São Paulo, domingo, 25 de outubro de 1998

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DIÁLOGOS IMPERTINENTES
Olavo de Carvalho e Carlos Josaphat discutem os riscos do moralismo cínico
A abrangência da moral

MARIO SERGIO CORTELLA
especial para a Folha

Em tempos de alegada pós-modernidade, não seria anacrônico falar, ainda, em moral? No momento em que o relativismo ético (a partir do qual, em nome do "respeito" às diferenças, se concretizam a glorificação das desigualdades) invade as múltiplas facetas da vida social e individual, haveria lugar para tal reflexão? Em torno dessa questão começou uma conversa de duas horas na noite de 29 de setembro, tendo como dialogadores o teólogo e frade dominicano Carlos Josaphat e o ensaísta e jornalista Olavo de Carvalho.
"A Moral", sétimo programa da série/98 dos Diálogos Impertinentes (já no seu quarto ano como promoção conjunta da Folha/Sesc/PUC-SP), aconteceu no Teatro da Universidade Católica na capital paulista, com transmissão ao vivo pela TV PUC, e teve, também, mediação de Sérgio Dávila, editor da Ilustrada.
Os dialogadores, ao relacionarem o tema com a política, a sexualidade, a mídia e a religião, defenderam a atualidade do problema moral e os riscos do moralismo cínico que conduz a uma cisão interior perigosa. Olavo de Carvalho afirmou: "Se hoje, por um lado, predominam as concepções de que todas as morais se equivalem (sendo puras convenções ou criações culturais), por outro lado, as mesmas pessoas que advogam teorias relativistas expressam uma indignação moral muito profunda. Nunca se duvidou tanto da moral na esfera intelectual e nunca as pessoas se apegaram tanto a ela do ponto de vista emocional. Quer dizer, pensam como relativistas, mas, julgam como absolutistas; isso significa que as nossas idéias não estão atendendo às necessidades reais das pessoas para fundamentar a sua conduta".
Carlos Josaphat lembrou, por exemplo, que "a humanidade tem atualmente uma dificuldade enorme de encontrar um equilíbrio no que toca à sexualidade; em si, ela, desde o começo do mundo, é um grande problema. Desde que o ser humano fez a separação entre a função de procriação, por uma parte, e, de outra, a sexualidade como amor, nem todos os gestos que exprimem o "eu te amo' visam imediatamente a dizer "eu quero um filho de ti'. Surge aí um abismo que se aprofunda quando a intenção é a mera busca do prazer individual e solitário, sem que ele seja uma linguagem de dom de si e de procura da felicidade para si e para o parceiro ou a parceira de amor; afinal, esse é um verdadeiro tema da ética, pois a realização plena e harmoniosa da sexualidade é boa condição para a realização humana em todos os segmentos".
Ao ser questionado pela platéia sobre a polêmica religiosa em torno do uso de preservativos, o teólogo Josaphat não titubeou: "Algumas vozes da Igreja confundiram o preservativo contra a Aids com o preservativo de contracepção. As duas coisas são completamente distintas e, então, mesmo que a pessoa não aceite um processo de contracepção artificial, pode perfeitamente aceitar a camisinha, porque a intenção não é limitação de filho; inclusive, pode, e deve, ser usada até mesmo entre homossexuais. Lamento que alguns apressados na Igreja Católica tenham feito essa confusão".
Quando a conversa foi para o campo da atuação ética dos intelectuais, o ensaísta Carvalho foi enfático: "Há pessoas que na esfera intelectual estão agindo da maneira mais imoral possível. Falta honestidade, na qual é preciso não dizer que sabe aquilo que você não sabe e não dizer que não sabe aquilo que você sabe perfeitamente bem; é isso que venho chamando de o Imbecil Coletivo".
Não foi o caso nesse diálogo.


Mario Sergio Cortella é professor do departamento de teologia e ciências da religião da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), autor de "A Escola e o Conhecimento" (Inst. Paulo Freire/Cortez) e apresentador dos "Diálogos Impertinentes" desde 1995.



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