inverossímil). Para a irresponsabilidade e inconseqüência das
jovens gerações, "A Isca", de
Bertrand Tavernier (1995). Para a relação entre juventude e
desígnios metafísicos, Bresson,
apenas.
Dito isso, muita gente boa
elevou os Dardenne às nuvens.
Guilhotina
André Chénier, poeta francês, teve sua alta poesia traduzida por Machado de Assis. Entusiasta da liberdade, abraçou a
causa da Revolução Francesa.
Terminou devorado por ela,
como tantos outros. Foi executado em 1794.
Cem anos depois, Umberto
Giordano, brilhante músico da
"giovane scuola", que renovava
então a música italiana, compôs uma partitura sobre a trajetória dessa vida infeliz. É a
ópera "Andrea Chénier".
Foi recentemente apresentada no Teatro Municipal de
São Paulo. Soberba montagem:
cenários abstratos, sugestivos,
iluminação etérea; quando os
dois amantes se unem no amor
e na morte, caminham para
uma luz transfigurada que os
absorve.
Na última das bem poucas
récitas, o tenor búlgaro Kaludi
Kaludov, adoentado, abandonou a partida no final do segundo ato; mas foi o suficiente para
revelar suas extraordinárias
qualidades de timbre, de musicalidade. Apenas algumas leves
dificuldades nos agudos denunciavam esforço. É o mesmo
grande intérprete que gravou,
em 1992, para o selo Naxos, a
"Manon Lescaut" de Puccini.
Marcello Vanucci, de voz
mais grave, o substituiu. Terminou com bravura os dois últimos atos da ópera.
Maria Russo, cantora americana, encarnou a amada de
Chénier com um vozeirão capaz de nuanças delicadas. Licio
Bruno, prodigioso artista, impôs seu magnetismo no papel
poderoso de Gérard. Jamil Maluf, diante da Orquestra Experimental de Repertório, extraiu
as energias e as transparências
da partitura. No final, explosão
de aplausos: noitada para levar
quem diz que não gosta de ópera e transformá-lo, sem hesitação, num convertido.
JORGE COLI é historiador da arte.
e-mail: jorgecoli@uol.com.br
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