São Paulo, Domingo, 28 de Março de 1999
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Debate na Folha reuniu John Gledson, Nicolau Sevcenko e Roberto Schwarz, para quem não existe em Machado homens em geral, mas inseridos em relações sociais particulares
Um crítico do Brasil

Marlene Bergamo/Folha Imagem
O crítico inglês John Glendson durante debate sobre Machado de Assis na Folha


JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

A atualidade do maior escritor brasileiro de todos os tempos nunca ficou tão evidente quanto no debate "Machado de Assis: Novos Temas, Novos Rumos", realizado no auditório da Folha.
Promovido pela Folha e pela editora Companhia das Letras, a propósito do lançamento do livro "Contos - Uma Antologia", de Machado de Assis, o evento reuniu no final do ano passado o pesquisador inglês John Gledson, organizador da obra, o crítico Roberto Schwarz e o historiador Nicolau Sevcenko (leia trechos das falas dos debatedores na pág. ao lado). O mediador do debate foi o jornalista e escritor Bernardo Ajzenberg, secretário de Redação da Folha.
Gledson disse que tomou a decisão de dedicar-se ao estudo de Machado a partir da leitura do romance "Casa Velha" ("desenterrado" das páginas da revista "A Estação" na década de 1940 por Lúcia Miguel Pereira) e do ensaio "Ao Vencedor as Batatas" (1977), de Roberto Schwarz.
Segundo Gledson, o que mais o fascina em Machado é o "poder extraordinário que seus textos têm de mudar com o tempo". "O caso mais óbvio é "Dom Casmurro", que vira outro livro quando se levanta a possibilidade de Capitu não ter traído Bentinho."
Sobre a antologia de contos que organizou, Gledson disse que tentou "mostrar a variedade de assuntos do autor e o desenvolvimento histórico de sua literatura e do país".
Nicolau Sevcenko fez a comunicação mais extensa da noite, procurando mostrar a contundência política e social das observações de Machado e sua notável atualidade. Ao analisar a filosofia do "Humanitas" de Quincas Borba, os contos morais de Machado (divididos em "parábolas, fábulas e apólogos") e suas crônicas políticas, Sevcenko mostrou que um dos nexos entre eles é a visão agudamente crítica do autor sobre o processo de modernização capitalista do país na transição do Império para a República.
De acordo com o historiador, Machado faz em seus textos a denúncia do darwinismo social como forma conservadora de desenvolvimento do país. Ao parodiar as teorias "cientificistas" importadas da Europa em seu tempo, Machado apresenta-as, segundo Sevcenko, como "travestis teóricos usados para justificar a opressão social e a estigmatização do elemento mais fraco da sociedade (o escravo, o agregado etc.)".
Para Sevcenko, "é impressionante como a crítica de Machado soa atual no nosso momento tecnocrático, em que mudanças tecnológicas avançadas conduzem a uma desestabilização social que aponta para a eliminação dos hesitantes, dos obsoletos, dos fracassados".
Roberto Schwarz chamou a atenção para a maneira como a leitura crítica da obra de Machado de Assis mudou ao longo das décadas. "A exposição do Nicolau seria impensável algum tempo atrás, quando a literatura de Machado era considerada absenteísta, alheia ao social, conservadora etc."
De acordo com Schwarz, os contos de Machado de Assis são "uma grande coisa da literatura e do pensamento brasileiro". "Lendo-os, poderíamos nos educar sobre quase todos os problemas morais da sociedade brasileira." Para isso, entretanto, seria necessário "ver os contos em seu conjunto", algo que parece difícil de realizar em função da sua "extrema diversidade de formas". Mas, segundo Schwarz, a forma dos contos deve ser tomada como algo relativo. "Não são formas que nascem da própria matéria. São formas que Machado chapou de forma arbitrária em cima do que queria dizer."
De acordo com o ensaísta, essas inúmeras situações e formas diferentes "pertencem a algo comum, que é a sociedade brasileira a construir". "Atrás de tudo há um conjunto de relações sociais que vamos sentindo e explorando."
Ao responder a uma pergunta do público sobre o caráter "universal" da ficção machadiana, Schwarz disse que "Machado usa técnicas literárias universalistas, mas para falar de coisas que não têm nada de universal". "Ele usa técnicas da literatura francesa do século 18, que falam do homem em geral, do egoísmo, da vaidade etc., mas funcionam para mostrar que não existem homens em geral, mas homens inseridos em relações sociais particulares", disse.


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