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OS NOVOS DEZ MANDAMENTOS
Kenneth Maxwell
Eu havia esquecido quais são os dez mandamentos, devo confessar. Então peguei uma antiga Bíblia e
os procurei em Êxodo, 20. Surpreendeu-me como
minha memória havia confundido Moisés com as
pregações do Sermão da Montanha, que então procurei em Mateus, 5. Não sou uma pessoa religiosa, o
que explica minha ignorância, mas, depois de relembrar, continuei lendo, perdido na maravilhosa linguagem da grande edição do rei James, e perguntei-me por que demorei tanto a fazê-lo. Suponho que foi
uma reação à experiência de ser obrigado a frequentar o culto religioso pelo menos quatro vezes por dia
no internato, dos 9 aos 19 anos. Mas isso faz 40 anos e
não serve como desculpa; então peguei meu Shakespeare, que também éramos obrigados a ler, e com
cujas peças me apresentava todos os anos no teatro
da escola, e percebi que foi uma dádiva ser imerso
nessa linguagem e submetido a ela quatro vezes por
dia durante dez anos, e como essa experiência deve
ter influenciado profundamente minha escrita. Assim, meu primeiro mandamento é voltar a ler os
clássicos, não por dever, mas por prazer.
Os mandamentos originais nos dizem para honrar
pai e mãe. Perdi meu pai neste ano. Eu tinha viajado
ao Brasil e, assim que desci do avião em Nova York,
recebi a notícia. Fora algo súbito, inesperado, e voei
em seguida para a Inglaterra. Na pequena cidade de
Devon onde ele morava, tudo parecia dickensiano,
íntimo e notavelmente sem mudanças no que se refere às questões importantes como vida e morte. Eu
estivera em Belo Horizonte na véspera de deixar o
Brasil, dando uma palestra sobre a Inconfidência
Mineira. Antes, havia caminhado até o Palácio da Liberdade para uma agradável reunião com Itamar
Franco e, depois, fui convidado para jantar com alguns de seus partidários políticos, velhos nacionalistas decididos a combater o "sociólogo paulista" do
Planalto com todos os meios legítimos disponíveis.
Comemos carne, tomamos uísque escocês e fiquei
convencido de que eles estavam realmente dispostos
a fazer o que diziam. Um deles havia perdido o filho,
e era sua primeira noite fora de casa. Conversamos
sobre o fato, sem imaginar que na manhã seguinte
meu pai morreria. Então, meu segundo mandamento é respeitar a tradição, não para exercer reação,
mas para que, nas ocasiões de grande perda, sejamos
capazes de agradecer pela vida com palavras que gerações de falecidos têm considerado reconfortantes.
Devo terminar o que começo. Tenho demasiados
projetos, livros, artigos, obrigações inconclusas. Meu
terceiro mandamento é terminar tudo isso.
Quarto: agradecer às pessoas com mais frequência
pelo que fazem por mim. Tenho essa intenção, é claro, mas intenções não bastam. Não é bom esperar.
Devo fazê-lo.
Quinto: atender aos telefonemas.
Sexto: tentar ser filosófico em relação às organizações sem fins lucrativos. Eu trabalho em uma delas.
Lembro que alguns anos atrás estava no elevador da
Bolsa de Nova York com um grupo de executivos de
uma fundação, quando entraram dois corretores detestáveis. Eles nos olharam e disseram em voz alta
que estava "cheirando a falta de lucros". Sei o que
queriam dizer.
Assim como as universidades, as entidades sem
fins lucrativos sofrem da praga das "divergências
menores", um fenômeno que cria tempestades em
copo d'água e gera deficiências grotescas e notáveis
antagonismos pessoais, ressentimentos e ciúmes. Eu
odeio isso, mas acho que tenho que me acostumar.
Sétimo: eu gostaria de escrever um livro que realmente dê dinheiro. Poderia livrar-me da necessidade
de trabalhar numa entidade não-lucrativa.
Oitavo: eu pensava que os dez mandamentos diziam alguma coisa sobre perdoar nossos inimigos.
Fico aliviado ao ver que minha edição do rei James
não o diz. Tento perdoar os inimigos, mas, francamente, acho difícil. Eu não tinha percebido a que
ponto isso é uma característica familiar. Os Maxwell,
originalmente um clã das planícies da Escócia que
roubava gado e assaltava viajantes, eram famosos,
soube recentemente, por jamais esquecer, muito
menos perdoar. Parece que os Maxwell e os Johnson,
outro clã das fronteiras, travaram uma luta sangrenta durante várias gerações, ao longo de séculos, e enfeitavam suas casas com a pele arrancada dos inimigos. Portanto fico aliviado por saber que meu justificado antagonismo contra alguns brasilianistas tem
origem histórica. Mas sei que isso é errado e tentarei
melhorar.
Nono: vou fazer mais exercícios. Adoro nadar, mas
no lugar onde vivo a piscina congela durante três
meses. Preciso encontrar um esporte de inverno que
me agrade e seja prático.
Décimo: devo ir ao Brasil com mais frequência.
Quando deixei o Brasil, após uma estada de dois
anos na década de 60, pensei que voltaria logo e com
frequência. Mas não aconteceu. O regime militar tornou impossível durante algum tempo, depois me envolvi em outros assuntos. Houve uma longa lacuna
de dez anos antes que eu voltasse, e agora não é fácil
escapar pelo tempo necessário para uma temporada
razoável. Numa recente resenha de um de meus livros, Frederic Mauro disse que escrevo "du haut de
son observatoire new yorkais" (ele falava sobre Portugal, na verdade, e não sobre o Brasil, o que é um
consolo). Mas esse é certamente um problema. Como estudante, no Rio, eu desprezava aqueles estrangeiros sabichões que passavam alguns dias lá e falavam autoritariamente sobre todos os assuntos, e
prometi nunca me tornar um deles. Como voltei a
abordar assuntos brasileiros, devo lembrar minha
resolução da juventude.
Kenneth Maxwell é historiador inglês, autor, entre outros, de "A Devassa da Devassa" e "Pombal - Paradoxos do Iluminismo" (ambos pela
Paz e Terra).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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