São Paulo, domingo, 28 de junho de 2009

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Ao mestre, com carinho

TRINTA E OITO ANOS MAIS JOVEM QUE T.S. ELIOT E HOJE COM 82 ANOS, A VIÚVA DO POETA, VALERIE, PREPARA A EDIÇÃO DE BILHETES E RECORTES DO CASAL, EM QUE REVELA A VIDA SÓBRIA E APAIXONADA QUE LEVAVAM

ROBERT MCCRUM

A canção de amor de Thomas Stearns Eliot é uma das histórias da literatura do século 20 que ficou sem ser contada. A maioria dos atores desse romance estranho já morreu, mas aquela que esteve em seu coração vive ainda no crepúsculo da velhice, cercada pelos suvenires de tempos passados.
Valerie, a segunda sra. Eliot, ainda vive em Kensington, na zona oeste de Londres, no apartamento conjugal que dividiu com o poeta antes da morte dele, em 1965, data fielmente registrada numa placa verde na fachada do imóvel.
Dentro do apartamento, em cadernos de recortes nunca antes revelados, há um registro comovente daquele casamento, uma miscelânea de pequenas cartas de amor trocadas entre uma mulher jovem, impressionável, mas cheia de determinação, e o poeta que gostava de descrever-se ocasionalmente, fazendo referência bem-humorada a suas raízes no Missouri, como "Old Possum" (Velho Gambá).
Por mais que fossem discretos sobre seu relacionamento na época, ambos pareciam ter consciência de sua atração romântica atemporal.

Amor tardio
Tanto quanto seu "Tom", Valerie tem em mente o olhar da posteridade quando rabisca num programa de "Antígona", de Jean Anouilh:
"Sentei-me ao lado de TSE, meu amor, e isso torna qualquer peça suportável."
Se seus contemporâneos, em 1957, pudessem ter visto essas anotações -uma visão fascinante de um caso de amor que começou tarde na vida-, provavelmente teriam se surpreendido.
Além de ser o poeta mais influente de sua época, T.S. Eliot era diretor da editora Faber & Faber.
Em seu papel de patrono editorial, descobriu e alimentou muitos dos maiores talentos da época: W.H. Auden, Stephen Spender, Philip Larkin, Ted Hughes, Robert Lowell, Marianne Moore e muitos outros no mundo de língua inglesa.
E havia sua vida de poeta, autor celebrado de "A Terra Desolada", "Murder in the Cathedral" [Assassinato na Catedral], "Quatro Quartetos" e "The Cocktail Party" [O Coquetel].
Na plenitude de sua vida, Eliot desfrutou de poder e influência que hoje seriam inimagináveis.
No Vaticano das letras anglo-americanas, ele era o papa.
Gerações de escolares cresceram lendo "A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock" [de "Prufrock e Outras Observações"]; jovens candidatos a intelectuais estudavam seus escritos críticos; e, para críticos de toda parte, ele era o maior dos padrões com os quais se podia tecer comparações.
Sua reputação temível era reforçada por sua persona pública distante e afeita ao sigilo.
Em 1948 Eliot recebeu o Prêmio Nobel de Literatura.
Retratado na capa da "Time", citado num anúncio de gasolina nos EUA, assediado pela imprensa quando atravessava o Atlântico, Eliot era inundado de atenções, e o mesmo acontecia com sua secretária, que se demitiu.

Valerie era obcecada por Eliot e sua poesia desde os 14 anos de idade


Em agosto de 1949, depois de publicar um anúncio para encontrar uma substituta, Eliot contratou uma jovem de Leeds, na Inglaterra, chamada Valerie Fletcher.
A mais recente recruta da equipe de datilógrafas da Faber era uma jovem notável, e notavelmente atraente, imbuída de uma missão.
Era obcecada -não há exagero no termo- por T.S. Eliot e sua poesia desde os 14 anos de idade, quando primeiro ouvira "The Journey of the Magi" [A Jornada dos Reis Magos] em gravação feita pelo poeta. "Foi extraordinário", ela contou ao "Observer" em 1972.
"Senti que eu tinha obrigatoriamente que chegar a Tom, trabalhar com ele."
Depois de uma passagem por uma escola de secretariado, ela tinha trabalhado para o romancista Charles Morgan, simplesmente como preparação para, de alguma maneira, conseguir um emprego na Faber.
Em sua entrevista para o emprego, quando a vaga surgiu, Eliot fumara um cigarro após outro e, ela recordou, "evidentemente estava tão nervoso quanto eu".

Supersecretária
Quase oito anos mais tarde, perto do final de 1956, e porque a "senhorita Fletcher" já era uma mulher de respeitáveis 30 anos, o grande poeta, no final da casa dos 60 anos, pediu em casamento a secretária supereficiente que sempre o chamava de "sr. Eliot" quando atendia aos chamados de seu patrão.
Depois de o pedido ter sido aceito, Eliot confessou que o teria feito muito antes se soubesse da força dos sentimentos dela, mas que ela sempre o tratara com tanta formalidade que ele nem sequer tinha certeza de que gostasse dele.
Havia muitas razões pelas quais Eliot era cauteloso em relação ao matrimônio, mas a maioria delas podia ser expressa no nome trágico e fatídico de Vivien Haigh-Wood, sua primeira mulher, morta havia pouco.
Eliot, o americano de St. Louis que se mudara para a Inglaterra e autor vanguardista de "Prufrock", conheceu a "vivaz" e neurastênica Vivien (também conhecida como "Vivienne") em Oxford, na primavera de 1915.
Casaram-se em Londres em 26 de junho de 1915, após um namoro relâmpago. Foi uma decisão que Eliot iria lamentar amargamente.
Não demorou a descobrir que sua mulher tinha um histórico de doença nervosa que a deixara emocionalmente instável, fisicamente frágil e terrivelmente vulnerável à imaturidade soturna de seu jovem marido americano.
O primeiro matrimônio de Eliot virou um pesadelo, pesadelo criado em parte por ele próprio.
Parte disso é refletida em "A Terra Desolada", o poema que escreveu entre 1915 e 1922. Alguns dizem que a influência de Vivien sobre o poema é decisiva e que ela até mesmo teria ajudado a escrevê-lo.
Não há dúvida de que a saúde precária dela abalou todos os aspectos da vida de Eliot, levando-o à beira de um colapso nervoso. Em 1923, recém-aclamado por "A Terra Desolada", vivia em um apartamento alugado na rua Charing Cross, usava um codinome bizarro, "Capitão Eliot", e adotara o hábito de usar pó de arroz e batom verde-claros.

Abismo
Em meados dos anos 1920, com Vivien sofrendo de reumatismo e nevralgia, os Eliot viviam no que Vivien descrevia como um "abismo temível": um apartamento escurecido, sem receber visitas, sem vida social -uma espécie de paralisia psicológica na qual Eliot mal sentia que estava vivo.
Em 1927, recém-saído de mais uma crise conjugal, Eliot encontrou o consolo da fé: foi batizado e então recebido na Igreja Anglicana.
Para os admiradores para os quais "A Terra Desolada" tinha sido obra de um grande iconoclasta moderno, foi uma traição profunda.
No mesmo ano, completando sua transição psicológica para a Inglaterra, abriu mão de sua cidadania americana.
Enquanto isso, Vivien migrava desvairadamente de um sanatório a outro. Em suas raras visitas a Londres, causava sofrimento agudo a seu respeitável marido, que deixara seu emprego na City para trabalhar na Faber & Faber.
Em uma ocasião típica, numa festa literária, ela gritou com ele, dizendo "você é o pior esnobe que já conheci", para seu grande constrangimento.
De modo não surpreendente, Eliot refugiou-se no álcool. Anthony Powell escreveu em seu diário: "Eliot vive bêbado hoje em dia".
E assim a tragédia do sr. e da sra. Eliot continuou. O poeta se isolou em seu escritório, no terceiro andar do nº 24 da Russell Square, em Londres.
Quando Vivien o procurava ali, os funcionários da Faber eram instruídos a dizer que ele não estava; enquanto isso, ele deixava o prédio pela porta dos fundos.
Vivien, desesperada, andava por Londres armada com uma faca de brinquedo feita de borracha, ameaçando vingança. Em 1935, já em estado de colapso quase total, Vivien provocava escândalos nas encenações das peças de seu marido.
Finalmente, em 1938, Eliot e a família Haigh-Wood, numa iniciativa controversa cujos detalhes ainda hoje são obscuros e objeto de versões desencontradas, internaram Vivien num hospital psiquiátrico particular em Finsbury Park.
Ela morreu em 1949, coincidentemente o mesmo ano em que Valerie Fletcher foi trabalhar na Faber & Faber como "secretária do sr. Eliot".
Com uma história pessoal tão traumática, Eliot, que mesmo nos melhores momentos da vida era um homem cauteloso, procedeu com cautela infinita quando cortejou Valerie.
Os dois agiram com cuidado enorme. Outra secretária na Faber e mais tarde diretora da editora, Rosemary Goad tem lembranças vívidas da "senhorita Fletcher", a garota nova da equipe de datilógrafas.

Discrição
"Brincávamos com ela sem dó, ironizando sua devoção por TSE, mas ela levava tudo na esportiva", diz Goad. "Nenhum de nós desconfiava de algum romance. Era tão improvável que nunca nos ocorreu que pudesse existir."
Ela ainda se recorda da discrição imensa de sua colega, mesmo quando já usava aliança de noivado "com uma esmeralda enorme".
"Perguntamos muitas vezes quem lhe dera a aliança, mas ela nunca nos contou", diz Goad, que também recorda que Eliot costumava levar sua secretária ao Hotel Russell para tomarem drinques após o trabalho. "Ele dava rosas vermelhas a ela", conta Goad.
Como muitas das outras ocasiões de grande importância na vida de Eliot, seu casamento com Valerie foi realizado em meio a grande sigilo, na igreja St. Barnabas, em Kensington, muito cedo na manhã de 10 de janeiro de 1957.
A razão pela qual Eliot não fez confidências nem mesmo a seus amigos mais íntimos foi o horror que tinha de publicidade, mas isso também condizia com seu temperamento; além disso, queria guardar o segredo para si mesmo.
Todas as evidências apontam para um homem idoso (69 anos) que estava sentindo grande prazer nas sensações pouco conhecidas do amor romântico.
Em seus cadernos de recortes e anotações, mostrados com exclusividade ao "Observer", é possível ver o planejamento meticuloso que Eliot fez dessa cerimônia matinal tão importante. Ninguém foi notificado de antemão.
O escritório da Faber receberia a notícia em uma carta a seu presidente, Geoffrey Faber. Nem mesmo o amigo de longa data de Eliot John Hayward, que também vivia no edifício Carlyle Mansions, ficaria sabendo antes da própria manhã do casamento.


Como muitas das outras ocasiões de grande importância na vida de Eliot, seu casamento com Valerie foi realizado em meio a grande sigilo, na igreja St. Barnabas, em Kensington, muito cedo na manhã de 10 de janeiro de 1957


Às 7h15, um furgão simples buscaria o noivo enrubescido em seu clube, o Athenaeum, onde passara a noite, e o levaria na trajetória curta até a rua Addison. As únicas testemunhas da cerimônia seriam os pais de Valerie Fletcher, que tinham se hospedado com sua filha no Bailey's Hotel.
O padrinho do noivo, amigo de Eliot, foi também o sacerdote que oficiou a cerimônia, o reverendo C.P. Wright.
Às 8h, após a cerimônia curta, um táxi levaria o feliz casal para o café da manhã do casamento, num apartamento próximo, seguido por um voo até o sul da França.
Quando a notícia viesse à tona -"A Noiva Confidencial"-, eles já estariam fora do alcance da imprensa britânica.
Quase fora de seu alcance, mas não inteiramente. Os cadernos do casal contêm um recorte do "Daily Express": "T.S. Eliot dá entrevista fotográfica única". Parece que isso não foi problema.
Recém-casada e feliz, Valerie Eliot enviou um cartão-postal a suas colegas secretárias na Faber, dizendo "tenho muita coisa a contar a vocês na segunda-feira -preparem-se para não trabalhar!".

Casamento feliz
"Um fotógrafo do "Daily Express" nos flagrou no saguão nesta noite, e um homem do "Daily Mail" nos perseguiu até Roquebrune! Lua de mel maravilhosa, exceto por TSE ter contraído uma gripe e rachado um dente." Após a morte de Eliot, ela disse à BBC: "Ele obviamente precisava de um casamento feliz. Não morreria enquanto não o tivesse. Havia dentro dele um garotinho que nunca se libertara."
Apesar dos 38 anos de diferença entre eles, o segundo casamento de Eliot lhe trouxe a realização plena.
Rosemary Goad diz: "Ele foi completamente rejuvenescido por Valerie".
Tendo feito parte do quadro de profissionais da Faber muito tempo depois da morte de Eliot, recordo-me de seu editor americano, Robert Giroux, me contando sobre a primeira visita feita pelos Eliot a Nova York, recém-casados.
No dia depois de chegar à cidade com sua jovem mulher, o escritor famoso telefonou para seu editor para fazer apenas um pedido: o hotel era ótimo, mas eles queriam uma cama de casal.
Todos concordam que Eliot encontrou enorme prazer em sua vida conjugal com Valerie, tendo escrito em um poema posterior ("A Dedication to My Wife", Uma Dedicatória a Minha Mulher) sobre "amantes cujos corpos cheiram um ao outro".
Nos cadernos de recortes, o casal reuniu uma série de suvenires ternos e mundanos, exemplares de papel de parede de quartos, bilhetes rabiscados em programas de teatro, recortes de jornais cuidadosamente datados e cardápios anotados de jantares requintados ("Valerie pediu crepe suzette").

Teatro e dança
Em festas literárias, os convidados observaram, fascinados, a figura cadavérica do poeta de mãos dadas com sua mulher jovem, loira e de seios fartos. Valerie, por sua parte, estava sempre a postos para afastar atenções indesejadas.
Os cadernos de recortes também trazem evidências de que Eliot, além de marido e amante, fez o papel de mentor e figura paterna para Valerie. Eles geralmente ficavam em casa à noite, mas, quando iam ao teatro, ele fazia anotações cuidadosas nos programas.
Depois de assistir a "Beyond the Fringe" [Além da Margem], Eliot rabiscou no verso de seu programa: "Quarteto de jovens espantosamente vigoroso: o espetáculo é ágil e bem produzido, um misto de brilhantismo, juvenilidade e mau gosto".
Observou especialmente Peter Cook e Alan Bennett, concluindo que "é agradável ver esse tipo de entretenimento sendo tão bem sucedido".
Em outro recorte, ele diz ao "Daily Express": "Estou pensando em fazer aulas de dança outra vez, já que não danço há alguns anos".
A alegria recém-encontrada na vida de Eliot se manifesta em seus trabalhos posteriores.
Na época de seu casamento, ele estava concluindo uma peça nova, "The Elder Statesman" [O Velho Estadista], em que uma figura pública sênior é comparada a um bicho-da-seda que durante anos sobrevive à base de folhas de amoreira muito amargas.
Sua filha lhe diz que é hora de desistir dessa dieta e sair para o mundo, como uma borboleta.
A tragédia da felicidade recém-encontrada de Eliot foi que sua saúde, que nunca fora boa, estava começando a se enfraquecer.
Na Londres fria e poluída do pós-guerra, sofreu gravemente de gripe e bronquite, e seu coração era fraco. Valerie organizou as coisas para que Eliot tirasse férias durante o inverno, para convalescer, nas Bahamas e no Caribe.
Os cadernos deles contêm muitas fotos que os mostram relaxando ao sol.
Eliot, de colete e boina branca de golfe, pode ter as barras das calças enroladas para cima, mas mesmo assim parece desajeitado e deslocado, como um bancário numa festa.
Além de visitas anuais à Jamaica, Valerie levava Eliot para passar períodos com sua mãe idosa em Leeds. Previsivelmente, a sra. Fletcher ficava maravilhada com seu genro e impressionada com sua aparência, que descrevia como "virginal".
Em junho de 1964, Eliot fez sua última visita a Leeds, cidade da qual aprendera a gostar.
Em outubro daquele ano, mergulhou num coma do qual não se previa que acordasse. Valerie segurou sua mão durante uma vigília que atravessou a noite, e, pela manhã, ele recobrou consciência.
Mais tarde, ela contou ao "Observer" que "ele me olhou como quem dissesse "consegui!'", e ela o levou para casa, em Kensington. Quando atravessou a soleira do apartamento, carregado, ele exclamou "viva, viva, viva!", e durante algum tempo recobrou suas forças.
Mas vivia à base de oxigênio, e no Natal seu coração começou a fraquejar novamente. Segundo Peter Ackroyd, cujo relato não autorizado da vida de Eliot ["T.S. Eliot", ed. Penguin] é de longe o melhor que está disponível, o poeta saiu de seu coma final para pronunciar o nome de Valerie e então morreu, em 4 de janeiro de 1965.
Valerie tinha 38 anos quando ele morreu. Durante anos guardou o apartamento deles em Kensington como santuário à memória de Eliot, sem mudar nada, chegando a guardar os frascos de oxigênio dos seus últimos dias de vida.

Testamento
Além de sua dor profunda, ficou com o complexo legado do espólio literário de T.S. Eliot, que estava rapidamente se tornando fenômeno editorial. Além da administração de vários direitos autorais valiosos em todo o mundo e de um fluxo constante de pedidos literários, especialmente da Índia, onde Eliot é reverenciado, havia a questão refratária e cada vez mais difícil de tratar dos últimos desejos do poeta. Em seu testamento -de modo condizente com o espírito de sua época, que rejeitava totalmente a vaidade pessoal-, Eliot pedira que não houvesse biografia dele.
Vários estudiosos e contemporâneos tentaram infringir essa interdição com diversos tipos de memórias efêmeras, sem encorajamento de seus herdeiros.
Como sua viúva, Valerie se sentia obrigada a respeitar os desejos de seu marido. Ela se tornou conhecida no mundo acadêmico por sua pouca disposição em autorizar ou cooperar com as multidões de acadêmicos que se debruçavam sobre a vida e a obra de Eliot.
Pouco a pouco ela foi assumindo o comando da "empresa Eliot". Em 1974, lançou uma edição em fac-símile da edição original de "A Terra Desolada", completa e com aparato acadêmico grande, iniciativa que foi muito elogiada.
Rosemary Goad se recorda: "Valerie sentiu muito orgulho dessa edição. Significava que ela finalmente podia afirmar-se como estudiosa de Eliot por direito próprio".
Então veio o musical de Andrew Lloyd Webber baseado em "Old Possum's Book of Practical Cats" [O Livro Prático de Gatos do Velho Gambá].
De uma hora para outra, o autor intimidativo de "A Terra Desolada" estava sendo visto sob ótica nova e brincalhona por escolares e seus pais em lugares tão distantes quanto Tóquio e Buenos Aires. "Cats" também enriqueceu imensamente os herdeiros de Eliot, alimentando mais inveja.
Naquela época, em meados dos anos 1980, a Valerie Eliot que conheci sentia prazer imenso no burburinho emocionante que cercava a boa sorte inesperada dos herdeiros de Eliot.
Vestida magnificamente na alta moda dos anos 1930, sua presença acrescentava uma dose de diversão pré-guerra ao trabalho rotineiro do conselho de direção da Faber.
Depois de terminadas as reuniões, ela não precisava de incentivos adicionais para ir ao Savoy Grill, onde era festejada como se fosse membro da realeza. "Que tal um pouco de gim?" era o preâmbulo regular a horas de reminiscências fascinantes sobre "Tom", "Wystan" [Auden] e "Stephen", além de muitos outros da época áurea do modernismo britânico.
Se alguém tivesse gravado aqueles momentos de recordações espontâneas! Hoje, Valerie Eliot continua a viver tranquilamente no apartamento que dividiu com seu marido, "vivendo e vivendo parcialmente", nas palavras do coro em "Assassinato na Catedral". Os papéis de Eliot estão guardados em segurança em Harvard, Texas, Nova York etc., mas primeiras edições autografadas de muitos textos-chave do século 20 lotam as estantes de livros que cobrem as paredes do apartamento.
Sobre mesas e cômodas há inúmeras fotos e miniaturas, uma exposição fascinante de objetos eduardianos.
Valerie tem 82 anos e sua saúde é frágil, mas ela conta com a ajuda constante e dedicada de Debbie, sua secretária confidencial. Ela nunca concede entrevistas.
À noite, comparece a eventos literários ocasionais e encontra amigos dos velhos tempos, como a viúva de Stephen Spender, Natasha. Quando os muitos volumes das cartas de T.S. Eliot começarem a ser publicados, ainda em 2009 [pela Faber], seus fãs ficarão um passo mais próximos daquela biografia que ainda não saiu.
Por enquanto, sua viúva acalenta a memória dele em meio a uma massa fascinante de memorabilia e acaba de autorizar a BBC a fazer um filme sobre a vida particular e pública do homem a que ainda chama de "Tom", às vezes no tempo presente.


A íntegra deste texto saiu no "Observer". Tradução de Clara Allain.


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