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Para Maxwell, país não permite leituras "convencionais"
MARCOS STRECKER
DA REDAÇÃO
Foi um dos momentos
fundadores mais decisivos na formação do
Brasil", diz o brasilianista Kenneth Maxwell, diretor do Programa de
Estudos Brasileiros na Universidade Harvard (EUA), sobre a
chegada da família real, há 200
anos. Para o historiador britânico, esse acontecimento foi
essencial para o desenvolvimento do Brasil no século 19 e
para diferenciar a história brasileira em relação à América
espanhola. Para ele, o movimento de independência da década de 1820 "não aconteceu
no Brasil, mas em Portugal".
Para o autor de "A Devassa
da Devassa" (Paz e Terra), que
está em São Paulo a convite da
Federação do Comércio do Estado de São Paulo, o interesse
atual pelas grandes figuras históricas não é um fenômeno
brasileiro. Também nos EUA,
segundo ele, a historiografia
biográfica está em alta.
FOLHA - A chegada da família real
em 1808 foi um momento fundador
para o país?
KENNETH MAXWELL - Sim. Na minha opinião, foi um dos momentos fundadores mais decisivos na formação do Brasil.
Principalmente porque, com
a chegada de uma corte européia na América, algo que não
aconteceu em nenhum outro
lugar, houve uma transferência
de legitimidade para um governo localizado numa colônia na
América, transformado-o assim, imediatamente, no centro
de um império global, como de
fato o Brasil era depois de 1808.
FOLHA - Quais são os principais
pontos positivos e negativos da
transferência da corte?
MAXWELL - O ponto mais positivo foi que o Brasil não enfrentou uma alienação entre a monarquia e o povo, no sentido de
que houve um período de afastamento total entre a monarquia espanhola e a América espanhola, depois das invasões napoleônicas.
A América espanhola ficou
sem ligação com a metrópole
no sentido de governança, foi
necessário inventar novas formas de representação. Em
muitas partes isso provocou
grandes problemas de legitimidade e guerras internas sangrentas por mais de 20 anos,
com grande destruição de infra-estrutura, de instituições e
de riquezas.
No Brasil, em contraste, houve uma continuidade. As instituições novas foram criadas pela própria coroa portuguesa, e a
maioria delas foi estabelecida
no Rio de Janeiro, que assim
assumiu um papel centralizador dentro de uma América
portuguesa que antes era muito
fragmentada no sentido administrativo.
Houve resistência a isso, claro, principalmente no Nordeste (Pernambuco, por exemplo).
Mas, no fim, o poder central foi
mantido.
Por outro lado, essa institucionalização no Brasil de um
regime monárquico, arcaico,
europeu, teve conseqüências
negativas para o desenvolvimento do país, ao trazer da Europa uma aristocracia e burocracia parasíticas, corruptas e ineficientes, além de ambições
dinásticas e expansionistas.
De fato, acho que uma das
causas do fracasso da idéia de
um império luso-brasileiro baseado no Brasil foi a pretensão
imperialista na América do Sul
do regime no Rio de Janeiro,
que provocou guerras no sul
-principalmente na região onde o Uruguai está agora estabelecido- e também tentativas
de expansão ao norte, na Guiana, contra os franceses.
No norte, isso foi devido a
pressões britânicas, em conseqüência do conflito com Napoleão na Europa. No sul foi por
conseqüência de ambições de
Carlota Joaquina para restabelecer a presença espanhola no
rio da Prata, com ela como chefe. Isso trouxe grandes danos financeiros para o regime de
dom João 6º.
FOLHA - O que explica a atenção
que temas ligados à família real estão despertando? Livros como
"1808" (ed. Planeta), do jornalista
Laurentino Gomes, e a biografia
"Dom Pedro 2º" (Cia. das Letras), do
historiador José Murilo de Carvalho,
viraram fenômenos editoriais...
MAXWELL - São bons livros, bem
escritos, e um reflexo do interesse recente do público brasileiro por sua própria história.
Mas também fazem parte de
um fenômeno global, em que
há um novo florescimento de
uma historiografia biográfica.
Por exemplo, nos EUA há
neste momento um enorme interesse em biografias dos fundadores da República americana. Muitos são best-sellers.
A problemática do monarquismo e a maneira com o reinado de dom Pedro 2º funcionou na prática são os assuntos principais dos muitos trabalhos de José Murilo de Carvalho e de Lilia Moritz Schwarcz.
A contraparte disso, também
importantíssima, está focalizada na importância dos regionalismos brasileiros, com contribuições fundamentais de Evaldo Cabral de Mello.
FOLHA - Estamos vivendo um momento de novas interpretações em
relação ao período imperial?
MAXWELL - A minha visão é um
pouco mais globalizada, com
foco limitado no período de
1808 até 1820. A razão é que o
Brasil tentou na época ser o
centro do império luso-brasileiro e devemos definir um
pouco melhor como esse império foi construído e as causas de
sua derrota.
Por exemplo, na minha opinião, o movimento de independência da década de 1820 não
aconteceu no Brasil, mas em
Portugal. Foram os portugueses que não quiseram ser dominados por uma monarquia baseada na América.
Com a rejeição da dominação
brasileira, eles atraíram muitos
dos problemas de fragmentação, guerras civis e descontinuidade que são parecidos com
aqueles que estavam acontecendo na América espanhola.
É sempre importante, ao
pensar a história do Brasil, considerar que ela não se encaixa
em interpretações convencionais. É sempre necessário pensar um pouco de forma contrafactual, porque a história brasileira não segue a mesma trajetória de outras histórias das
Américas. O rei estava aqui, a
revolução liberal estava lá. A
continuidade estava aqui, a
descontinuidade estava lá.
Acho que isto explica muito
das coisas que aconteceram depois no Brasil, no século 19.
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