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O diabo veste Hermès
EM "DELUXE", A EX-CRÍTICA DE MODA DA "NEWSWEEK" DANA THOMAS DEFENDE QUE A ENTRADA
DE GRIFES DE ALTO LUXO NO MERCADO DE MASSA DESENCADEOU UM CONSUMISMO DESENFREADO
MICHIKO KAKUTANI
No final da década
de 1980, a mochila
Prada -feita de tecido de pára-quedas preto ou marrom-tabaco com acabamento
de couro- se tornou "a" bolsa
para muitas candidatas a "fashionistas". Era ágil, moderna,
leve e, por US$ 450 [R$ 907],
cara, mas não tanto quanto as
bolsas de preços estratosféricos feitas por Hermès e Chanel.
Segundo a repórter de moda
Dana Thomas, aquela mochila
Prada também foi "o emblema
da mudança radical que o luxo
sofria na época: a passagem de
pequenas empresas familiares
que faziam produtos maravilhosamente artesanais para
corporações globais que fornecem para o mercado médio".
Foi uma mudança de exclusividade para acessibilidade, de
ênfase em tradição e qualidade
para ênfase em crescimento,
construção de marca e lucros.
Com "Deluxe - How Luxury
Lost Its Luster" [De Luxo - Como o Luxo Perdeu o Brilho,
Penguin Press, 375 págs. US$
27,95, R$ 56], Thomas -que foi
jornalista de cultura e moda da
revista "Newsweek" em Paris
durante 12 anos- escreveu
uma história social vívida e inteligente, tão divertida quanto
informativa.
Viajando dos laboratórios de
perfumes da França aos shopping centers de Las Vegas e às
linhas de montagem industrial
na China, ela desenha a face em
evolução do setor de produtos
de luxo, do design ao marketing
e aos showrooms.
Thomas traça com aguda observação alguns perfis de figuras como Miuccia Prada -que
era uma comunista com doutorado em ciência política quando assumiu a pequena empresa
de produtos de luxo de sua família, em 1978- e o magnata
Bernard Arnault, que construiu incansavelmente o grupo
LVMH até se tornar um monolito de luxo, com dezenas de
marcas (incluindo Louis Vuitton, Givenchy e Dior) vendidas
no mundo inteiro.
Thomas tempera sua narrativa com muitas histórias laterais sobre tudo, desde como o
laranja se tornou a cor-assinatura da Hermès (porque era a
única amplamente disponível
durante a Segunda Guerra
Mundial) até as vantagens econômicas da bainha desfiada,
que foi comercializada como
uma inovação de vanguarda.
Mas seu foco é como uma
empresa que atendia à elite rica
entrou no mercado de massa e
também os efeitos da democratização no modo como as pessoas comuns compram hoje,
enquanto o consumo generalizado e o excesso desmedido se
espalham pelo mundo.
As etiquetas, antes discretamente alinhavadas no forro das
roupas da alta-costura, se tornaram logotipos que enfeitam
tudo, desde bonés de beisebol a
correntes de ouro exageradas.
Os perfumes, antes sonhados
pelos criadores com a idéia de
um aroma particular, hoje são
feitos a partir de memorandos
escritos por executivos de marketing com base em enquetes e
números de vendas.
Negócios da China
Com a globalização, Paris e
Nova York não são mais as mecas exclusivas do luxo. Thomas
nota que um gigantesco shopping center de 61 mil metros
quadrados chamado Crocus
City (com 180 butiques, entre
as quais Armani, Pucci e Versace) está brotando perto de
Moscou e que um grupo de butiques de ponta fará parte de
um complexo de luxo chamado
Legation Quarter, que deverá
abrir na praça Tiananmen, em
Pequim, ainda neste ano.
Hoje, "cerca de 40% de todos
os japoneses possuem um produto Vuitton", escreve, e uma
pesquisa recente mostrou que
em 2004 a mulher norte-americana média comprava mais de
quatro bolsas por ano.
Com mais pessoas visitando
as reluzentes Forum Shops do
Caesars Palace do que o Disney
World a cada ano, Las Vegas
transformou as compras em sinônimo de jogo e entretenimento, enquanto os outlets levaram as roupas e acessórios de grife ao alcance de muitos moradores de subúrbios.
As marcas de luxo de alto
perfil como Louis Vuitton,
Hermès e Cartier foram fundadas nos séculos 18 ou 19 por artesãos dedicados a criar artigos
belos e requintados para a corte
real da França e, depois, com a
queda da monarquia, para a
aristocracia européia e famílias
americanas proeminentes.
O luxo permaneceu, escreve
Thomas, "um domínio dos ricos e famosos" até que o "terremoto jovem dos anos 1960"
derrubou as barreiras sociais e
o elitismo. Ele ficaria fora de
moda "até que um novo e poderoso grupo demográfico -a
mulher executiva solteira-
surgisse nos anos 1980".
Enquanto a renda disponível
e as dívidas no cartão de crédito
cresciam nos países industrializados, a classe média se tornou
alvo dos comerciantes de luxo,
que despejaram dinheiro em
campanhas de publicidade provocativas e cortejaram estrelas
de cinema e celebridades como
ícones da moda.
Para maximizar os lucros,
muitas empresas procuraram
maneiras de aparar arestas: começaram a usar materiais mais
baratos, terceirizaram a produção para os países em desenvolvimento (enquanto falsamente
diziam que seus produtos eram
feitos na Europa Ocidental) e
substituíram o artesanato manual pela produção em linha.
Os produtos clássicos que deveriam durar anos deram lugar,
cada vez mais, a artigos de "tendência", com curto prazo de validade; também foram lançadas
linhas mais baratas, com artigos mais simples como camisetas e nécessaires.
Sem brilho
Embora o livro cite Anna
Wintour, a editora da "Vogue"
norte-americana, dizendo que
essas mudanças significam que
"mais pessoas terão uma moda
melhor" e "quanto mais gente
puder usar moda, melhor", a
autora chega a uma conclusão
mais elitista e pessimista.
"A indústria do luxo mudou a
maneira de as pessoas se vestirem. Ela realinhou nosso sistema de classes econômicas. Mudou a maneira como interagimos com os outros. Tornou-se
parte de nosso tecido social",
ela escreve. "Para alcançar isso,
sacrificou a integridade, sabotou seus produtos, maculou sua
história e enganou os consumidores. Para tornar o luxo "acessível", os magnatas o despiram
de tudo o que o tornava especial. O luxo perdeu o brilho."
Este texto foi publicado no "New York Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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