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PONTO DE FUGA
Cultura e cautela
JORGE COLI
especial para a Folha,
em Nova York
O Whitney Museum, em NY,
esvaziou todas as suas salas para apresentar uma vasta retrospectiva da cultura norte-americana do século 20. Duas partes
foram previstas: agora, a primeira metade do século; em setembro, a segunda. No catálogo, Maxwell L. Anderson exprime-se sobre os mecenas de há
cem anos, que só investiam nos
mestres franceses ou italianos,
ignorando os artistas locais:
"Eles, os milionários, relutavam em correr o risco de serem
vencidos numa arena em que o
dinheiro não traz socorro: a
arena do gosto". Essa insegurança perdura ainda. Intelectuais, críticos e colecionadores
nos EUA guardam posições tímidas e cautelosas, esperando
um reconhecimento internacional -leia-se europeu- para admirar as próprias artes. Isso faz com que a elevada qualidade da pintura americana que
precede a abstração dos anos
de 1950 seja desdenhada dentro
do país e, por conseguinte, ignorada fora dele.
Além de Hopper, de Georgia
O'Keeffe e do "American Gothic", de Grant Wood, que,
apesar de tudo, se impuseram,
outros artistas e obras permanecem na sombra. Ora, as experiências da vanguarda americana, desde o início, dialogavam com as manifestações européias, de modo atual, muitas
vezes inventando ou renovando. Além delas, um prodigioso
realismo volta-se, nesse período, para a sociedade moderna,
com originalidade técnica e
pictural, conseguindo um poder de análise e de dinâmica
plástica que nenhum outro país
ofereceu.
REAÇÕES - A exposição do
Whitney, intitulada "The American Century, Art & Culture",
sofreu vários ataques por parte
da crítica nova-iorquina. É verdade que a ambição em criar
um cruzamento entre todas as
formas artísticas florescentes
nos EUA entre 1900 e 1950, incluindo música e cinema, é excessiva e não podia mesmo
funcionar. A discussão sobre
uma identidade cultural americana, que era um objetivo proposto, também não deslancha.
Porém, os fios que se tecem ali
entre fotografia, artes decorativas e artes plásticas formam
uma trama expressiva. Seja como for, a imensa quantidade
das obras termina fornecendo
um panorama insubstituível.
Os críticos, em geral, não discutem tanto a mostra em si
mesma. Estão mais incomodados pelo fato de que uma produção artística, sentida como
um pouco vergonhosa por ser
considerada inferior, esteja
sendo posta em evidência. Essas obras constituíram o núcleo original do Whitney, criado por uma ricaça que escapou
dos comportamentos habituais, investindo em artistas do
próprio país. Ela formou o
mais importante de todos os
museus consagrados à arte
americana moderna.
SOTAQUE - Quando, em
1929, Gertrude Vanderbilt
Whitney decidiu doar sua fabulosa coleção de pintura americana contemporânea para o
Metropolitan Museum, viu sua
oferta recusada. O MoMA, que
acabara de ser fundado, interessava-se apenas por modernismo europeu. No mesmo clima, até hoje, a Orquestra Sinfônica de Boston nunca teve um
diretor titular norte-americano, nem mesmo Bernstein,
apesar do esforço que Koussevitzky fez para torná-lo seu sucessor. Um critério, sem dúvida, objetivo: não é pelo ouvido
que se reconhece a qualidade,
mas porque o maestro é estrangeiro.
PARAÍSOS - É inútil tentar
medir altura entre altíssimos e
definir os "maiores" do século.
Mas não há exagero em tomar
Vermeer como o horizonte de
Hopper, pintor do silêncio e da
solidão modernos, de paisagens urbanas onde a luz e a cor
unem-se em modulações que
não acabam nunca. Seu "Early
Sunday Morning", feito de verdes, vermelhos-surdos, amarelos e azuis, é como que uma nova "Vista de Delft" dos nossos
tempos.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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