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Em seu novo livro, Fredric Jameson desvenda as bases poéticas e históricas da dialética de Brecht
O Tao do marxismo
Sérgio de Carvalho
especial para a Folha
Certos pensamentos são como os burocratas -teriam que possibilitar a
produção, mas, ao invés disso, eles a dificultam. Essa observação de Brecht se refere a tudo o que "O Método Brecht", de
Fredric Jameson, não faz -não se serve
de generalidades, não proclama empecilhos, não foge do problema, não hiperestima o estágio atual do capitalismo.
É um trabalho realmente útil porque
consegue dar respostas afirmativas à
pergunta sobre a utilidade contemporânea de Brecht (1898-1956) e sobretudo
porque desmascara um certo comportamento paralisante da crítica de arte atual,
presente tanto na despolitização diversiforme dos pós-modernistas multiculturalistas (que, no fundo, escrevem a serviço de uma visão política) como também
presente no rigorismo de outros críticos
mais lúcidos, que, no compasso da dialética negativa, parecem andar mais interessados no tema do esvaziamento da esquerda do que em realizar a passagem
disso para o projeto de um caminho possível para uma sociedade melhor.
Operação concreta
O ensaio de Jameson é útil porque examina o procedimento artístico de Brecht do ponto de
vista de sua praticabilidade. Filia-se assim ao melhor da tradição crítica brechtiana, não a dos parafraseadores de aspectos isolados, mas a daqueles que tentam reconhecer na obra do poeta alemão
um grande processo -o que Jameson
chama de "método"- , em que cada ato
artístico é uma operação concreta que se
dá em relação de interlocução momentânea e projetiva e sem que a análise deixe
de assumir que ela própria também se
inscreve num momento histórico.
Foi nesse sentido que Walter Benjamin
desenvolveu o conceito de "produtor" e
que Bernard Dort falou
em um "sistema" e que
José Antonio Pasta Jr. discutiu a classicidade antiburguesa de Brecht como
um "trabalho", operação
em que teoria e prática se
sintetizam, num estudo,
diga-se de passagem, excelente e que chega a observações muito
semelhantes às de Fredric Jameson.
O "método" brechtiano não se desenvolve, portanto, do lado de fora da obra,
mas sim a organizando e sendo organizado pela materialidade dinâmica da
dramaturgia, dos escritos teóricos e da
atitude artística em relação aos meios de
produção. Numa passagem, Jameson
compara o "método" a um manual de
mecânica popular, imagem que sugere
tanto o antiformalismo dos procedimentos como seu intuito de uma pedagogia
destinada a produtores (e não a consumidores) que concebe os espectadores
como "atores" no sentido mais original
do termo.
O mais inesperado, no entanto, é o modo como apresenta o específico da dialética brechtiana, que, sem abrir mão das
categorias tradicionais do materialismo
histórico, parece ser movida por uma espécie de "metafísica" chinesa, resultando
num "Tao marxista" que atua a partir de
contradições não só históricas, mas poéticas, em que o primado do social e do
compromisso político se
sintetiza em uma ética
produtiva.
Com fragmentos do
"Me-Ti/Livro das Reviravoltas", de Brecht, Fredric
Jameson demonstra a
"operação" brechtiana
em três planos: na linguagem, nos modelos narrativos e no modo
de pensamento. Estuda o provérbio como padrão de linguagem, entendido como forma portadora da luta de classe,
como síntese de experiência dos explorados, visão próxima à dos modos de produção agrários, a que Brecht conjugará
os ritmos de tecnologias modernas, como o rádio.
Estuda também o gosto brechtiano pelas formas narrativas que exigem juízos
sobre contradições, como a parábola e o
"caso" jurídico, concebidas como "gestus" na medida em que concretizam processos sociais característicos. Jameson
estuda, em última instância, uma doutrina do estranhamento possibilitadora de
uma práxis.
Olhar revitalizador
Para quem tomou ao pé da letra a opinião de que o
"estranhamento" brechtiano perdeu a
eficácia nas atuais circunstâncias históricas porque seu alinhamento automático
com o socialismo se tornou ideologia, Jameson propõe um olhar revitalizador. O
estranhamento, como técnica de objetualização das formas, é des-objetualizador quando instaura um processo de
aprendizagem da história, quando propicia a intervenção conceitual nos acontecimentos.
O crucial desse processo não é oferecer
uma teoria positiva das consequências (o
melhor do teatro brechtiano está no desvendamento cômico do que não devia
ser essa sociedade), mas é sobretudo não
evitá-las. Evitar as consequências transformadoras é que se constitui em ideologia. E sem uma meta -que continua a
ser a construção do socialismo- o "método" Brecht não faz sentido, e a arte política está confinada à moralidade e ao
desespero. Numa época em que a atividade consequente não está na ordem do
dia e "o destino parece novamente desconectado da história", a ativação brechtiana propõe a retomada de um trabalho
coletivo, no mínimo o de superar a "idéia
de uma situação global que não pode ser
mudada".
O Método Brecht
240 págs., R$ 26,00
de Fredric Jameson. Tradução
de Maria Sílvia Betti. Ed. Vozes
(r. Frei Luís, 100, Petrópolis, RJ,
CEP 25689-900, tel. 0/xx/24/
237-5112).
Sérgio de Carvalho é professor de literatura dramática no departamento de artes cênicas da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do grupo
teatral Companhia do Latão.
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