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OS NOVOS DEZ MANDAMENTOS
Robert Kurz
1. Não traficarás com órgãos humanos.
2. Não mandarás traçar o mapa astral de
teu cachorro.
3. Não comerás de pé.
4. Não farás jogging no acostamento.
5. Não pensarás com outro órgão senão
teu cérebro.
6. Não urinarás na água da banheira.
7. Não telefonarás sentado no vaso
sanitário.
8. Serás simpático com os extraterrestres.
9. Não farás sexo no elevador.
10. Não vestirás a calça pelo avesso.
Quanto menos se fala de crítica social,
mais estridente é o apelo da empresa ética. Cada qual tem de equacionar as contradições da ordem dominante em seu
próprio íntimo e contorná-las eticamente em sua ação individual. Para isso é que
existem os mandamentos. Mas, de todas
as sociedades, a capitalista é a menos talhado para a ética. Nela vale tudo (mas
tudo mesmo, sem exceção), com a ressalva do cálculo econômico nu. Quando
os custos parecem elevados demais,
mesmo os mandamentos elementares
não são cumpridos. Por outro lado, a
pessoa não se peja de cometer os pecados
mais atrozes, caso rendam muito. Para
dissimular seu analfabetismo social, outrora o burguês atentava estritamente
para as formalidades. Mas na cultura
trash pós-moderna, não há mais nem sequer a fachada do bom gosto e da boa
conduta; mesmo a etiqueta formal do
barão Von Knigge sumiu. Ora, o sujeito
que aparece para almoços de negócios
vestindo fraque de "smoking" e calças de
abrigo, este vende a própria mãe para
traficantes de órgãos ou serra o cônjuge
em pedacinhos para embolsar o seguro
de vida. Dez mandamentos para um tipo
assim só podem ser uma ironia. Mas não
uma ironia cúmplice, na qual o homem
pós-moderno vê retratadas suas próprias obsessões inocentemente. E sim
uma ironia perversa, da qual aflora o que
ele realmente é: um bárbaro de segunda
linha, tão infantil quanto tecnicamente
aprovisionado, supersticioso, parvamente egoísta e ao mesmo tempo agressivo consigo mesmo e autodestrutivo.
Numa palavra: uma criatura pós-civilizatória. Portanto a mensagem é esta:
quem precisa de tais mandamentos já é
um caso perdido.
Robert Kurz é sociólogo e ensaísta alemão, autor, entre outros, de "O Colapso da Modernização" (Ed. Paz e
Terra) e "Os Últimos Combates" (Ed. Vozes).
Tradução de José Marcos Macedo.
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