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Tropa de elite
Escola do Comitê Central do PC reduziu aulas sobre marxismo e hoje ensina "economia de mercado'; dirigentes só assumem depois de frequentar um "MBA em modelo chinês'
DE PEQUIM
Dois mil professores
para uma capacidade máxima de
2.000 alunos. Com
um professor por
aluno, a Escola do Comitê Central do Partido Comunista da
China é o exclusivo MBA da direção comunista.
Todos os futuros governadores e secretários-gerais do partido nas Províncias têm de estudar lá antes de assumir o cargo. Os prefeitos das 12 maiores
cidades chinesas também, bem
como presidentes de estatais,
futuros ministros, secretários e
seus principais assessores.
Há escolas do partido por todo o país, que antes serviam para doutrinar os novos membros, mas que hoje se dedicam
a aulas mais práticas de gerenciamento, macroeconomia e
até recursos humanos. Mas à
Escola do Comitê Central só se
chega quando já se está na elite
do partido -e ainda assim há
uma longa lista de espera.
Há cursos intensivos de dois
a seis meses e módulos que podem chegar a dois anos. Na
maior parte dos casos, o estudante precisa abandonar o cargo nacional, provincial ou municipal que ocupa para se dedicar apenas ao treinamento.
A escola é um edifício em estilo stalinista de dez andares situado em um subúrbio de Pequim, perto das duas melhores
universidades da China, a de
Pequim e a Tsinghua. Fica num
grande campus com jardim impecável e uma grande casa de
chá em estilo tradicional chinês, com dezenas de salas privativas onde os debates continuam após a aula.
A Folha teve uma rara permissão dada a um jornalista estrangeiro para visitar a escola.
Toda liderança do partido precisa passar por cinco módulos:
economia; sociologia e política
contemporâneas; defesa e força militar; tecnologia e "zeitgeist" -o último é adaptável
para os temas que estejam no
topo da agenda do partido.
Sob demanda
"Atualmente seminários de
urbanismo para entender o
planejamento de nossas metrópoles, políticas ambientais, de
saúde e de atração de investimentos são os mais requisitados", afirma o professor Hu
Zhenliang, que leciona socialismo científico na escola desde
1984 e organiza seminários solicitados pelos alunos.
"Até 1978, os alunos aprendiam mais marxismo e economia planificada; hoje lecionamos marxismo, mas a ênfase é
na economia de mercado", diz.
"Tivemos que adaptar as aulas
de marxismo a nossa realidade." Aulas de confucionismo, os
ensinamentos de Confúcio banidos até 2004, já fazem parte
do currículo.
Uma vez por semana, professores das universidades de Pequim e Tsinghua lecionam ali.
Professores estrangeiros também são bem-vindos, assim como embaixadores na China e
políticos de outros países em
visita a Pequim. Especialistas
da Universidade Harvard
(EUA) e da francesa Escola Nacional de Administração são
convidados como professores
visitantes.
"Elas são modelos para o que
queremos aqui", diz Hu, que estudou na francesa Sciences Po
e na Escola de Administração
Pública de Lausanne (Suíça).
Nas aulas de socialismo e
marxismo, o conteúdo também
inclui as "teorias" dos líderes
Deng Xiaoping, Hu Jintao e
Wen Jiabao. O primeiro é autor
do chamado "socialismo com
características chinesas", que
extraoficialmente enterrou o
comunismo e partiu para abraçar o capitalismo no país.
"A China, como o Brasil, precisa criar seu próprio modelo
de desenvolvimento, suas próprias teorias, porque nem tudo
que funciona nos EUA e na Europa funcionaria aqui", acrescenta Hu Zhenliang.
Missões mundo afora
Para reconstruir o país a partir dos anos 80, depois de 30
anos de caos político e econômico, o partido passou a enviar
missões pelo mundo para copiar, aprender e adaptar práticas bem-sucedidas em todas as
áreas.
Do sistema bancário à indústria turística, do metrô à produção de veículos, a China usou os
relatórios de seus aplicados oficiais e diplomatas.
"Para desenvolver a sociedade chinesa, é fundamental a
qualidade humana e profissional do governo, da burocracia,
de nossos políticos", diz Hu.
O professor diz não não ver
muita contradição entre as aulas de marxismo e o capitalismo ultraliberal que cresceu na
China.
"Em outros países, a direita
luta pelo crescimento econômico e a esquerda quer a divisão desses benefícios. O Partido Comunista chinês precisa
cuidar dos dois lados, por ser
partido único. Não é fácil."
Hu Zhenliang acrescenta que
o maior desafio nos próximos
anos é "dividir riqueza e prosperidade entre os milhões de
chineses que estão longe das
grandes cidades, para isso somos socialistas".
Mas muitos figurões do partido não esperam pela chance
de uma vaga na Escola do Comitê Central na hora de pensar
no futuro das crianças. Acredita-se que boa parte dos 300 mil
chineses que estudam nos
EUA, no Reino Unido e na Austrália sejam filhos de prefeitos,
governadores e gente do primeiro escalão político chinês.
"É muito caro mandar um jovem estudar nos EUA, então
boa parte dos 50 mil chineses
em universidades americanas
certamente tem pais na hierarquia do partido", diz o cientista
político Victor Shih, professor
da Universidade Northwestern
(EUA).
"Mas os estudantes chineses
nos EUA sempre contam a história de que receberam um empréstimo de uma tia, do avô,
nunca vão dizer que seus pais
ficaram milionários", diz Shih.
O partido começa a cooptar
as melhores cabeças no ensino
médio chinês. Aos 15 anos, os
melhores alunos já são convidados para eventos da Liga da
Juventude Comunista. O mesmo se repete nas universidades
chinesas.
Ser bom aluno não é fundamental para ascender no PC
chinês. Segundo o próprio Hu,
dois terços dos ex-alunos da escola serão promovidos em suas
áreas independentemente das
notas tiradas no MBA do comunismo chinês.
(RAUL JUSTE LORES)
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