São Paulo, Domingo, 26 de Dezembro de 1999


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OS NOVOS DEZ MANDAMENTOS

Peter Burke


Por mais que aspirem à universalidade, regras morais (estas incluídas) são fruto de sua era. O velho Decálogo era uma resposta aos problemas do Oriente Médio milhares de anos atrás, quando os judeus eram uma comunidade relativamente pequena, em guerra contra os "idólatras" que os cercavam. Como em outras pequenas comunidades, o conceito de "vizinho" era central às vidas deles, e é por isso que a palavra ocorre três vezes nas regras de Moisés, com referência ao falso testemunho e à cobiça pela mulher e os bens alheios.
Em uma era de urbanização, capitalismo e nacionalismo como a nossa, regras suplementares são claramente necessárias. Ao formulá-las, tentei ao máximo adotar um ponto de vista global. As regras 1 e 2, portanto, estão relacionadas à pressão da expansão populacional sobre os recursos do planeta, quer o contexto local seja a destruição da floresta tropical na Amazônia ou a ameaça que os consumidores europeus representam para a camada de ozônio. A regra 3 adapta a linguagem da Bíblia à ascensão do capitalismo. As regras 4 a 7 tratam do retorno do nacionalismo violento e podem ser resumidas no sétimo ponto, que as três regras anteriores servem para ilustrar. "Meu país, certo ou errado" era um notório slogan europeu no século 19, mas segui-lo hoje seria suicida, além de imoral. As regras 8 a 10 são tentativas de formulação ainda mais gerais. A número 8 trata de mentalidades, especialmente a mentalidade etnocêntrica que, consciente ou inconscientemente, embasa boa parte da violência praticada no mundo hoje. A número 9 trata do que poderia ser chamado de "idolatria das instituições", o equivalente ao ponto que o velho Decálogo oferecia sobre os falsos deuses. O décimo mandamento tem por objetivo servir de lembrete, nesta era de mundialização, de que o conceito de "vizinho" precisa ser estendido quase que indefinidamente.

1. Conservarás o meio ambiente.
2. Não superpovoarás a Terra.
3. Não explorarás teu vizinho.
4. Não praticarás limpeza étnica.
5. Não usarás bombas como método de persuasão
política.
6. Não esquecerás os crimes contra a humanidade do
século 20.
7. Não te dedicarás a teu país, "certo ou errado".
8. Não presumirás que o teu grupo ocupa o centro do
universo.
9. Não prezarás instituições (países, empresas, partidos,
igrejas etc.) acima das pessoas.
10. Tratarás a todos como vizinhos.


Peter Burke é historiador inglês, autor de "A Arte da Conversação" (Unesp) e "O Renascimento Italiano" (Nova Alexandria), entre outros.
Tradução de Paulo Migliacci.


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