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Ofensiva de imagem
China convida comitivas de jornalistas estrangeiros,
faz pose
de "humilde'
ao dizer
que não é
"superpotência",
mas deixa
claro que
não abrirá mão de autonomia
e receituário político próprio
VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL À CHINA
A
China não é uma
superpotência e
não agirá como superpotência. É apenas um país em desenvolvimento que tem muitas
questões internas a resolver
-como a crescente desigualdade social e enormes problemas
ambientais- antes de pensar
em dominar o mundo.
Essas frases são uma espécie
de mantra repetido por vários
dirigentes chineses, de pequenos funcionários provinciais a
membros do Comitê Central
do Partido Comunista chinês,
que governa o país.
É talvez a principal mensagem que a China quer passar ao
mundo nos 60 anos da revolução feita por Mao Tse-tung, em
1949, que unificou o país.
A China teme a consolidação
de um sentimento anti-China,
a exemplo do antiamericanismo, que trouxe e traz tantos
problemas aos EUA.
"Quando não tínhamos crescimento, diziam que éramos
débeis. Agora que crescemos,
dizem que somos uma ameaça
para o mundo", afirma Xu
Ying, vice-diretor do Gabinete
de Comunicação do Conselho
de Estado da China.
Xu diz que a China tem também razões históricas para não
se portar como superpotência.
Lembra que o país sofreu muito nas mãos de impérios (Japão
e Reino Unido, principalmente) que invadiram o seu território e exploraram o seu povo.
Mas o discurso dos dirigentes é contrariado pela prática
porque a China apresenta vários cacoetes de uma potência.
Se não utiliza força militar,
apesar de fazer investimentos
nessa área, planeja como ninguém avanços no "soft power",
principalmente através dos
meios de comunicação.
O governo quer divulgar a
imagem de "boa moça" da China e, para isso, prepara uma rede mundial de notícias, como a
CNN ou a Al Jazeera.
Já a Rádio China Internacional transmite hoje para todo o
mundo programas em 38 línguas e outros 5 dialetos. Possui
também 53 websites em línguas estrangeiras.
Um programa chamado "Aula de Confucionismo Radiofônico", para ensinar mandarim,
está se expandindo pelo globo.
O governo também busca
uma propaganda positiva do
país por meio de jornalistas
ocidentais que convida quase
todas as semanas para conhecer os avanços do novo "Eldorado do mundo".
No início deste mês, foi a vez
de dez jornalistas latino-americanos. No roteiro da viagem estavam as óbvias e prósperas
Pequim, Nanquim e Xangai,
com seus megashoppings, jovens ocidentalizados e carros
de luxo por todo lado. Mas
também foi incluída a província de Guizhou, ao sul, a região
menos desenvolvida da China,
segundo os dados oficiais.
Guizhou é um exemplo escancarado da desigualdade chinesa. Na avenida principal de
sua capital, Guiyang, muitos
Audis e lojas de grifes ocidentais, como Versace e Cartier;
nas vias perpendiculares, muita sujeira e milhares de pessoas
comendo nas ruas espetinhos
de animais que ficam expostos
crus sem refrigeração. Parece
que há dois mundos. Ou duas
épocas, a velha e a nova China.
Também em Guizhou é possível encontrar trabalhadores
que recebem 180 yuans por
mês, menos de R$ 54.
Os chineses reconhecem o
problema da desigualdade econômica, mas acreditam que há
um remédio melhor para ela
que o assistencialismo.
Creem que os ricos servirão
de exemplo para que os demais
se esforcem para subir na vida.
Além disso, recorrem a Deng
Xiaoping, artífice da abertura
econômica a partir de 1978, que
incentivava as pessoas a enriquecer, porque, dizia, não há
socialismo sem riqueza.
Em um outro claro exercício
de propaganda, a comitiva de
jornalistas é levada a conhecer
uma "feliz" comunidade miao,
uma das mais de 50 minorias
étnicas da China, e condomínios onde "felizes" camponeses
desalojados de suas terras por
obras de infraestrutura vivem
em apartamentos de 160 metros quadrados!
Minorias descontentes, como uigures e tibetanos, não devem nem sequer ser mencionadas. Se os jornalistas insistem
numa pergunta, a resposta vem
um pouco torcida: temos várias
ações afirmativas para as minorias, que têm permissão para
ter mais de um filho (para os
han, a maioria, continua valendo a política do filho único) e
bônus para entrar em universidades e para obter promoções
no emprego.
Condições
Há outras duas mensagens
que emergem dos discursos dos
dirigentes chineses além dessa
propagação da imagem de uma
China do bem.
A primeira é mais do que
uma mensagem, é um aviso.
Afirmam: não somos bobos e os
tempos do vale-tudo acabaram.
Dizem que a China ainda
quer investimentos do mundo,
mas com condições; que hoje o
país rejeita empresas muito poluidoras e que não vai tolerar
corrupção.
O episódio dos funcionários
da mineradora anglo-australiana Rio Tinto, detidos em junho
sob acusação de subornar funcionários públicos, é usado para ilustrar essa nova era.
Também nesse ponto, os
meios de comunicação locais
(todos de propriedade do Estado) exercem um papel importante: casos de corrupção são
agora manchete e há campanhas para incentivar as pessoas
a denunciá-los.
A segunda mensagem é uma
advertência e aparece de forma
mais subliminar que direta nos
discursos e respostas dos dirigentes, que sempre apelam para uma linguagem diplomática
de frases pouco incisivas.
Traduzindo tudo, o que querem dizer é: parem de nos encher o saco; não venham nos
dar lições; precisamos ser respeitados; salvamos o mundo de
sua pior crise econômica; temos um quinto da população
mundial e uma responsabilidade enorme com esse planeta;
suas receitas de democracia e
liberdade de imprensa não servem para nós neste momento.
Como se gabam de ter criado
um socialismo com características chinesas (ou um capitalismo de Estado, como preferem
alguns), os chineses defendem
também ter um modelo próprio, e adequado, para a relação
Estado-cidadão.
"O mundo é diversificado e
os países podem se desenvolver
de formas também distintas",
afirma o vice-diretor do Gabinete de Comunicação do Conselho de Estado da China, antes
de sugerir o sexto "campei" da
noite no jantar de despedida
com os jornalistas.
"Campei" é uma espécie de
brinde em que você deve esvaziar o copo, no caso, cheio de
Moutai, um licor forte e muito
tradicional no país.
Após uma visita à China, não
restam dúvidas de que o mundo
é diversificado. Quanto a avaliar qual modelo é o mais adequado para 1,3 bilhão de chineses... Talvez só sendo um deles
para responder.
O jornalista VAGUINALDO MARINHEIRO viajou a convite do governo chinês.
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