São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O padrão invisível

Associated Press
A cidade de San Francisco (EUA), após o terremoto de 1906


Agora é possível explicar por que todos os esforços para perceber padrões de mudança histórica fracassaram

Eram 11h de uma bela manhã de verão em Sarajevo, 28 de junho de 1914, quando o motorista de um automóvel levando dois passageiros dobrou a esquina errada. O carro não deveria sair da rua principal, mas entrou numa passagem estreita e sem saída. Foi um erro comum naquelas ruas abarrotadas e empoeiradas. Mas esse único erro dilaceraria centenas de milhões de vidas e alteraria o rumo da história mundial.
O veículo parou na frente de um estudante bósnio-sérvio de 19 anos, Gavrilo Princip. Como membro da organização terrorista sérvia Mão Negra, Princip não podia acreditar em sua sorte. Tirou uma pistola do bolso e puxou o gatilho duas vezes. Em 30 minutos, o arquiduque austro-húngaro Francisco Ferdinando e Sofia, sua mulher, estavam mortos. Horas depois o tecido político da Europa havia começado a se esgarçar.
A Áustria usou o assassinato como desculpa para começar a planejar uma invasão da Sérvia. A Rússia garantiu proteção aos sérvios, enquanto a Alemanha se ofereceu para interceder a favor da Áustria caso a Rússia se envolvesse. Em 30 dias essa reação em cadeia de ameaças e promessas havia atado Áustria, Rússia, Alemanha, França, Grã-Bretanha e Turquia em um nó mortal. Quando a Primeira Guerra Mundial terminou, quatro anos depois, havia 10 milhões de mortos. A Europa mergulhou numa calma tensa que durou 20 anos e, então, a Segunda Guerra Mundial matou outros milhões de pessoas. Em apenas três décadas, o mundo sofreu dois devastadores cataclismos. Tudo isso devido ao erro de um chofer?
Sobre as causas da Primeira Guerra Mundial quase nada resta a dizer. Para A.J.P. Taylor, a guerra foi na verdade a consequência de horários de trem, que trancaram as nações numa série de preparativos militares dos quais não havia como escapar. Outros historiadores apontam a agressão alemã e um desejo nacional de expansão. O número de causas específicas propostas não é muito menor do que o número de historiadores que estudaram o assunto. No entanto, todas essas "explicações" históricas vieram bem depois do fato.
Para os historiadores da época, a Primeira Guerra Mundial irrompeu como uma tempestade aterrorizante e inexplicável num céu sem nuvens. "Todas as criaturas do inferno rugiram à vontade sobre o mundo", escreveu o historiador americano Clarence Alvord depois da guerra. "O belo edifício da história, projetado por meus contemporâneos, desmoronou. O significado que nós, historiadores, havíamos lido na história era falso, cruelmente falso."
Alvord e outros historiadores pensaram ter distinguido padrões no passado e estavam convencidos de que a história no futuro se desdobraria suavemente, ao longo de linhas mais ou menos racionais. No entanto, quando a guerra eclodiu, parecia que o futuro estava nas mãos de forças desconcertantes ou mesmo malignas, que armavam na escuridão catástrofes inimagináveis.

Jogo do imprevisto
É fácil simpatizar com o historiador H.A.L. Fisher, que em 1935 concluiu que "homens mais sábios e cultos que eu discerniram na história uma trama, um ritmo, um padrão predeterminado. Essas harmonias não se revelam a mim. Posso ver apenas uma emergência seguindo a outra -e apenas uma regra segura para o historiador: que ele deve reconhecer no desenvolvimento dos destinos humanos o jogo do contingente e do imprevisto".
Não há nada de novo em admitir que a história sempre zombou das tentativas de prever seu curso. Mas desenvolvimentos recentes tornam possível se não prever a história, ao menos enxergar por que a história é como é; por que deve ser pontilhada de distúrbios e por que todos os esforços anteriores para perceber padrões de mudança histórica estiveram fadados ao fracasso.
Curiosamente essas idéias não são encontradas na história, mas na física teórica.
"Todos os grandes feitos e todas as grandes idéias tiveram origens ridículas", escreveu Albert Camus. Foi então em 1987 que três físicos começaram a jogar um estranho joguinho em um escritório do Laboratório Nacional Brookhaven, no Estado de Nova York. Per Bak, Chao Tang e Kurt Weisenfeld estavam tentando imaginar o que aconteceria se alguém despejasse grãos de areia sobre uma mesa, de um em um. Os físicos gostam de fazer perguntas aparentemente triviais que, depois de um certo raciocínio, se mostram não tão triviais assim. Nesse sentido, o jogo da areia foi um sucesso.
Na medida em que os grãos se empilham, parece claro que uma montanha de areia deva se erguer lentamente em direção ao céu, mas as coisas obviamente não podem continuar assim. Enquanto o monte cresce, seus lados ficam mais íngremes e se torna mais provável que o próximo grão a cair venha a provocar uma avalanche. A areia então escorregaria morro abaixo para uma região mais plana, diminuindo o tamanho da montanha, em vez de aumentá-lo. Em consequência, a montanha deve crescer e encolher alternadamente, com uma silhueta eternamente flutuante. Bak e seus colegas queriam entender essas flutuações: qual é o ritmo típico do monte de areia que cresce e diminui?
Despejar a areia um grão de cada vez é tarefa trabalhosa. Então os cientistas recorreram ao computador, instruindo-o a derrubar "grãos" imaginários numa "mesa" imaginária, com regras simples ditando como os grãos escorreriam pelo monte enquanto ele se tornava mais íngreme. Não é exatamente igual a um monte de areia verdadeiro, mas o computador tinha uma vantagem espetacular: o monte crescia em segundos, em vez de dias. Era tão fácil o jogo que os três físicos logo estavam grudados a seus monitores de computador, obcecados pelos grãos que caíam e observando os resultados. E começaram a ver algumas coisas curiosas.
A primeira grande surpresa foi a resposta para uma pergunta simples: qual é o tamanho típico de uma avalanche? Ou seja, quão grande se pode esperar que seja a próxima avalanche? Os pesquisadores fizeram muitos testes, contando os grãos de milhões de avalanches em milhares de montes de areia, procurando o número típico. O resultado? Bem, não houve resultado, porque simplesmente não havia uma avalanche "típica". Algumas envolviam um único grão de areia; outras, 12, 100 ou 1.040. Outras ainda eram desastres que envolviam vários milhões e faziam quase toda a montanha desmoronar. A qualquer momento, literalmente, qualquer coisa, parecia, poderia estar prestes a acontecer.
Esse é um tipo de imprevisibilidade bastante dramático e possui uma assinatura matemática muito clara e específica -algo que os físicos chamam de "lei da potência". As pequenas avalanches, é claro, ocorrem com maior frequência do que as grandes, mas os físicos descobriram que o modo como as avalanches se tornam menos frequentes na medida em que o monte aumenta segue um padrão simples: cada vez que se duplica o tamanho de uma avalanche, ela se torna duas vezes mais rara. De forma notável, esse padrão se aplica a avalanches de todos os tipos, desde eventos de um único grão até catástrofes completas.
A forma matemática particular de uma lei de potência tem uma implicação sutil, mas profunda -a de que não existe diferença básica no funcionamento das avalanches maiores ou menores. Isso não é comum na natureza. As galinhas nunca põem ovos grandes como bolas de basquete nem pequenos como uma bola de gude: o design de uma galinha lhe dá uma tendência intrínseca a produzir ovos próximos do tamanho normal conhecido. Mas, quando se trata de avalanches, a lei de potência prova que não existe tendência: a física é totalmente democrática em relação ao tamanho e naturalmente adequada a produzir avalanches com uma tremenda variedade de dimensões. O padrão da lei de potência implica que não existe uma avalanche normal ou típica -e não há motivo para se procurar quaisquer causas especiais para as maiores avalanches.
Para descobrir por que esse fenômeno peculiar acontecia em seu jogo de areia, Bak e seus colegas decidiram pregar uma peça em seu computador. Imaginaram estar observando um monte de cima -e colorindo-o. Quando estava baixo e relativamente estável, o pintavam de verde; quando estava íngreme e "pronto para desabar", de vermelho.
Então eles viram que no início um monte geralmente parece verde, mas com o tempo a dispersão de pontos vermelhos "perigosos" aumenta até que um esqueleto de instabilidade percorre o monte. Agora um grão de areia que cai sobre um ponto vermelho pode causar deslizamentos em outros pontos vermelhos próximos, e aqui está uma pista. Se a rede vermelha fosse esparsa, com os pontos problemáticos bem separados, então um único grão teria repercussão limitada. Mas, quando os pontos vermelhos se unem, formando "dedos" mais longos, há a possibilidade de avalanches maiores. Eventualmente, como Bak e seus colegas descobriram, um monte evolui para uma condição em que fica estriado de dedos vermelhos de todos os comprimentos imagináveis, alguns de apenas alguns grãos, outros se estendendo de um lado a outro do monte de areia. Nesse ponto, as consequências do próximo grão tornam-se diabolicamente imprevisíveis -tudo depende de onde ele aterrissar.

A questão essencial é que por trás de uma série de coisas totalmente diferentes na superfície parece haver um simples princípio matemático

O estado de hipersensibilidade como o monte de areia se organiza é conhecido como estado crítico. A noção básica é conhecida dos físicos há mais de um século, no entanto sempre foi considerada uma espécie de maluquice teórica -uma condição instável incomum que surge na natureza apenas sob circunstâncias as mais excepcionais. Por exemplo, os átomos de um pedaço de ferro se organizam em estado crítico somente quando aquecidos a exatamente 770C. No monte de areia, porém, o estado crítico parecia surgir natural e inevitavelmente por meio do acréscimo aleatório de grãos. Isso levou Bak, Tang e Weisenfeld a ponderar uma possibilidade instigante: se o estado crítico surge de modo tão fácil e inevitável num simples monte de areia, poderia algo semelhante surgir em outro lugar, digamos, na crosta terrestre, durante um incêndio florestal ou em qualquer outro distúrbio imprevisível?
A cidade de Kobe é uma das pérolas do Japão moderno. Um pacífico "balneário urbano", ela cresceu rapidamente depois do grande terremoto Kanto de 1923, porque era considerada um porto seguro contra desastres naturais. Os visitantes jamais adivinhariam que sob seus pés forças invisíveis estavam se preparando para liberar uma violência inimaginável. A não ser que estivessem lá às 5h45 de 17 de janeiro de 1995.
Naquele momento, 20 quilômetros ao sudoeste de Kobe, algumas rochas no fundo do oceano despencaram subitamente. Em si mesmo, isso é um fato corriqueiro -pequenas acomodações da crosta terrestre acontecem todos os dias, com a fricção entre placas continentais. Mas dessa vez o que começou como uma pequena acomodação terminou de outra maneira. O desmoronamento das primeiras rochas provocou uma reação em cadeia. Em apenas 15 segundos a terra se abriu numa linha de cerca de 50 km de comprimento. O terremoto resultante sacudiu o solo com a energia de cem bombas nucleares, fazendo mais de 100 mil edifícios oscilarem ou desabarem. Por fim a devastação matou 5.000 pessoas, feriu 30 mil e deixou 300 mil desabrigadas. Por que o terremoto ocorreu ali e naquele momento? Ninguém sabe.
No magnífico Parque Nacional de Yellowstone, em Wyoming, EUA, relâmpagos provocam várias centenas de incêndios todos os anos. A maioria deles queima menos de meio hectare antes de se extinguir. Até 1988, o maior incêndio registrado, em 1886, havia queimado apenas 10 mil hectares. Por isso, quando um raio provocou um pequeno incêndio perto do limite sul do parque, em junho de 1988, ninguém se alarmou muito: ele simplesmente se apagaria sozinho. Mas em meados de agosto cerca de 80 mil hectares do parque tinham queimado ou estavam queimando. As chamas acabariam consumindo mais de 600 mil hectares.
Por algum motivo, um ou vários pequenos raios haviam causado um inferno que fez o pior incêndio anterior em Yellowstone parecer um churrasco no quintal. O que o fez ser tão danoso e por que ninguém o previu?

Navalha de instabilidade
As origens dos terremotos geralmente são buscadas na geofísica, e as dos incêndios florestais, em padrões climáticos e ecológicos. Mas existe uma semelhança intrigante entre eles. Em ambos os casos, ao que parece, a organização de um sistema -o tecido das florestas ou da crosta terrestre- possibilitou que um pequeno choque provocasse uma reação desproporcional. Ambos os sistemas parecem equilibrados no fio de uma navalha de instabilidade, simplesmente esperando para ser "detonados".
Há mais de 50 anos, geofísicos descobriram uma lei de potência dos terremotos. Conhecida como lei de Gutenberg-Richter, ela revelou que, assim como no monte de areia, as forças e tensões no interior da crosta terrestre parecem organizadas de maneira extremamente instável, que se assemelha muito ao estado crítico. Se o terremoto A for duas vezes maior que o terremoto B, será quatro vezes menos provável de acontecer. E não faz diferença quão grande ou pequeno é o tamanho de A.
Mais recentemente, os geofísicos Bruce Malamud, Gleb Morein e Donald Turcotte, da Universidade Cornell, estudaram as estatísticas de mais de 4.000 incêndios ocorridos em terras do Serviço de Pesca e Vida Natural dos Estados Unidos entre 1986 e 1995. Medindo o tamanho do incêndio pela área que consumiu, eles descobriram que os incêndios florestais seguem uma lei de potência quase exatamente igual à das avalanches do monte de areia. As estatísticas são claras -não existe um incêndio florestal "típico" e simplesmente não há como ter expectativas razoáveis sobre o tamanho do próximo incêndio.
Uma década de pesquisas por centenas de físicos sugere que a organização peculiar e instável do estado crítico parece ser onipresente em nosso mundo. Pesquisadores descobriram a assinatura típica da lei de potência na disseminação de epidemias, em engarrafamentos de trânsito, na extinção em massa de espécies e mesmo nos padrões de transferência de instruções dos gerentes para os trabalhadores de um escritório.
Esqueça a miríade de detalhes complicados desses ambientes: a questão essencial a ser entendida é que por trás de uma série de coisas totalmente diferentes na superfície parece haver um simples princípio matemático.
Três séculos atrás Isaac Newton deflagrou uma revolução científica ao perceber semelhanças entre coisas que pareciam muito diferentes. Newton notou que uma maçã cai no solo da mesma forma que a Terra se move ao redor do Sol; que tanto a Terra como a maçã estão na categoria única das coisas que se movem sob a força de gravidade. Antes de Newton os acontecimentos na Terra e nos céus eram totalmente incomparáveis entre si. Depois dele, os movimentos de uma maçã, de uma flecha ou da Lua foram considerados instâncias de um único processo mais profundo. E nosso modo de ver o mundo se modificou para sempre.
Hoje, algo semelhante pode estar ocorrendo, com o estudo do estado crítico.
Uma das demonstrações mais notáveis de como o estado crítico afeta nossas vidas está nos mercados financeiros. Em 19 de outubro de 1987, a Segunda-Feira Negra, a Bolsa de Nova York desvalorizou mais de 20% em um dia. Os economistas não entendiam por que isso acontecera. Alguns afirmaram que foi culpa das transações via computador e que, quando o problema fosse resolvido, não poderia ocorrer novamente. Mas pesquisas matemáticas recentes contam uma história menos reconfortante. Segundo os números, os distúrbios repentinos estão longe de ser pouco improváveis. Na verdade eles podem ser de fato sejam inevitáveis.
Em 1998, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Boston analisou oscilações no índice de 500 ações da Standard & Poor. Com base nos preços das ações de 500 grandes empresas da Bolsa de Nova York, esse índice é um referencial para todo o mercado. Stanley e seus colaboradores estudaram os preços registrados a cada 15 segundos durante 13 anos, de 1984 a 1996 -um incrível volume de 4,5 milhões de pontos de informação.
O que eles descobriram foi um perfeito padrão de lei de potência: as mudanças de preço se tornam aproximadamente 16 vezes menos prováveis a cada vez que se dobra o tamanho. Isso significa que não há motivos para acreditar que as maiores oscilações para cima ou para baixo de alguma maneira não possam se repetir -apenas que são relativamente infrequentes. A idéia de que a Segunda-Feira Negra precisa de uma explicação especial não se mantém. Contrariando nossa intuição, mesmo as fatídicas transações daquele dia foram simplesmente negócios como os de sempre.

Decisões individuais
Mas como, você poderia perguntar, esse padrão pode funcionar se o mercado é feito de milhares de pessoas tomando decisões individuais? Certamente é uma surpresa. No entanto, as mesmas pistas matemáticas parecem se encontrar em várias outras áreas de atuação humana.
Considere, por exemplo, o crescimento das cidades. Uma vez que as pessoas se mudam de um lugar para outro por motivos bastante pessoais, é tentador desistir de encontrar algum tipo de regularidade matemática na expansão das cidades. Usando informações das 2.400 maiores cidades dos Estados Unidos, porém, pesquisadores recentemente contaram quantas cidades existem com populações de 100 mil, 200 mil, 300 mil e assim por diante, até aquelas com 9 milhões, das quais Nova York é a única.
Em outras palavras, eles fizeram com as cidades o mesmo que Gutenberg e Richter com os terremotos. E encontraram um padrão semelhante. Para cada cidade como Atlanta -com 4 milhões de habitantes- existem quatro cidades com a metade dessa população. Cincinnati é uma delas, e para cada Cincinnati existem quatro cidades com a metade desse tamanho, e assim por diante. O padrão geométrico perfeito continua decrescendo até as cidades de apenas 10 mil habitantes aproximadamente.
Assim sendo, talvez haja uma matemática para as pessoas. Ela não pode dizer, é claro, o que uma pessoa fará, mas talvez possa dizer que tipo de padrões são prováveis entre milhões. Além disso, os cálculos não são tão complicados.
É assim com as guerras. Na década de 20, o físico britânico Lewis Richardson realizou um estudo de 82 guerras que ocorreram entre 1820 e 1929. Para definir o tamanho de uma guerra Richardson escolheu as estatísticas mais simples e sombrias -o número de mortos- e descobriu que as guerras, assim como os terremotos e os incêndios florestais, seguem uma lei de potência.
Em 1973, Jack Levy, da Universidade de Kentucky, ampliou a pesquisa de Richardson e incluiu conflitos desde a guerra da Liga de Veneza, em 1495, até a Guerra do Vietnã, em 1975. Como a população mundial muda com o tempo, Levy modificou ligeiramente a prescrição de Richardson e tomou como "tamanho" de uma guerra a porcentagem da população mundial morta. Mais uma vez, descobriu um padrão inconfundível de lei de potência -no qual, para lembrar de onde partimos, a Primeira Guerra Mundial foi uma das maiores.
Ninguém discutiria que as grandes guerras são incomensuravelmente mais terríveis em suas consequências do que as pequenas. Mas esses padrões da lei de potência implicam que os maiores conflitos não se diferenciam dos demais em termos das condições que os geraram: eles talvez simplesmente não precisem de condições especiais para começar.
Não existe uma maneira instrutiva de explicar por que uma guerra é grande, e outra, pequena. Mas o estado crítico explica, sim, como é possível que explosões de violência repentinas surjam aparentemente do nada. O que torna um monte de areia especialmente interessante para os físicos é que as forças atuantes não encontram a liberação imediata. Derrame gotas de água em um balde e cada uma desaparecerá rapidamente no resto da água. Consequentemente, nada se ergue e a história da água é realmente chata -na verdade não há história para contar.
No monte de areia, porém, a tensão se acumula lentamente para ser liberada em súbitas avalanches espontâneas. Assim pode-se dizer que na areia a história influi de maneira importante. De uma perspectiva abstrata, um monte de areia insinua, num cenário simples, a essência fundamental de um processo histórico -o potencial dos acidentes de ocorrer em um local e assim exercer uma influência permanente sobre o futuro. E, se esse monte é um dos mais simples de todos os processos históricos concebíveis, podemos muito bem esperar descobrir algumas de suas características básicas refletidas em ambientes mais complexos.
Diversos historiadores estão começando a ver que a física pode oferecer um novo vocabulário conceitual adequado à sua tarefa. Como disse recentemente o historiador Niall Ferguson, da Universidade de Oxford, "um grande número de filósofos da história que discutiu no século 20 se a história é uma "ciência" parece não ter percebido que sua noção de ciência é uma antiquada relíquia do século 19... Pois é uma característica marcante de um grande número de avanços modernos nas ciências naturais o fato de terem um caráter fundamentalmente histórico".

A matemática das modificações
Por isso as idéias que delineei aqui podem conter o início de uma abordagem matemática das mudanças culturais e históricas. Mas você pode bem perguntar: "E para que nos serve isso?".
No mundo antigo, as pessoas geralmente atribuíam grandes eventos à ação dos deuses. Hoje ainda ficamos chocados com as guerras e as revoluções, apesar de as enfrentarmos sem os confortos metafísicos que eram permitidos aos antigos por sua crença nos deuses. Sabemos que a história é feita por indivíduos agindo como indivíduos, que o potencial tanto para a guerra como para a paz vive em cada pessoa e que, de certa forma, no misterioso oceano da atividade individual grandes maremotos frequentemente se erguem e nos assolam.
Ninguém se sentirá mais seguro ou feliz ao perceber que essas ondas talvez sejam inevitáveis. Mas pelo menos é um passo em direção a uma maior compreensão admitir que o rumo tumultuoso da humanidade não precisa ser o produto de uma profunda loucura humana maligna, mas da natureza humana comum e da simples matemática.
Em "Guerra e Paz", Tolstói perguntou: "Por que acontecem as guerras e revoluções?". Talvez não seja demais supor que o que os cientistas estão aprendendo à sua própria maneira, com sua tendência à supersimplificação e à abstração, um dia talvez permita que os historiadores melhorem sua resposta: "Não sabemos. Só sabemos que para produzir uma ou a outra os homens se formam em certa combinação de que todos participamos; e dizemos que essa é a natureza dos homens, que essa é a lei".

Mark Buchanan escreve sobre assuntos científicos e é PhD em física teórica pela Universidade de Virgínia. O texto acima foi adaptado pelo autor a partir de seu recém-lançado livro "Ubiquity" . Ele foi publicado originalmente no "The Independent".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


Onde encomendar:
"Ubiquity" (Ubiquidade, Weidenfeld & Nicolson, Londres) pode ser encomendado, em SP, à livraria Cultura (tel. 0/xx/11/ 285-4033) e, no Rio, à livraria Marcabru (tel. 0/ xx/21/ 294-5994).




Texto Anterior: +3 questões Sobre "Os Sertões"
Próximo Texto: A lei da potência
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.