São Paulo, domingo, 26 de março de 2000


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+ 3 questões Sobre o malufismo

1. O escândalo Pitta representa o fim do malufismo?
2. Do ponto de vista moral a atitude de Nicéa Pitta foi legítima?
3. Quem se beneficia do Pittagate?

Leôncio Martins Rodrigues responde

1.
Sem dúvida, foi um duro golpe, mas é cedo para jurar que o malufismo acabou. Maluf e seus aliados irão contra-atacar, desqualificando tanto a própria Nicéa quanto o conteúdo das suas acusações. Ademais, existe sempre uma parte pouco politizada do eleitorado que tende a orientar seu voto por razões pragmáticas e clientelistas. Menos importância é dada ao comportamento ético dos candidatos.
Por fim, cumpre não esquecer que as técnicas de marketing eleitoral acabam sendo muito importantes para o resultado final, como mostrou a eleição do próprio Celso Pitta.

2.
É difícil responder sem conhecer as motivações por trás das acusações. Por que somente agora Nicéa resolveu "contar tudo"?

3.
Em princípio, todas as facções antimalufistas poderiam ter se beneficiado do Pittagate. Mas, de fato, apenas Luiza Erundina tirou proveito. Uma hipótese é a de que o eleitorado tenha optado por alguém já conhecido e com um passado de honestidade. É surpreendente, também, que as preferências por Marta Suplicy tenham ficado estáveis. Por quê?
Talvez a candidata petista não consiga ultrapassar uma barreira de rejeição, tal como Lula para presidente. Em ascensão, torna-se mais difícil do que nunca que a ex-prefeita ceda ao canto petista de retirada de sua candidatura. Se conseguir avançar em direção ao centro e obter apoios logísticos e partidários mais consistentes, paradoxalmente, o declínio do malufismo pode acabar por prejudicar também a candidatura de Marta Suplicy.

Mário Chamie responde

1.
Sou poeta e respeito muito as palavras. Elas não são meros utensílios de comunicação. Elas são fundamentais. São mediadoras críticas da realidade. Na pergunta, há duas inadequações semânticas: no uso da palavra "escândalo" e do sufixo "ismo". Só é escândalo o que já se consumou como tal, não o que está no plano das acusações e em via de investigação. Quanto ao sufixo "ismo", é preciso lembrar que ele indica um corpo doutrinário de princípios e valores. Se, por exemplo, digo "marxismo", o sufixo agregado ao nome de Marx medeia, de modo orgânico, uma teoria e uma prática, cujos método e sistema de atuação têm visibilidade e transparência. Daí por que, em relação ao marxismo, os conceitos de mais-valia, luta de classes ou materialismo dialético traduzem a força mediadora do sufixo e do nome que ele integra. Isso se aplica igualmente ao liberalismo político, ao cubismo artístico ou ao existencialismo filosófico.
Não sendo assim, a aplicação do sufixo torna-se um significante sem significado. Ou, o que é pior, torna-se uma carapuça volátil e itinerante, usada ao sabor das conveniências, seja para louvar, seja para demonizar alguém ou alguma coisa. No caso da pergunta, é inadequado falar em malufismo, que, do ponto de vista crítico e mediador das palavras, não existe, a menos que se queira, por conveniência extensiva, generalizar o termo a toda e qualquer irregularidade administrativa ocorrida no país. Quem existe é o político Paulo Maluf, como existe o político Mário Covas (sem covismo) ou o político Fernando Henrique Cardoso (sem fernandismo). Perguntar sobre o fim do malufismo é, portanto, exercício de adivinhação vazia.
Agora, perguntar sobre a gravidade maior ou menor das consequências que o episódio Nicéa Pitta poderá trazer ao destino político de Paulo Maluf é uma indagação válida. Só que a resposta a essa indagação dependerá do rumo e, principalmente, do desfecho reservados ao episódio.

2.
É preciso não confundir ato moral, ditado por uma profunda consciência ética, com atitude moralista motivada por conflitos emocionais de circunstância.

3.
Num ano eleitoral, parece óbvio que os adversários de Maluf e de Pitta procurarão tirar proveito eleiçoeiro do assunto.

QUEM SÃO

Leôncio Martins Rodrigues
É professor titular do departamento de ciência política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor, entre outros, de "Partidos e Sindicatos" (Ática) e "CUT - Os Militantes e a Ideologia" (Paz e Terra).

Mário Chamie
É poeta, criador da corrente de vanguarda "poesia-práxis" e autor de "Caravana Contrária" (Geração Editorial), entre outros. Foi secretário municipal da Cultura na administração Reynaldo de Barros (1979-83). É professor titular de comunicação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (SP).


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