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Ponto de fuga
Figuração e matéria
Depois da Segunda Guerra, a abstração se impôs; os pintores brasileiros foram forçados pelas convicções do tempo a se tornarem abstratos, ou o mais que pudessem
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O
s pintores brasileiros
que começam a amadurecer nos anos de
1930 ou 40 fazem, quase sempre, nesse início de carreira,
retratos, naturezas-mortas e,
sobretudo, paisagens. Em São
Paulo, vários deles descobrem a poesia dos subúrbios,
dos arrabaldes povoados por
chácaras.
Quase nenhum se interessa
pelas transformações urbanas da metrópole. Mas, na
cultura artística do país, tão
imaginária, tão pouco realista, para quem a paisagem
nunca foi um gênero de importância, eles significaram
uma bela exceção.
Depois da Segunda Guerra
Mundial, a abstração se impôs, hegemônica. Aqueles artistas foram, então, pressionados pelas convicções do tempo
a se tornarem abstratos ou, pelo menos, o mais abstratos que
pudessem. As obras deviam ter
ar "moderno", dissolvendo as
velhas representações.
A figuração surgia como coisa do passado. Para certos artistas, isso conduziu a um desastre; outros conseguiram, ao
contrário, uma verdadeira renovação. Volpi, por exemplo,
seguiu uma evolução poderosa,
que terminou por reduzir suas
imagens às bandeirinhas. Algumas são de qualidade excepcional, outras se ressentem da receita rotineira.
As retrospectivas desses artistas tomam, de hábito, o mesmo esquema, calcado em suas
trajetórias. Quadros figurativos no início, tratados com um
certo desdém: o artista "ainda"
não chegou à abstração, embora "já" revele, aqui e ali, alguns
indícios dela, como os monitores dessas mostras costumam
explicar. Enfim, atinge-se o
apogeu triunfante das belas
formas sem sentido.
Fundamento
A mostra, organizada pelo
Museu de Arte Contemporânea da USP, sobre Aldo Bonadei (1906-74) no Ibirapuera se
encerra hoje. Ela é notável.
As paisagens iniciais do pintor raramente se mostram como panorama. Bonadei vê de
perto e ocupa toda a tela com
volumes próximos, que não
têm nada de mentais, no sentido de que não se contentam
com as puras formas da geometria. Elas são construídas pela
massa espessa da pintura, que
nunca permite superfícies lisas
ou coloridas por igual.
Depois desses começos, Bonadei empregou o tardo-cubismo muito corrente então, já
bem assentado na cultura visual do século 20, e que dava
aos artistas a impressão de serem modernos. Esse procedimento não altera muito seu interesse mais forte no essencial:
a forma que emana de poderosa
materialidade.
Bonadei não foi, de modo algum, tocado por qualquer idealismo. É, antes de tudo, um realista, fascinado pela magia do
que é sólido, do que é densamente material. Até o fim conservou esse amor pela substância das coisas, tão presente
também nas naturezas mortas
de seu mestre Pedro Alexandrino (1856 - 1942).
Feitio
A exposição do MAC reuniu
obras muito bem escolhidas e
evitou o lugar-comum cronológico. O olhar cruza vários períodos e temas, para constatar as
diferenças e, mais que tudo, por
trás delas, a unidade forte.
O catálogo transcreve um escrito de Emanoel Araújo, que
sugere a coesão desse criador,
para concluir enumerando
seus múltiplos: "Mas houve um
Bonadei que pintava e bordava
roupas para sobreviver. Houve
um Bonadei italiano que pintou Florença, e outro de Moema, que pintava paisagens ao ar
livre, e um outro mais, o Bonadei da rua da Abolição. Houve
também um Bonadei que pintava formas musicais. Houve
ainda um outro, o pintor abstrato. Houve um Bonadei poeta
e um Bonadei amante (este talvez o mais secreto dos Bonadeis). Todos eles pungentes,
fortes e generosos."
jorgecoli@uol.com.br
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