São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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A nova geração

Crítico aponta as obras centrais do autor de "Dialética da Malandragem" e quatro de seus herdeiros

JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Talvez a geração de críticos que se encontra ao redor dos 40-45 anos tenha condições de criar uma forma nova de relação na vida intelectual brasileira.
Ora, não é verdade que a confiança narcísica nas próprias escolhas levou uma parte considerável das gerações anteriores a encenar um aborrecido jogo de soma zero?
A conseqüência mais séria dessa atitude se revelou na dificuldade de ampliação do horizonte de leitura, pois o repertório de autores discutidos permaneceu praticamente inalterado. Por isso mesmo, esse tipo de exercício crítico se definiu pela vocação da epigonia.
Não surpreende, pois, que em tal cenário o diálogo entre tendências contrárias reduzisse o outro ao monótono papel de adversário.

Novas perspectivas
Mas, nas últimas décadas, a historicização do conceito de literatura e a renovação do entendimento da própria idéia de teoria estimularam um modo alternativo de compreender o exercício crítico, sobretudo de esforços que não espelham nossas idiossincrasias.
Tornou-se assim possível reconhecer a contribuição de autores de diferentes perspectivas. Limito-me, por questões de espaço, a breves comentários sobre alguns autores de minha geração.
Evando Nascimento vem desenvolvendo uma reflexão de alta voltagem acerca das relações entre literatura, filosofia, artes plásticas e cinema.
Poucos pensadores estão tão bem preparados para produzir tensões produtivas a partir do atrito entre formações discursivas diversas. Em "Derrida e a Literatura" [ed. UFF], assim como em outros livros, articula uma forma própria de pensar o local da literatura no mundo contemporâneo.
"Os Leitores de Machado de Assis" [ed. Nankin], de Hélio Guimarães, é uma das mais importantes monografias escritas nos últimos anos.
Sintomaticamente, o livro reúne criativamente tendências rivais. De um lado, estuda as figurações do leitor no texto machadiano; de outro, investiga as condições históricas do leitor empírico de Machado.
Trata-se de livro que descortina um novo método.
Marcos Antonio de Moraes destaca-se como a mais completa vocação de pesquisador de minha geração.
Seu trabalho com a correspondência de Mário de Andrade representa uma contribuição teórica e metodológica incontornável. Em "Orgulho de Jamais Aconselhar - A Epistolografia de Mário de Andrade" [Edusp], acrescentou ao paciente comércio com o arquivo a necessária reflexão acerca do próprio gênero epistolar.
A pesquisa de Pedro Meira Monteiro concilia, com rara felicidade, erudição fina e capacidade de renovar os textos e temas com os quais lida. Se, em "A Queda do Aventureiro" [Unicamp], a reconstrução do diálogo de Sérgio Buarque de Holanda com Max Weber já evidenciava esse traço, em "Um Moralista nos Trópicos" [Boitempo], Meira Monteiro produziu um dos mais sutis e completos estudos de trocas e transferências culturais, radiografando o (des)encontro do Visconde Cairu com as máximas de La Rochefoucauld.

Livros centrais
Quanto às obras fundamentais de Antonio Candido, destaco dois livros e dois ensaios. Em "Introdução ao Método Crítico de Sílvio Romero" (1945), ao estudar o polêmico crítico oitocentista, Candido propôs uma inovadora análise da assimilação de teorias importadas, ou seja, das condições de produção de um pensamento autônomo nos chamados países periféricos.
De igual modo, principiou a desenvolver o projeto de elaboração conceitual da idéia de "sistema literário".
O conceito foi plenamente desenvolvido em "Formação da Literatura Brasileira" (1959):
uma autêntica análise combinatória, com base na consideração das inúmeras possibilidades de relacionamento entre os termos "autor", "público" e "obra" -e nada impede que novos termos se imponham, tornando a equação mais complexa. "Formação" é a mais relevante história literária escrita sob o influxo do modernismo.
Nesse sentido, pouco importa se a narrativa conclui na época da consolidação romântica do triângulo "autor-obra-público". O elemento decisivo é a oscilação entre o próprio e o alheio, a necessidade de afirmar-se a partir do comércio com o outro.
Em "Passagem do Dois ao Três" (1974, incluído em "Textos de Intervenção"), Candido desenvolveu uma aguda reflexão acerca do espinhoso tema das relações entre literatura e sociedade.
Ora, se os métodos de extração formal realmente produzem um conhecimento valioso sobre a estruturação do texto literário, não conseguem explicar por que esta e não aquela outra estrutura foi articulada.
Logo, o entendimento da transformação do dado externo em fatura interna ao texto representa uma relevante contribuição, perfeitamente desenvolvida em "Dialética da Malandragem" (1978), seu ensaio mais celebrado.


JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA é ensaísta e professor universitário, autor de "Exercícios Críticos" (ed. Argos), entre outros livros.


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