São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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Tropa de elite

Escola do Comitê Central do PC reduziu aulas sobre marxismo e hoje ensina "economia de mercado'; dirigentes só assumem depois de frequentar um "MBA em modelo chinês'

DE PEQUIM

Dois mil professores para uma capacidade máxima de 2.000 alunos. Com um professor por aluno, a Escola do Comitê Central do Partido Comunista da China é o exclusivo MBA da direção comunista.
Todos os futuros governadores e secretários-gerais do partido nas Províncias têm de estudar lá antes de assumir o cargo. Os prefeitos das 12 maiores cidades chinesas também, bem como presidentes de estatais, futuros ministros, secretários e seus principais assessores.
Há escolas do partido por todo o país, que antes serviam para doutrinar os novos membros, mas que hoje se dedicam a aulas mais práticas de gerenciamento, macroeconomia e até recursos humanos. Mas à Escola do Comitê Central só se chega quando já se está na elite do partido -e ainda assim há uma longa lista de espera.
Há cursos intensivos de dois a seis meses e módulos que podem chegar a dois anos. Na maior parte dos casos, o estudante precisa abandonar o cargo nacional, provincial ou municipal que ocupa para se dedicar apenas ao treinamento.
A escola é um edifício em estilo stalinista de dez andares situado em um subúrbio de Pequim, perto das duas melhores universidades da China, a de Pequim e a Tsinghua. Fica num grande campus com jardim impecável e uma grande casa de chá em estilo tradicional chinês, com dezenas de salas privativas onde os debates continuam após a aula.
A Folha teve uma rara permissão dada a um jornalista estrangeiro para visitar a escola. Toda liderança do partido precisa passar por cinco módulos: economia; sociologia e política contemporâneas; defesa e força militar; tecnologia e "zeitgeist" -o último é adaptável para os temas que estejam no topo da agenda do partido.

Sob demanda
"Atualmente seminários de urbanismo para entender o planejamento de nossas metrópoles, políticas ambientais, de saúde e de atração de investimentos são os mais requisitados", afirma o professor Hu Zhenliang, que leciona socialismo científico na escola desde 1984 e organiza seminários solicitados pelos alunos.
"Até 1978, os alunos aprendiam mais marxismo e economia planificada; hoje lecionamos marxismo, mas a ênfase é na economia de mercado", diz. "Tivemos que adaptar as aulas de marxismo a nossa realidade." Aulas de confucionismo, os ensinamentos de Confúcio banidos até 2004, já fazem parte do currículo.
Uma vez por semana, professores das universidades de Pequim e Tsinghua lecionam ali. Professores estrangeiros também são bem-vindos, assim como embaixadores na China e políticos de outros países em visita a Pequim. Especialistas da Universidade Harvard (EUA) e da francesa Escola Nacional de Administração são convidados como professores visitantes.
"Elas são modelos para o que queremos aqui", diz Hu, que estudou na francesa Sciences Po e na Escola de Administração Pública de Lausanne (Suíça).
Nas aulas de socialismo e marxismo, o conteúdo também inclui as "teorias" dos líderes Deng Xiaoping, Hu Jintao e Wen Jiabao. O primeiro é autor do chamado "socialismo com características chinesas", que extraoficialmente enterrou o comunismo e partiu para abraçar o capitalismo no país.
"A China, como o Brasil, precisa criar seu próprio modelo de desenvolvimento, suas próprias teorias, porque nem tudo que funciona nos EUA e na Europa funcionaria aqui", acrescenta Hu Zhenliang.

Missões mundo afora
Para reconstruir o país a partir dos anos 80, depois de 30 anos de caos político e econômico, o partido passou a enviar missões pelo mundo para copiar, aprender e adaptar práticas bem-sucedidas em todas as áreas.
Do sistema bancário à indústria turística, do metrô à produção de veículos, a China usou os relatórios de seus aplicados oficiais e diplomatas.
"Para desenvolver a sociedade chinesa, é fundamental a qualidade humana e profissional do governo, da burocracia, de nossos políticos", diz Hu.
O professor diz não não ver muita contradição entre as aulas de marxismo e o capitalismo ultraliberal que cresceu na China.
"Em outros países, a direita luta pelo crescimento econômico e a esquerda quer a divisão desses benefícios. O Partido Comunista chinês precisa cuidar dos dois lados, por ser partido único. Não é fácil."
Hu Zhenliang acrescenta que o maior desafio nos próximos anos é "dividir riqueza e prosperidade entre os milhões de chineses que estão longe das grandes cidades, para isso somos socialistas".
Mas muitos figurões do partido não esperam pela chance de uma vaga na Escola do Comitê Central na hora de pensar no futuro das crianças. Acredita-se que boa parte dos 300 mil chineses que estudam nos EUA, no Reino Unido e na Austrália sejam filhos de prefeitos, governadores e gente do primeiro escalão político chinês.
"É muito caro mandar um jovem estudar nos EUA, então boa parte dos 50 mil chineses em universidades americanas certamente tem pais na hierarquia do partido", diz o cientista político Victor Shih, professor da Universidade Northwestern (EUA).
"Mas os estudantes chineses nos EUA sempre contam a história de que receberam um empréstimo de uma tia, do avô, nunca vão dizer que seus pais ficaram milionários", diz Shih.
O partido começa a cooptar as melhores cabeças no ensino médio chinês. Aos 15 anos, os melhores alunos já são convidados para eventos da Liga da Juventude Comunista. O mesmo se repete nas universidades chinesas.
Ser bom aluno não é fundamental para ascender no PC chinês. Segundo o próprio Hu, dois terços dos ex-alunos da escola serão promovidos em suas áreas independentemente das notas tiradas no MBA do comunismo chinês.
(RAUL JUSTE LORES)


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