São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2008

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COMEÇA O ANO MACHADO DE ASSIS

Correspondência passiva e crônicas devem trazer novidades para o debate durante as comemorações do centenário da morte do escritor

Instituto Moreira Salles/Divulgação
Foto de Machado feita em 1890, pelo fotógrafo Marc Ferrez; cartas da ABL sugerem que imagem de carrancudo é injusta


ALEXANDRA MORAES
MARCOS STRECKER

DA REPORTAGEM LOCAL

O centenário da morte de Machado de Assis deve ser marcado pela valorização de aspectos pouco explorados da sua obra, como a correspondência passiva e o conjunto de suas crônicas. Mas pesquisadores ainda apontam uma relutância da crítica em explorar toda a "variedade da obra" do fundador da Academia Brasileira de Letras, assim como indicam uma falta de renovação dos estudos machadianos.
Para lembrar os cem anos da morte do escritor -que se completam em 29 de setembro-, começaram a ser anunciados eventos, publicações de textos sobre e de Machado e edições de novas coletâneas (leia nas págs. 6 e 7).
Na última semana, foi divulgado que Machado será o grande homenageado da 6ª edição da Flip (Festa Literária Internacional de Parati), que acontecerá de 2 a 6 de julho.
A lista de eventos é extensa. A Academia Brasileira de Letras terá exposições comemorativas e conferências. A USP prepara um colóquio. A Unesp promove no fim de agosto um simpósio internacional em São Paulo. Em setembro, a Fundação Casa de Rui Barbosa (RJ) organiza um ciclo de palestras sobre os contos do escritor.
E, em outubro, a Universidade Yale (EUA) vai sediar um congresso sobre o brasileiro.

Correspondência
Uma das boas-novas é a publicação da correspondência passiva do autor. Diretor do arquivo da ABL, o cientista político Sergio Paulo Rouanet prepara o lançamento do primeiro volume das cartas recebidas pelo escritor, que vai até 1889. "Sempre me espantou o fato de que uma parcela tão substancial das cartas recebidas por Machado de Assis, hoje em poder da Academia, tivesse permanecido inédita", diz Rouanet, que estima em cerca de 700 as epístolas recebidas por ele e guardadas na ABL.
"Comparado com o acervo existente, o que tinha sido publicado nessa área era insignificante". Para Rouanet, "essa pouca importância atribuída à correspondência passiva parece derivar da idéia estranha de que as cartas escritas por Machado são mais relevantes que as recebidas, o que significa desconhecer a especificidade do gênero epistolar, cujo caráter dialógico é evidentemente essencial. Esquecer os interlocutores de Machado é transformar o diálogo em monólogo".
A correspondência de sua juventude contradiz a imagem carrancuda que é freqüentemente associada ao escritor. "Não há sinal de misantropia nessas cartas", afirma Rouanet. "É nas cartas de maturidade e de velhice que se nota o famoso pessimismo machadiano." O imortal, porém, observa que "nas duas fases são cartas afetuosas, que mostram que Machado podia ser cético, mas nunca niilista, porque acreditava ao menos na amizade".
Professor-assistente da Universidade Princeton, Pedro Meira Monteiro atribui o interesse pelo lado menos celebrado do escritor à "esperança de que o "secundário" ilumine não apenas o material mais conhecido, mas que também ajude a matizar a compreensão do autor, permitindo que se compreenda melhor uma "evolução" da obra não propriamente linear".

Crônicas
Outro ramo aparentemente secundário que ressurge para a efeméride são as crônicas de Machado de Assis, escritas ao longo de quase 50 anos. "São fundamentais para a compreensão do seu pensamento político e estético", defende Lúcia Granja, professora da Unesp, uma das responsáveis pelo portal na internet que pretende reunir o material -baseado em microfilmes dos periódicos, que estão na Biblioteca Nacional.
O site (www.machadodeas sis.unesp.br, ainda em fase experimental) também deve abrigar textos publicados na imprensa por ocasião da morte do escritor, além de outros escritos 50 anos mais tarde.
Para Granja, a crônica "é o lugar correto para questionarmos a pecha de absenteísmo que recai sobre o escritor e o espaço em que ele experimentou esteticamente a forma da narrativa muitas vezes".
Ela sublinha a ironia "devastadora" como um dos pontos altos desses textos: "Ficamos muito mais próximos de seu pensamento crítico". A pesquisadora também prepara edição das crônicas com o crítico britânico John Gledson, pela editora da Unicamp.

Dificuldade de renovação
Sobre a ainda presente dificuldade de interpretação da obra do escritor, Gledson aponta "uma certa relutância em se ver a variedade da obra". Para o pesquisador, "há um velho preconceito que diz que Machado é monótono, que a gama de emoções e até de idéias e situações na sua ficção é limitada". Para Gledson, "esse preconceito vai de mãos dadas com uma incapacidade que muitas pessoas têm de entender a ironia machadiana".
O crítico português Abel Barros Baptista, autor de "Autobibliografias - Solicitação do livro na ficção de Machado de Assis" (ed. Unicamp), aponta uma dificuldade da renovação dos estudos dedicados ao autor. "Há um paradigma que vai se reproduzindo nos novos trabalhos, que ainda giram em torno das interpretações de Roberto Schwarz e Alfredo Bosi", diz.
Para Barros Baptista, estudos renovadores como o da americana Helen Caldwell, nos anos 60, são raros e muitas vezes precisam partir do olhar estrangeiro. "Depois, os trabalhos [no Brasil] apenas tentam restabelecer a normalidade nos estudos machadianos". Em Portugal, o pesquisador diz que Machado não tem despertado muitas pesquisas e que o centenário não deve gerar debates. "Há um desconhecimento grande em relação a Machado aqui. Parte da culpa é da analogia que se faz com Eça de Queirós, de que Machado seria o seu correspondente brasileiro. Isso é profundamente injusto".


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