São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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NÃO QUERO SER GRANDE

FUSÃO EM INGLÊS DAS PALAVRAS CRIANÇA E ADULTO, OS "KIDULTS" QUESTIONAM NOÇÕES COMO MATURIDADE E AUTONOMIA E PÕEM EM XEQUE A PATOLOGIA DA VIDA ADULTA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

por Frank Furedi

Os alarmes começaram a tocar alguns anos atrás. Eu estava mostrando a um amigo o campus em que leciono quando topamos com um grupo de universitários absortos, num bar, assistindo aos "Teletubbies". Normalmente, a visão de um grupo de estudantes de 18 a 21 anos curtindo um programa feito para crianças que ainda estão aprendendo a andar não teria tido grande impacto sobre minha imaginação.
Mas nem todos os jovens de 20 anos curtem "Teletubbies" -na realidade, muitos dos estudantes de hoje parecem preferir os personagens favoritos das crianças de idade pré-escolar um pouco mais avançada, "The Tweenies". No entanto, quando reclamo do fascínio manifestado por jovens adultos pela televisão feita para a primeira infância, John Russell, 28 anos, me olha como se eu fosse um caso perdido. Advogado bem pago, John diz que não se interessa em fazer "coisas de adulto". Ele adora seu PlayStation e gasta uma parte considerável de sua renda com brinquedos de alta tecnologia.
Fred Simons e Oliver Bailer, ambos corretores de imóveis no final da casa dos 20 anos, jogam Nintendo e se gabam de não ter mudado muito desde a época do colégio. A designer de 27 anos Helen Timerman me mostra sua coleção de brinquedos de pelúcia com muito orgulho. Ela adora abraçá-los e acha que seus bichinhos, dispostos ordenadamente em seu quarto, lhe proporcionam uma zona de segurança.
Londres virou um ímã que atrai jovens, homens e mulheres, decididos a reviver sua infância. Todo final de semana, milhares de jovens de 20 e poucos anos vestem seus uniformes escolares e vão se divertir como clubbers na School Disco. Pessoas de todas as profissões e áreas -médicos, programadores de computadores, cabeleireiras, advogados- aderem a essa nostalgia com entusiasmo.
Os rapazes de camisa branca e blazer e as moças usando saias "escolares" curtas se divertem, fazendo de conta que são adolescentes malcomportados trocando amassos na pista de dança. Em Nova York, pessoas na casa dos 20 e dos 30 anos consomem produtos que lembram sua infância. Na esquina da Bleecker com West 11th, elas fazem fila, pacientes, diante da padaria Magnolia para conseguir sua dose diária de bolinhos amarelos com glacê de chocolate e confeitos coloridos. No Dylan's Candy Bar, pessoas de 20 e poucos anos se aglomeram em volta dos recipientes de balas Pez e de uma enorme árvore de pirulitos. Para descrever a tendência, dois publicitários americanos, Becky Ebenkamp e Jeff Odiorne, cunharam o termo "Peterpandemônio". "Pessoas na casa dos 20 e dos 30 anos buscam produtos que lhes dêem a sensação de serem reconfortadas. Elas querem experiências sensórias que lhes tragam de volta uma fase da vida mais inocente e mais feliz: a infância", observam.

Nostalgia "cool"
Houve época em que a nostalgia era prerrogativa de avós, evocando memórias da Segunda Guerra ou dos anos 1950. Hoje ela é promovida como algo "cool" a ser curtido por pessoas que mal deixaram a fase "teen". Cada vez mais, os "bons velhos tempos" são associados aos anos 1980 ou até mesmo aos 1990. O sucesso do seriado da BBC "I Love the 1970s/1980s/1990s" (culminando com "I Love 1999", exibido no verão de 2001) indica que os jovens andam se tornando nostálgicos cada vez mais cedo. Essa preocupação em reviver a época em que se estava na escola é o que transformou o site britânico "Friends Reunited" em sucesso absoluto. Quase 9 milhões de professores e ex-alunos de escolas já se matricularam no "Friends Reunited" para embarcar numa viagem pela estrada da memória.
Atender à demanda da enxurrada de peter pans virou grande negócio. O site da artista Minx Kelly possui uma página de "segunda infância", "na qual os adultos podem ser como crianças sem se infantilizar". "Quem foi que disse que não podemos brincar com brinquedos depois de adultos?", pergunta a página. Suas "bonecas Barbie únicas" e "bonecas de papel nostálgicas" são voltadas a "kidults" [algo como "criançadultos"] que tomaram a "decisão consciente" de deixar que "sua criança interior consiga o que quer".
Vale observar o sucesso atual da marca Purple Ronnie, que inclui cartões, óculos, chaveiros e livros de poesia. A Purple Ronnie transformou em forma de arte os cartuns bonitinhos e frases como "bottom burp" (algo como "arroto de bumbum"). Inspirado no romantismo dessa poesia de humor de banheiro, os objetos que cercam o Valentine's Day (Dia dos Namorados) passaram de água-com-açúcar a infantilizados. De acordo com o grupo britânico de pesquisas de mercado Mintel, em 2002 43% dos jovens de 20 a 24 anos citaram como uma de suas escolhas favoritas de presente para dar ou receber no Dia dos Namorados um bichinho de pelúcia.
Quem precisa dos "Teletubbies" quando ainda é possível brincar com os brinquedos que se tinha quando criança? A indústria de brinquedos norte-americana descobriu que os adultos jovens constituem um mercado enorme. Movidas a saudosismo, as vendas de brinquedos antigos, como o Homem de Seis Milhões de Dólares e bonecos de "Jornada nas Estrelas" e "Guerra nas Estrelas", estão em franco crescimento. Também existem novas linhas de brinquedo voltadas ao mercado adulto. A Playmate Toys hoje dirige suas promoções aos adultos, tendo percebido que os consumidores potenciais de seus bonecos Simpsons não são apenas as crianças, mas também adultos na faixa dos 18 aos 35 anos.
A nostalgia retrô não é um fenômeno apenas anglo-americano. A Hello Kitty, uma gatinha branca cuja marca registrada é uma flor ou um laço vermelho, tem popularidade tremenda entre os adultos japoneses. Profissionais e funcionárias de escritório levam material de escritório Hello Kitty para o trabalho. Depois do expediente, quando lotam os bares, conversam com seus amigos em celulares Hello Kitty e oferecem cigarros de seus estojos Hello Kitty a empresários que usam gravatas do Snoopy.
Após o incrível sucesso dos livros de J.K. Rowling sobre Harry Potter entre o público adulto, a editora Bloomsbury, que publica os livros de Rowling, lançou uma edição dos livros ostentando capas "adultas" (não que isso tenha impedido profissionais da City de abertamente ler as edições para crianças, mais baratas, no metrô londrino). O revival subseqüente de "O Senhor dos Anéis", de J.R.R. Tolkien, se deveu em grande medida ao fato de a obra ter sido redescoberta por leitores adultos.
A manifestação provavelmente mais significativa dessa cultura infantil que atinge o público adulto pode ser vista na mídia. As cifras de audiência atestam a popularidade da rede Cartoon entre telespectadores de 18 a 34 anos de idade. Dois dos maiores sucessos de Hollywood em 2001 foram "Shrek" e "Monstros S.A.". Como "Toy Story" e "A Fuga das Galinhas" antes delas, essas produções animadas fazem sucesso com um público embaraçosamente adulto.
A celebração da imaturidade é reafirmada constantemente pela mídia. Atores de meia-idade vivem à procura de papéis que lhes permitam manifestar seu lado juvenil. John Travolta quase se esborrachou para ser um doce-de-coco em "Olhe Quem Está Falando", e Robin Williams mostrou ser adorável no papel de Peter Pan em "Hook". Tom Hanks é sempre bonitinho -uma criança presa dentro do corpo de um adulto em "Quero Ser Grande" e, depois, como "Forrest Gump", o menino-homem que personifica a nova virtude do infantilismo psicológico. Peter Pan, o garoto que não queria crescer, teria poucas razões para fugir de casa se vivesse em Londres, Nova York ou Tóquio hoje.
A ausência de uma palavra prontamente reconhecida para descrever esses adultos infantilizados demonstra o mal-estar com que esse fenômeno é saudado. Para descrever esse segmento do mercado, publicitários e fabricantes de brinquedos cunharam o termo "kidult" ("criançadulto"). Outro termo às vezes usado para descrever essas pessoas na faixa dos 20 aos 35 anos é "adultescente", normalmente definido como alguém que se nega a se assentar e a assumir compromissos na vida, uma pessoa que preferiria chegar à meia-idade ainda fazendo farra.
É importante não confundir adultescentes com as pessoas descritas como estando na "meia juventude". Estas se encontram uma geração à frente dos adultescentes. São pessoas de 35 a 45 anos que se vêem como estando na vanguarda da cultura jovem; elas passam por uma fase conhecida como "mediascência" ("middlescence"), um estado de espírito que resiste ferozmente a tudo o que costuma acompanhar a chegada da meia-idade. Uma razão pela qual palavras como kidult e adultescente não entraram na linguagem do dia-a-dia é que a sociedade não sabe como lidar com a gradativa erosão da linha divisória entre infância e idade adulta. A sociedade já aceitou a idéia de que as pessoas só se tornam adultas quando estão no final da casa dos 30 anos. Em conseqüência, a adolescência foi estendida para a casa dos 20 anos. É interessante observar que a Sociedade de Medicina Adolescente, uma organização médica americana, afirma em seu site que cuida de pessoas "dos 10 aos 26 anos de idade". Há pouco tempo a Fundação MacArthur financiou um grande projeto de pesquisa intitulado "Transições para a Idade Adulta", que situa o final dessa transição nos 34 anos. Mas será que tem importância o fato de estarmos pouco a pouco perdendo de vista o que distingue os adultos das crianças? Afinal, sempre existiram homens e mulheres tristes que sentiam grande prazer em coisas infantis. E o desejo de permanecer jovem tampouco constitui algo especialmente recente. Ao longo da história, as pessoas sempre procuraram incansavelmente pelo segredo da juventude e sempre tentaram desacelerar o inexorável processo de envelhecimento.

Pais intrometidos
A infantilização da sociedade contemporânea é movida por paixões que são específicas de nosso tempo. O desejo compreensível de não ter aparência de velho(a) cedeu espaço à busca consciente da imaturidade. No passado, as pessoas queriam parecer jovens e atraentes, mas não necessariamente comportar-se como crianças. A obsessão atual por coisas infantis pode parecer um detalhe trivial, mas a saudade onipresente da infância entre os adultos jovens é sintomática de uma insegurança profunda em relação ao futuro. A hesitação em aderir à condição adulta reflete uma aspiração reduzida à independência, ao compromisso e à experimentação. Nos últimos cinco a dez anos, pais e mães intrometidos viraram elemento constante na vida dos campi. Nos dias e eventos em que as universidades ficam abertas ao público, os pais muitas vezes falam mais alto do que os filhos. Não faz muito tempo, muitos estudantes britânicos teriam sentido vergonha se fossem vistos na companhia dos pais. A universidade oferecia uma oportunidade para o jovem libertar-se do controle dos pais. Era comum estudantes saírem de casa para morar sozinhos ou com amigos, e alguns raramente visitavam seus pais, mesmo durante a Semana Santa ou as férias de verão. Hoje em dia essa aspiração de independência tomou um rumo decididamente pragmático. Muitos estudantes se mostram felizes em voltar à relação de dependência que caracterizava sua fase escolar. Longe de ressentir-se do envolvimento dos pais em sua vida no campus, os universitários a aceitam como algo natural. Uma parcela crescente de estudantes universitários também está optando por viver com seus pais. No Reino Unido, em 1994, a parcela dos calouros universitários que estudavam em tempo integral e que se sabia que viviam na casa dos pais ou responsáveis era de 14,5%. Em 1999, essa parcela subira para 20,1%. O serviço de admissão à universidade britânico, Ucas, informa que o número de candidatos à universidade e a faculdades que querem viver na casa dos pais enquanto estudam está crescendo. Essa tendência freqüentemente é explicada como sendo conseqüência das dificuldades econômicas vividas pelos estudantes. No entanto, embora muitos estudantes de fato optem por viver em casa por esse motivo, o fator econômico não explica tudo. Segundo o executivo-chefe do Ucas, Tony Higgins, muitos estudantes "gostam da estar cercados pela segurança de sua casa, sua família e seus amigos quando começam na faculdade".

De volta ao ninho
A edição de 2002 da "Social Trends" [Tendências Sociais] constatou que quase um terço dos homens entre 20 e 35 anos ainda vive com os pais, contra apenas um em cada quatro em 1977-78. Outras pesquisas indicam que o número de homens de 30 a 34 anos que ainda vivem com os pais aumentou em 20% nos últimos cinco anos. Em seu livro "The Nesting Syndrome" [A Síndrome do Aninhamento], Valerie Weiner descreve essas crianças adultas como "nesters" (pessoas que permanecem no ninho). No Japão, são conhecidas como "solteiros parasitas", e nos EUA são descritas por diversos nomes: "boomerang kids" (filhos-bumerangue), adultos co-residentes ou "returnees" (retornados).


A INSEGURANÇA ECONÔMICA PODE AJUDAR A EXPLICAR POR QUE ALGUNS FILHOS CRESCIDOS AINDA VIVEM COM SEUS PAIS, MAS NÃO AJUDA A LANÇAR LUZ SOBRE O PROCESSO COMO UM TODO


Em julho de 2001 um estudo encomendado pela Abbey National confirmou a descoberta e indicou que a proporção de adultos jovens que retornam para a casa dos pais depois de uma fase inicial longe dela quase dobrou, de 25%, em 1950, para 46%, hoje. Uma pesquisa encomendada pela BTopenworld em 2002 concluiu que 27% dos jovens que deixam a casa dos pais pela primeira vez voltam pelo menos uma vez e que "um em cada dez jovens recém-independentes volta a viver na casa dos pais até quatro vezes até saírem de casa de maneira definitiva". O número cada vez maior de adultos que continuam a viver com os pais faz parte de um fenômeno internacional mais amplo. No Japão, 70% das solteiras de 30 a 35 anos que trabalham vivem com seus pais. O número de filhos adultos que residem com os pais nos EUA vem subindo constantemente desde a década de 1970. Hoje, 18 milhões de jovens na faixa dos 20 aos 34 anos vivem com os pais. O número representa 38% dos adultos solteiros jovens. Hoje em dia, é muito menor a chance dos pais de meia-idade de ver seus ninhos ficando vazios. E hoje até existe toda uma literatura de auto-ajuda para os desorientados pais de filhos retornados. A explicação mais comum aventada para justificar a ascensão da geração-bumerangue é a econômica. Com freqüência se sugere que muitos adultos jovens simplesmente não têm condições econômicas de viver sozinhos ou que acham difícil tentar viver uma vida de conforto. Mas será que a insegurança econômica é a responsável de fato pelo surgimento desse fenômeno internacional notável? No Japão, onde a tendência é mais desenvolvida, freqüentemente se comenta a riqueza relativa dos jovens solteiros de 20 a 34 anos que ainda vivem na casa dos pais. É fato largamente reconhecido que o boom recente na venda de produtos de luxo vem sendo movido pelo consumo conspícuo dos solteiros parasitas, muitos dos quais vivem com os pais. Nos Estados Unidos, as empresas têm como alvo justamente o mercado dos filhos-bumerangue, já que esses consumidores são vistos como possuindo uma renda disponível muito alta. A insegurança econômica pode ajudar a explicar por que alguns filhos crescidos ainda vivem com seus pais, mas não ajuda muito a lançar luz sobre o processo como um todo.

Expectativa do fracasso
Tradicionalmente, os jovens, homens e mulheres, saíam de casa não porque existia a probabilidade de a vida não custar tão caro, mas em razão da decisão de se assumir de forma independente. Para muitos deles, o desconforto relativo da pobreza a curto prazo era um preço que valia a pena pagar em troca da promessa de liberdade oferecida pela vida independente. Não é tanto uma exigência financeira quanto a dificuldade que os jovens têm de conduzir seus relacionamentos que ajuda a explicar o porquê de alguns deles estarem optando por morar com mamãe e papai.
Nas últimas décadas, os relacionamentos íntimos entre pessoas parecem estar se tornando mais complicados. A expectativa do fracasso e da instabilidade cerca a instituição do casamento e até mesmo da coabitação. Hoje é comum as pessoas abordarem seus relacionamentos íntimos com um sentido ampliado de risco emocional.
Uma estratégia para lidar com os riscos emocionais é distanciar-se da fonte potencial de decepção. A reinterpretação do envolvimento pessoal como risco representa um aviso para qualquer pessoa que seja tola o suficiente para desejar um engajamento apaixonado. A equação do amor com risco é alimentada por uma tendência a nos acomodarmos com os problemas vividos pelos adultos em seus relacionamentos. Em contraste com a insegurança que cerca os relacionamentos adultos, a segurança do lar dos pais pode parecer atraente. Nessas circunstâncias, o desejo de autonomia dos jovens adultos pode se reduzir. Os adultos que continuam a morar com os pais não são o único setor da sociedade a se sentir desorientado pelos problemas vinculados à conduta das relações adultas. Muitos adultos jovens que conseguem mudar-se da casa dos pais acabam formando um grupo rapidamente crescente de solteiros. Ser solteiro virou modo de vida para milhões de homens e mulheres na casa dos 20 e 30 anos. A ascensão dos solteiros parece constituir um fenômeno global, exercendo impacto sobre as sociedades industriais em todo o mundo. Em 1950, cerca de 3% da população da Europa e da América do Norte vivia sozinha. Desde então, virtualmente todos os países industrializados assistiram à ascensão maciça do número de pessoas que vivem sós. Sete milhões de adultos vivem sozinhos no Reino Unido, número três vezes maior do que o de 40 anos atrás. A edição de 2002 da "Social Trends" estima que, até 2020, os lares habitados por uma só pessoa vão constituir 40% do total. Nos Estados Unidos, os solteiros formam o grupo demográfico que cresce mais rapidamente. A proporção de lares com uma só pessoa aumentou em 9% entre 1970 e 2000. Na França, o número de pessoas que vivem sozinhas mais do que dobrou desde 1968. Cerca de 40% dos suecos vivem sozinhos. A tendência a viver sozinho é especialmente pronunciada nos grandes centros urbanos ocidentais. Mais de 50% de todos os lares em Munique, Frankfurt e Paris contêm apenas uma pessoa. Em Londres, quase quatro em cada dez pessoas vivem sozinhas.

Nova estirpe
Cultivar a nostalgia da melhor fase de nossa vida é uma estratégia implementada implacavelmente pelo cinema e a televisão.
A celebração da adolescência forma contraste marcante com a maneira como são representados os adultos. Nos últimos anos a televisão introduziu uma nova "estirpe" de adultos imaturos e desfuncionais, que precisam receber ajuda e conselhos de adolescentes. No seriado norte-americano cult "Dawson's Creek", são os adolescentes sérios e sábios que dão rumo à vida dos adultos imaturos. A comédia britânica "Absolutely Fabulous" oferece um contraste bem-humorado entre a mãe juvenil e libertina e sua filha séria, amadurecida antes do tempo. As "Teachers", do Channel 4, se alternam continuamente entre personas adultas e juvenis e mais do que se equiparam a seus alunos em termos de imaturidade.
O seriado americano "The Drew Carey Show" mostra o cotidiano de quatro amigos adultos imaturos que não têm idéia de como amadurecer. "Buffy, the Vampire Slayer" traz os adultos como figuras repressoras, amalucadas ou adolescentes crescidos. Muitos dos seriados cômicos de maior sucesso -"Frasier", "Friends", "Ellen"- trazem homens e mulheres adultos que vivem uma vida de adolescência prolongada. No Reino Unido, a comédia "Men Behaving Badly" fez sucesso pelo retrato implacável que faz de homens adultos e imaturos.
A patologia da condição adulta foi retratada de maneira marcante nas vidas de Jerry, George, Elaine e Kramer em "Seinfeld". Desorientação, falta de significado e estagnação são algumas das características que definem a condição adulta nesse programa. Os personagens se compraziam com seus comportamentos infantis e se esforçavam o tempo todo para evitar qualquer uma das obrigações convencionalmente associadas à idade adulta. Com "Seinfeld", a rejeição da condição adulta é absoluta -ela simplesmente não possui características que a redimam.
O senso de desespero que cerca a identidade adulta ajuda a explicar por que a cultura contemporânea tem dificuldade em traçar uma linha divisória entre a infância e a idade adulta. A infantilidade é idealizada pela simples razão de que sentimos desesperança ao pensarmos em viver a alternativa. A depreciação da condição adulta é resultado da dificuldade que nossa cultura tem em afirmar os ideais normalmente associados a essa etapa na vida das pessoas.
Maturidade, responsabilidade e compromisso são afirmados debilmente pela cultura contemporânea. Tais ideais contradizem o senso de impermanência que prevalece no cotidiano. É o esvaziamento gradativo da identidade adulta que desencoraja os jovens, homens e mulheres, a aderir com afinco à próxima etapa de suas vidas.

Frank Furedi é professor de sociologia na Universidade de Kent, em Canterbury (Reino Unido). Seu livro mais recente é "Therapy Culture - Cultivating Vulnerability in an Anxious Age" (Cultura da Terapia - Cultivando a Vulnerabilidade numa Era de Ansiedade, ed. Routledge). Este texto foi publicado originalmente na "Spiked".
Tradução de Clara Allain.


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