São Paulo, domingo, 27 de maio de 2007

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Mídia a 7 Chávez

Fechamento da emissora venezuelana RCTV, que deixa de transmitir a partir das 23h59 de hoje, revela o lado perverso do controle da informação pelo Estado

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Se suscitou debates na Europa, o artigo de Jürgen Habermas defendendo o financiamento do Estado aos meios de comunicação de qualidade foi ignorado na Venezuela.
O tema aqui é mais urgente e gira em torno da decisão do governo de Hugo Chávez de não renovar a concessão do canal
RCTV, que deixa de transmitir às 23h59 de hoje.
"Chávez está trabalhando para criar uma hegemonia midiática, e não um monopólio comunicacional, como em Cuba ou na União Soviética. É algo mais sofisticado", diz Teodoro Petkoff.
Ele prevê um papel sombrio para o "Tal Cual", jornal que dirige desde 2000: legitimar a hegemonia midiática do governo.
Estar à frente do mais combativo jornal anti-Chávez é apenas uma pequena parte da biografia de Petkoff, 75. Participou de uma guerrilha de esquerda, nos anos 1960, e foi ministro do Planejamento, nos anos 1990.
Com tiragem diária de 25 mil exemplares, o "Tal Cual" tem um formato único na Venezuela: traz na capa um editorial assinado por Petkoff desancando o governo Chávez. A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha.

 

FOLHA - Habermas parte da premissa de que o "quarto poder está a leilão". É esse o caso aqui?
TEODORO PETKOFF -
No caso venezuelano, não está sendo leiloado, está sendo ameaçado pelo primeiro e único poder da Venezuela, o poder político, concentrado em Hugo Chávez.
Não se pode aplicar esse conceito à história dos nossos meios, porque a propriedade dos meios de comunicação tem sido muito estável. Os grandes diários venezuelanos, para falar da imprensa escrita, têm os mesmos donos desde sempre.
Nossos problemas são completamente diferentes e têm a ver com um conflito entre a propensão fortemente autocrática e controladora do governo e a resistência, cujo mecanismo para a maioria é simplesmente a autocensura.

FOLHA - Mas o financiamento público é um tema de debate na Venezuela por causa da publicidade oficial, sobretudo da estatal petroleira, a PDVSA.
PETKOFF -
A publicidade oficial venezuelana tem um peso muito grande na pauta econômica dos meios de comunicação.
O Estado é o agente econômico mais poderoso da Venezuela, e isso tradicionalmente tem sido utilizado como meio de pressão -não foi Chávez quem inventou isso.
Só que, em outras épocas, nunca teve o caráter brutal que tem agora. Simplesmente a publicidade oficial foi negada durante anos a todos os meios de comunicação que tiveram posição crítica contrária ao governo.
Isso vem sido afrouxado ultimamente também porque a posição dos meios tem sido menos agressiva.
A publicidade oficial é um instrumento claríssimo de opressão porque aqui não há separação entre governo e Estado.
Uma vez que o governo decide não fazer publicidade num meio, não há instituição do Estado que anuncie ali.

FOLHA - O que muda na Venezuela com o fechamento da RCTV?
PETKOFF -
Vejo tudo de uma forma mais sofisticada. Chávez tem claro que o papel da televisão é muito mais importante do que o de qualquer outro meio.
Ele está trabalhando para criar uma hegemonia midiática, e não um monopólio comunicacional, como em Cuba ou na União Soviética. É uma coisa mais sofisticada, uma vez que já anularam o canal Venevisión [do megaempresário Gustavo Cisneros], que simplesmente se alinhou com o governo e está fechado a qualquer opinião distinta.
E o fechamento do Canal 2 significa que 80% dos telespectadores cobertos pelo canal ficam isolados de qualquer opinião distinta à do governo. Isso num país onde a televisão chega aos rincões mais afastados.
Se, ao lado disso, se coloca o enorme aparato comunicacional do governo -televisões, rádios, dezenas de pequenos jornais-, estamos diante de um Estado avassalador que hegemoniza a comunicação, mas pode coexistir com outro meios de alcance mais reduzido. Não há problema em coexistir com a Globovisión [crítico de Chávez], porque ela é só de Caracas.
Quanto à mídia impressa, o governo sabe perfeitamente que o nível de leitura, comparado com outros países, talvez seja o mais reduzido do continente. É um país de telespectadores.
Então, com os jornais, administrando a publicidade do Estado adequadamente, pode ir levando. E um jornal como o "Tal Cual" pode existir; não o vejo fechando-o neste momento. É uma lição de Fidel Castro, sobre como ser totalitário mantendo uma imagem internacional relativamente democrática.
É claro que isso permite a Chávez dizer que existe liberdade de expressão. Há imprensa escrita, há outros canais de televisão, não tem problema. A coisa é astuta. É o que alguns sociólogos chamam agora de neototalitarismo.


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