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+sociedade
O país imaginário
LANÇADA
NOS EUA,
"UMA NOVA HISTÓRIA LITERÁRIA DA AMÉRICA" MAPEIA
A FORMAÇÃO
DA CULTURA NORTE-AMERICANA,
DA COLÔNIA
AOS DIAS ATUAIS
LEO ROBSON
Os EUA são, ao mesmo tempo, aquela
coisa rara, um clichê complexo e
uma coisa muito
familiar, um conjunto de contradições: "uma nação sob
Deus, indivisível", mas com
uma dúzia de variedades de
cristianismo, um produto do
puritanismo e do iluminismo,
uma colônia que virou superpotência igualmente definida
por atos de violência e crença
na liberdade, isolacionismo e
intervencionismo, conformismo e autoconfiança.
Mas a maioria das pessoas
não tem dificuldade para entender a ideia de uma América
essencial -e até estável- e
possui o que o crítico Greil
Marcus, em "A New Literary
History of America" [Uma Nova História Literária da América, Harvard University Press,
1.128 págs., US$ 49,95, R$ 91,
editado com Werner Sollors],
chamou de "senso do que é ser
americano; o que significa, qual
é o seu valor, qual seria o prêmio da vida no EUA".
A interação entre a heterogeneidade da América e sua aspiração à coerência é captada no
texto da Declaração de Independência ("um povo"), no sistema de governo (uma República Federativa) e em seu nome adotivo (Estados Unidos).
Mas, se a América é um paradoxo, mais que uma hipocrisia,
se possui unidade apesar de
suas divisões, isso se deve a um
processo claro, algo não exatamente incluído nos termos
"sistema político", "democracia" ou "cadinho cultural".
O olhar estrangeiro
Esse processo distinto, essa
coisa, e seus produtos na vida
pública foram consistentemente notados por estrangeiros:
Crèvecoeur, na década de 1780,
Tocqueville, elogiando a participação civil nos anos 1830, James Bryce [historiador britânico], chocado pelo "poder solvente" dos EUA na década de
1880, Gunnar Myrdal [economista sueco] identificando
"ideais gerais" entre o "credo
americano" nos anos 1940.
E a admiração não parou. O
crítico de arte Robert Hughes,
que se mudou para Nova York
em 1970, mas mantém a cidadania australiana, falou sobre
"o tradicional gênio americano
para o consenso, para seguir
adiante fazendo compromissos
práticos para suprir as verdadeiras necessidades sociais".
Uma antiga e incipiente fé
nessa unidade e essência foi registrada no livre uso de "americano" como substantivo e adjetivo e, depois, em duas invenções quiméricas: o grande romance americano (1868 -uma
empreitada pós-Guerra Civil) e
o sonho americano (1931 -um
oásis na Depressão).
Quando Crèvecoeur descreveu o norte-americano como
receptor de um novo modo de
vida, um novo governo e uma
nova classe, ele estabeleceu os
termos em que os EUA, suas
tradições e sua cultura seriam
discutidos.
D.H. Lawrence [escritor britânico, 1885-1930], em seu confuso "Estudos de Literatura
Americana Clássica", elogiou
obras como "O Último dos Moicanos" [de Fenimore Cooper] e
"Moby Dick" [de Herman Melville] por produzirem uma nova voz, uma nova experiência e
um novo sentimento.
A tarefa definitiva da literatura americana foi engarrafar
ou incorporar essa essência dos
EUA.
Em "O Grande Gatsby", de
Scott Fitzgerald [1896-1940],
um romance que faz as duas
coisas, Nick Carraway descreve
Jay Gatsby "equilibrando-se
sobre o painel de seu carro com
a habilidade de movimento que
é tão tipicamente americana", e
este generaliza que "os americanos, enquanto dispostos, e
até ávidos por serem servos,
sempre foram obstinados por
serem camponeses".
Fitzgerald não foi o único
nessa missão. Como diz o britânico Martin Amis, "todo romancista americano ambicioso
tenta genuinamente escrever
um romance chamado EUA".
A literatura americana, como
a América, há muito se dedica a
perseguir um destino independente do domínio ou da tutelagem britânicos.
Em 1837, Ralph Waldo
Emerson fez sua palestra sobre
"O Acadêmico Americano" na
Universidade Harvard -uma
declaração de independência
literária logo cumprida por
uma atarefada meia década
(1850-55) em que Whitman,
Melville, Hawthorne, Thoreau
e o próprio Emerson produziram livros importantes.
Emerson abriu caminho para
uma literatura americana realmente americana.
No século 20, houve uma disparada, com dois períodos
constantes de atividade heroica, primeiro nas décadas de
1920 e 30 (Eliot, Hemingway,
Dos Passos, Fitzgerald, Faulkner) e, depois, no final dos anos
40 e 50, quando um leque improvável de autores talentosos
realizou coisas milagrosas em
poesia, teatro e, particularmente, no romance.
Em 1946, o editor Max Perkins fez uma previsão acurada
sobre o futuro da ficção americana: "Não sei se a forma do romance vai mudar muito, mas o
espírito e a expressão, sim".
Essa mudança é muitas vezes
creditada à frase inicial de "As
Aventuras de Augie March", de
[Saul] Bellow: "Sou um americano", e a frase continua reverberando por mais 40 palavras.
E, se esse romance ávido e
desimpedido constituiu um
verdadeiro afastamento ou
avanço, a juventude da ficção
americana após a Segunda
Guerra certamente pode ser
atribuída a romancistas como
Bellow, escrevendo sobre a vida
judia em Chicago e Nova York,
e John Updike [1932-2009],
dando um reflexo proustiano à
pobre Pensilvânia.
Também é o caso de Ralph
Ellison e Gore Vidal, que forneceram os primeiros retratos
das experiências negra e homossexual, respectivamente.
As mudanças de forma vieram ligeiramente depois, com
Gaddis, Pynchon, Barthelme e
outros.
Confuso e magnífico
"Uma Nova História Literária da América" faz poucas referências a Updike e nenhuma a
Max Perkins, além de exibir vários erros e ênfases indevidas.
Não há um esforço sistemático
para tratar dos momentos em
que a literatura se precipitou
na vida americana.
Não há nada sobre a visita de
Charles Dickens, em 1842, nada
sobre a confusão causada entre
escritores e acadêmicos negros
pelo romance de William
Styron "As Confissões de Nat
Turner" ou na comunidade judia pelos contos de Philip Roth
"Goodbye, Columbus".
Mas, mesmo assim, o livro é
magnífico, uma prova da descrição feita por Robert Hughes
dos EUA como "uma obra coletiva da imaginação cuja feitura
nunca termina".
O livro viaja de Colombo e
Vespúcio ao Katrina e a Obama;
discute o dramaturgo Eugene
O'Neill por meio do naufrágio
do Titanic, o terremoto de San
Francisco, em 1906, por meio
de Jack London, a Grande Depressão via "The American Jitters" [Os Sobressaltos Americanos], de Edmund Wilson.
Enquanto tentativas anteriores tenderam a hesitar sobre a
palavra "literatura", Marcus e
Sollors, cuja introdução parece
uma resenha em êxtase, provavelmente vão longe demais na
direção oposta.
Seu "literário" denota "não
apenas o que é escrito, mas o
que é falado, o que é expresso, o
que é inventado de qualquer
forma".
O livro retorna à ideia da
América, no cinema e na música, na literatura ou no jornalismo. Um problema endêmico
nessa abordagem é que, de maneira crucial, a história literária
é internacional.
Como colocou Borges: "Poe
produziu Baudelaire, que produziu os simbolistas...".
Mas um escritor é moldado
tanto pela leitura quanto pela
experiência.
Como estudante de 20 anos
em 1935, Bellow aproveitava os
longos trajetos de trem do oeste de Chicago até a Universidade Northwestern para mergulhar na tradução de Tolstói por
N.H. Dole, em 12 volumes.
Em sua imponente autobiografia "Timebends" [Dobras do
Tempo], Miller lembra que, em
um momento semelhante, estava lendo Tolstói e Dostoiévski, "os dois maiores autores que
conheço", e "começando a
amar" as tragédias gregas "assim como um homem no fundo
de um poço ama uma escada".
Da diligência de Bellow e do
amor de Miller surgiram "Agarre a Vida" e "A Morte de um
Caixeiro-Viajante" [respectivamente], embora, é claro, a história tenha feito sua parte.
"Uma Nova História Literária da América" erra pelo lado
das lutas e do contexto, mas isso não a prejudica demais.
Mas, em um livro que não
traz quase nada sobre Updike,
teria sido recompensador receber com mais força a impressão
de que a América foi, como disse Updike, uma das "alunas estrelas" da língua inglesa.
Pois, em grande parte da melhor prosa americana -em
Emerson, Melville, Bellow, Updike-, encontramos a sensação de gratidão pela vida e pela
linguagem, expressa em construções difíceis ou exóticas e
sintaxe forçada, flexível.
Profecias
A identidade do livro como
uma obra de história com sabor
literário é confirmada no capítulo final, uma série de obras de
arte inspiradas na eleição de
Barack Obama, em 2008, cujo
tema é a vida pública americana, mais que a literatura americana. As profecias para esta última são incertas:
"O romance conservador pode ser uma invenção do futuro"; "talvez os autores asiático-americanos tenham descoberto um novo destino"; "resta ver
se os acontecimentos de Salem
fornecerão mais uma vez um
modelo para novos romances e
peças de autores americanos".
Houve certas evidências nos
últimos anos de que o épico
americano, a obra que se propõe definir ou canalizar os
EUA, ainda é um grande prêmio, embora basicamente em
filmes -("Gangues de Nova
York", "Os Infiltrados", "Sangue Negro")- e na televisão
-("Os Sopranos", "A Escuta").
Os escritores americanos
que atualmente inspiram mais
entusiasmo como escritores
-John Ashbery, Philip Roth,
Bob Dylan- nasceram na época de Hemingway, isto é, ainda
não há uma figura mais jovem
dominante de modo similar.
Mas a literatura norte-americana resiste em ser descentrada. Ela precisa de artistas de
força centrípeta, consumidora
-assim como a América, se for
continuar sua jornada de perpétua autorrevelação, para
continuar definindo e descobrindo a si mesma.
A íntegra deste texto saiu na "New Statesman".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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