São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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Correspondência com Goethe é marco da reflexão estética

MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR DO MAIS!

Obra monumental de reflexão estética, que atravessa os anos de 1794 e 1805, as cartas trocadas entre Schiller e Goethe são uma fonte quase inesgotável sobre a natureza da arte, poesia, literatura e, sobretudo, dramaturgia, interrompida apenas pela morte do autor de "Maria Stuart". Só seriam publicadas entre 1828 e 1829, por iniciativa de Goethe. Ao longo desses 11 anos, foi tão grande a interação entre ambos que o escritor Milan Kundera (1929), muito bem-humorado, os fundiria em um certo "Friedrich Wolfgang Schilloethe".
"Wallenstein", por exemplo, só tomou vulto na pena de Schiller a partir do estímulo do amigo, que chamou a trilogia de uma obra importante "tanto na prática quanto na teoria". Já o "Fausto", por sua vez, seria intensamente discutido a partir de carta de 22/6/1797.
Mas nem sempre foi assim. Cerimoniosamente convidado por Schiller, em 13/6/1794, para colaborar na revista "As Horas", Goethe mostrou-se reticente em princípio, embora fosse aceitar 11 dias depois: "Tenho dúvida se poderemos nos aproximar muito um do outro. Seu mundo não é o meu", diria o autor de "Werther" e "Wilhelm Meister".
Quando a correspondência tem início, Schiller desenvolvia sua distinção, que se tornaria fundamental, entre as poesias "ingênua" e "sentimental", fundadas não em codificações retóricas, mas em "modos de sentir". A "ingênua" era a de Homero, poeta antigo que apresentava a natureza como uma "perfeição finita". Já a poesia "sentimental" ou moderna, cujo ícone é Shakespeare, apresenta o homem enquanto "aperfeiçoamento infinito".
Tamanha densidade reflexiva, que acabou por estabelecer um cânone insuperável em relação ao gênero epistolar, levou Walter Benjamin a afirmar -em um momento de ascensão do nacional-socialismo- que a troca de cartas entre Schiller e Goethe "contribuiu para envenenar o ar que, na Alemanha, sempre cercou os cumes".
Mas não só de altas literaturas viveu essa "Correspondência". Também se nutriu de cenouras -que o autor do "Fausto" enviou ao amigo para "compensar o vazio" de uma carta- ou de preconceitos -Goethe jamais enviou recomendações à companheira de Schiller, embora este sempre tenha enviado cumprimentos à mulher daquele.


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