São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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Hans Ulrich Gumbrecht

Não era evidente que o ala esquerda Lothar Emmerich, do Borussia Dortmund, fosse escolhido para a equipe alemã que foi à Copa do Mundo de 1966 (e terminou em segundo lugar, numa final dramática que Emmerich não jogou). Mas na memória das fotos preto-e-branco o gol que ele marcou contra a Suíça tornou-se o mais belo gol alemão de todos os tempos. Emmerich era alto, um pouco pesado, e não ficava claro se seus movimentos poderiam ser mais desajeitados que sua linguagem. Na verdade seus movimentos não eram tão estranhos. Apenas nunca eram suaves. Mas Emmerich era rápido como um relâmpago numa tempestade de outono na Alemanha, e nenhum chute era tão mortalmente forte quanto o dele. Fazia-nos sonhar com armas afiadas, embora ninguém na Alemanha ousasse pronunciar palavras militares na época. Contra a Suíça, Emmerich se apossou de uma bola que ninguém mais parecia querer, muito avançada em direção ao córner esquerdo. A defesa e o ataque se alinharam numa cruz, embora soubessem que Emmerich era ruim em qualquer tipo de passe. Então seu pé esquerdo, que parecia um martelo, tocou a bola com força demais; por um curto instante pareceu que aquela bola voando veloz acabaria atrás do gol; sempre acelerando, porém, ela passou o goleiro e, imediatamente depois, fez uma curva sutil para a esquerda -sutil demais para Lothar Emmerich- e, desafiando as leis da física, realmente atingiu a rede como uma bomba. Um segundo inteiro depois, o goleiro caiu de joelhos como que num gesto de lamento. Esse foi o gol da vitória de 2 a 1 para a Alemanha que confirmou uma sabedoria dos velhos tempos: o futebol é um jogo de 90 minutos em que, no final, a Alemanha venceria.


Hans Ulrich Gumbrecht é teórico da literatura e professor no departamento de literatura comparada da Universidade Stanford. É autor de, entre outros, "Modernização dos Sentidos" (ed. 34).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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